170 académicos portugueses e estrangeiros declaram apoio ao ensaio dos graffiti

Texto que critica decisão do director do ICS e declara apoio aos responsáveis da revista e ao autor do ensaio visual está na internet para subscrição. Director diz agora que a decisão é “preventiva e provisória” até que o conselho científico se pronuncie.

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Numa declaração publicada num site especialmente criado para o efeito, e que está aberta desde esta sexta-feira à subscrição pública, os 170 subscritores iniciais contradizem os argumentos usados pelo director do ICS para suspender o último número da revista. José Luís Cardoso afirmou ao PÚBLICO que o ensaio visual continha “imagens e mensagens que eram susceptíveis de pôr em causa o bom nome e a imagem do ICS e da revista” e que a publicação não tinha respeitado as regras editoriais da publicação, por não ter sido sujeita a aprovação de consultores externos.

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Numa declaração publicada num site especialmente criado para o efeito, e que está aberta desde esta sexta-feira à subscrição pública, os 170 subscritores iniciais contradizem os argumentos usados pelo director do ICS para suspender o último número da revista. José Luís Cardoso afirmou ao PÚBLICO que o ensaio visual continha “imagens e mensagens que eram susceptíveis de pôr em causa o bom nome e a imagem do ICS e da revista” e que a publicação não tinha respeitado as regras editoriais da publicação, por não ter sido sujeita a aprovação de consultores externos.

Mas os subscritores alegam que as normas da revista estipulam que o conselho redactorial “tem o direito de editar entrevistas, debates e notas críticas sobre temas de particular relevância para as ciências socias, não estando estas contribuições sujeitas a avaliação externa”. A revista tem publicado contribuições como a de Ricardo Campos sobre graffiti nos últimos três anos e meio, “sem por isso merecer contestação por parte do instituto”.

O ensaio visual “A luta voltou ao muro” de Ricardo Campos faz uma curta genealogia dos graffiti, fala sobre o seu sentido e significado e integra seis graffiti das ruas de Lisboa “que reflectem o sentimento de frustração sentido em Portugal em relação às políticas de austeridade vigentes na União Europeia”, descrevem os académicos nacionais e estrangeiros. “O texto faz uma análise sociológica, não se posicionando a favor ou contra o conteúdo das imagens. Em suma, o último número da revista foi retirado de circulação em manifesto desrespeito pela independência académica da Análise Social, revista cuja reputação estimamos profundamente”, afirmam.

Ao PÚBLICO, o autor, Ricardo Campos, e o director cessante da revista, João Pina-Cabral, classificaram a suspensão como “censura”. O director e os membros do conselho redactorial da revista emitiram um comunicado dizendo discordar “profundamente deste acto, que associam a um gesto de censura” e a uma “ingerência sobre a isenção científica da revista”.

A declaração foi organizada por vários investigadores portugueses, franceses, brasileiros e ingleses, das mais diversas áreas científicas. Entre os nomes mais conhecidos no meio das ciências sociais e humanas, contam-se, entre outros subscritores, antropólogos e sociólogos como Boaventura Sousa Santos , Miguel Vale de Almeida, Noel Salazar (presidente da EASA, European Association of Social Anthropologists), Leslie C. Aiello,  Bela Feldman-Bianco (UNICAMP), David Graeber (LSE), Adam Kuper (LSE). Assim como cinco dos seis Prémios Sedas Nunes em Ciências Sociais (Irene Pimentel, Manuel Carlos Silva, Manuela Ivone Cunha, José Neves), e João Sedas Nunes, professor de Sociologia na Universidade Nova de Lisboa e filho de Adérito Sedas Nunes, que dá nome ao prémio.

Há também cientistas políticos, filósofos e historiadores como Philippe Schmitter (Professor Emérito do Instituto Universitário Europeu, de Florença),  o francês Jean-François Bayart (Sciences Po, Paris), Judith Butler (Universidade da California), António Hespanha (investigador honorário do ICS-UL), Francisco Bethencourt (da cátedra Charles Boxer, King’s College, Londres).

Director volta atrás?
Entretanto, o director do ICS enviou esta sexta-feira um email à comunidade de alunos e investigadores do instituto, a que o PÚBLICO teve acesso, onde esclarece que “o acto de suspensão reveste carácter preventivo e provisório e aguarda apreciação e deliberação do Conselho Científico”, marcada para dia 14. “É a este órgão de gestão que compete pronunciar-se sobre a orientação editorial da Análise Social”, esclarece José Luís Cardoso. Ao PÚBLICO há semana e meia, o director dizia ter sido uma decisão tomada apenas por si, mas depois de “conversar com muita gente no ICS”, incluindo de vários órgãos de gestão.

“Continuo convicto da bondade da decisão assumida na passada segunda-feira, dia 27 de Outubro, prontamente apoiada por muitos colegas com funções de responsabilidade institucional, e reitero a minha disponibilidade para contribuir para o encontro da solução que melhor garanta o cumprimento do objectivo de reforçar a unidade do ICS em torno de um projecto cientifico qualificado.”

Há quem leia nestas palavras do director uma reviravolta, depois de ter garantido, numa sessão de esclarecimento sobre o caso, na sexta-feira 31 de Outubro, que não voltaria atrás na decisão. “Todo o caso é de uma enorme gravidade. Mostra claramente que houve uma decisão irresponsável. As instituições científicas não podem funcionar nesta corda bamba e não é saudável para a ciência em Portugal”, afirma ao PÚBLICO Emanuel Cameira, doutorando em Sociologia.

“Ter impedido que o ensaio visual do sociólogo Ricardo Campos integrasse a última Análise Social consistiu num acto censório intolerável. E aqui não pode haver eufemismos, doa a quem doer. Os eufemismos são hipócritas, já dizia Bourdieu. Não se pode anular autoritariamente a posição assumida pelo conselho de redacção da revista e achar isso plausível. Talvez ainda haja tempo de corrigir o erro”, afirma Emanuel Cameira, que vai mesmo mais longe: “Em qualquer dos casos, não vejo como possa o director do Instituto permanecer nas suas funções.”