Para Stewart Sukuma, tudo começou com uma viola de plástico aos sete anos
Rompendo o silêncio da música moçambicana, Stewart Sukuma estreia-se no Coliseu de Lisboa e lança um disco duplo, onde as raízes musicais do seu país andam a par da história moura na Península Ibérica
Num lado, tem Os Sete Pecados Capitais, no outro, virando o livro ao contrário e com o topo para baixo, surge Boleia Africana. Um, é marcadamente moçambicano de raiz, o outro mesclado de várias culturas e sonoridades, com convidados como Pedro Jóia, Cuca Roseta, Luis Represas, Maria Berasarte ou JP Simões, entre muitos outros. Alguns estarão com ele agora no Coliseu (às 21h30).
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Num lado, tem Os Sete Pecados Capitais, no outro, virando o livro ao contrário e com o topo para baixo, surge Boleia Africana. Um, é marcadamente moçambicano de raiz, o outro mesclado de várias culturas e sonoridades, com convidados como Pedro Jóia, Cuca Roseta, Luis Represas, Maria Berasarte ou JP Simões, entre muitos outros. Alguns estarão com ele agora no Coliseu (às 21h30).
Stewart Sukuma, cujo nome de registo é Luis Pereira, nasceu em 1963, em Cuamba, Niassa. “Os meus pais separaram-se muito cedo, a minha mãe vivia sozinha. O primeiro contacto que tive com a música foi através de um presente que recebi num Natal, entre os que davam a pessoas mais pobres: uma viola de plástico, tinha eu uns 7 ou 8 anos. A partir daí foi um click.” Mas houve outro “click”, para lá do brinquedo. “Tinha uma obsessão pela rádio. Quando ouvia as músicas, pensava que as pessoas que falavam estavam dentro do aparelho. Então ficava horas a olhar, à espera de ver aparecer alguém ou sair alguém daquele sítio, ah, ah… A minha vontade era abrir o rádio para ver onde é que eles estavam.” Não tardou a perceber. E aos 12 anos já fazia parte de um grupo de dança popular. “Dançava marrabenta e outros estilos de Moçambique. Fiquei lá três ou quatro anos e lá aprendi a tocar guitarra. Fui autodidacta na maior parte do tempo.”
Depois, aos 14 anos, foi para Maputo e integrou uma banda escolar. “Nunca tive que ir à procura, as coisas estiveram sempre presentes. Aos 18 anos tornei-me profissional, já ganhava dinheiro a cantar, numa boite. Fazia parte da banda residente da casa. Na altura ainda não compunha nada, era tudo imitação, tudo ‘covers’. Cantava Lionel Ritchie, Commodores, Roberto Carlos, Paulo de Carvalho, tudo o que era popular.” Música portuguesa ia ouvindo tudo o que podia, de José Cid aos UHF. O que o levou a compor foi o facto de ter participado num concurso onde os concorrentes eram obrigados a apresentar duas músicas próprias, originais, a par de duas canções já conhecidas, que tinham “que imitar”. “Foi a primeira vez que fui impelido a compor. Então escrevi Música quente, influenciada pelos Jáfumega e pelo Danny Silva. Foi um sucesso absoluto. Escrito em português e com um estilo que não se enquadrava necessariamente na estrutura cultural e musical do país. Então as pessoas diziam que música não podia ser minha. Mesmo assim, a Til Discos, que era única editora que existia naquela altura em Moçambique, queria assinar um contrato comigo. E eu só tinha uma música!”
Não assinou, mas também não parou mais. “Deu-me gozo começar a compor. Mas eu tinha uma influência que não queria, muito da música externa. Aí começou a minha preocupação na pesquisa de música tradicional, popular. Que levou muito tempo.”
Colonização moura
Entretanto integrou, como músico, a Orquestra Marrabenta, que viajou muito, durante três anos. “Chegámos a abrir um espectáculo para o Mark Knopfler em Inglaterra. Na maior parte do tempo eu tocava percussão. Mas ouvia que faziam os outros africanos, Baaba Maal, Youssou N’Dour, Manu Dibango, Salif Keïta, Ray Lema, sempre com o olho no mercado, mais para seguir um conceito.” O primeiro disco, afro-pop, grava-o em 1997, na África do Sul. Hugh Masekela, que gravava lá, participou em dois temas.
Na altura, ele namorava uma jovem canadiana e decidiram, ambos, estudar nos EUA. Ela ia para Harvard, estudar resolução de conflitos, e ele iria estudar música na Berklee College. “Como estava do outro lado do rio era perfeito”. Infelizmente, recorda ele, a relação acabou antes da partida, mas decidiu ir na mesma. “Estive lá dois anos. Foi uma escola fantástica, o sítio perfeito para estar e para aprender.” Mesmo assim, estranharam a sua presença: se já tinha um disco gravado, o que fazia ali? “Mas eu sabia o que queria da Berklee: a disciplina musical.” Não terminou o curso, mas um ano depois de sair de lá foi nomeado para o “board” da escola que selecciona os artistas africanos para lá estudarem. Resultado: o primeiro país africano que a Berklee visitou foi Moçambique.
Entretanto, torna-se em 2005 apresentador de televisão, em Moçambique, ocupação que mantém até hoje e, em 2007, num período “já mais maduro”, grava o CD Nkhuvu, onde participam Lokua Kanza, Bonga, Jimmy Dludlu e Elizah. Um digno antecessor do duplo CD agora lançado. “Boleia Africana foi baseado na colonização da Península Ibérica pelos mouros. Adoro História, fascina-me. Então fiz um estudo para ver como tinha sido essa ocupação e avancei para o disco. E quis fazê-lo aqui. O outro, Os Sete Pecados Capitais, como eu queria ter uma parte que fosse mesmo africana, gravei-o no Maputo com os meus músicos, com uma vertente mais tradicional, 90% das músicas gravadas nas línguas nacionais, enquanto o outro é gravado em português.” Quanto ao livro que acompanha os discos, ele justifica-o por querer “contar uma história”: “Por isso tem mesmo a estrutura de um livro, com título, editora, capítulos e tudo.”