Auditoria ao Bairro do Aleixo aponta irregularidades à gestão de Rui Rio
Depois de receber o visto prévio do Tribunal de Contas, o fundo de investimento criado para reabilitar o Bairro do Aleixo sofreu alterações e adendas que, de acordo com uma auditoria interna da Câmara do Porto, premiaram por regra os privados em prejuízo do interesse municipal. O relatório de auditoria, muito negativo para a gestão de Rui Rio, vai ser levado aos vereadores e seguirá para o Tribunal de Contas.
O relatório preliminar ao “Apuramento das condições de constituição e funcionamento do Invesurb – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado (FEII)” é devastador para a gestão de Rui Rio, cuja reacção o PÚBLICO tentou obter, sem sucesso. O documento sustenta que desde o contrato inicial entre a câmara e os privados todas as alterações favoreceram os privados em detrimento do interesse municipal.
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O relatório preliminar ao “Apuramento das condições de constituição e funcionamento do Invesurb – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado (FEII)” é devastador para a gestão de Rui Rio, cuja reacção o PÚBLICO tentou obter, sem sucesso. O documento sustenta que desde o contrato inicial entre a câmara e os privados todas as alterações favoreceram os privados em detrimento do interesse municipal.
O relatório do Departamento Municipal de Auditoria Interna, cujo director André da Fonseca e Silva mereceu a confiança de Rui Rio na sua presidência, será distribuído à vereação nos próximos dias antes de, num segundo momento, seguir para o Tribunal de Contas. A sua realização foi ordenada por Rui Moreira e mereceu a hostilidade de apoiantes de Rui Rio. Perante o avolumar da polémica, Rui Moreira tratou de avisar, numa entrevista ao Expresso no início de Setembro, que “Rui Rio faria o mesmo” caso tivesse de decidir sobre o futuro do fundo do Aleixo. O PÚBLICO tentou obter um comentário de Rui Moreira ao relatório, mas a sua assessoria de imprensa avisou que o presidente só se pronunciará quando tiver na sua posse o relatório final, o que ainda não aconteceu. Na mesma altura, o documento será entregue à vereação, disse a mesma fonte.
Para lá do relatório final, que acolherá a contestação das partes envolvidas mas que, de acordo com fontes ligadas ao processo, “não altera o teor do relatório preliminar”, seguirão também para o Tribunal de Contas a adenda ao contrato entre a câmara e a Gesfimo, gestora do Invesurb que integra o universo do BES, aprovada em Julho de 2012 pela assembleia municipal, que prevê um aumento de capital (através da entrada de capital em espécie, cedido pela autarquia) e alteração de posições contratuais no FEII. Nesse momento confirma-se a saída do empresário Vítor Raposo, acusado de burla qualificada no processo que envolve negócios com Pedro Lima, filho de Duarte Lima, em Oeiras, e a sua substituição por António Oliveira, ex-treinador de futebol, que em algumas negociações com a autarquia se fez representar por Manuel Teixeira, que durante 12 anos foi o chefe de gabinete de Rui Rio.
Os auditores entendem que esta adenda contratual “ao implicar uma modificação objectiva do contrato, de onde resultam encargos patrimoniais significativos para o município, justificava o envio, entretanto não ocorrido, do contrato ao Tribunal de Contas para efeitos de fiscalização prévia”. “A inexistência de fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas constitui uma infracção susceptível de apuramento de responsabilidade financeira sancionatória”, conclui o relatório preliminar dos auditores internos, a que o PÚBLICO teve acesso.
Por causa daquela adenda, e do consequente aumento de capital do FEII, a autarquia deteve, entre Julho e Dezembro de 2012, 39% do capital do fundo – o que não podia acontecer, uma vez que estava limitada a uma participação máxima de 30% -, e, em Dezembro, quando alienou as unidades de participação em excesso a António Oliveira, fê-lo com uma perda de 15.747,50 euros, o que “contradiz objectivamente os propósitos enunciados pelo município do Porto”, que havia garantido “o não dispêndio de recursos na constituição do capital do Fundo”.
Os auditores consideram também que o facto de o município ter sido detentor de uma participação “acima do limite estabelecido”, ainda que temporariamente, é um “claro desrespeito pelas condições postas a concurso”. O relatório afirma que “o princípio da concorrência […] foi, salvo melhor opinião, violado”. Estas alterações ao contrato levam mesmo os auditores a questionar se, conhecedores desta possibilidade, outros interessados não se teriam apresentado a concurso, em vez de deixar a Gesfimo como única concorrente.
O documento releva ainda uma outra adenda ao contrato, esta aprovada pelo punho de Rui Rio, e que estabelece uma “alteração à lista de terrenos e de edifícios do município [que o fundo devia reabilitar para realojar os moradores do Aleixo] e do cronograma de entrega das obras de construção e reabilitação a promover pelo Fundo”. A redução em 5037 m2 dos terrenos/prédios identificados pelo município levam, de novo, os auditores a questionar se esta redução, a ser conhecida no momento do concurso, poderia ter resultado num “maior número de propostas e, com isso, um leque de escolhas mais alargado e, quiçá, conseguir-se condições mais vantajosas para o município”. Estas alterações – acrescenta o relatório preliminar –, “à revelia das condições estabelecidas nas peças concursais, podem ser consideradas lesivas dos princípios que devem nortear a contratação pública, desde logo, o princípio da concorrência”, refere o documento, acrescentando que, também aqui, pode haver lugar a “um apuramento de responsabilidade financeira sancionatória” por parte do TC.
Os motivos de preocupação dos auditores não se ficam, contudo, por aqui. O documento detém-se no problema da facturação dos trabalhos relacionados com o Aleixo. A auditoria interna afirma que todas as facturas – incluindo as de demolição das torres – foram emitidas em nome do município, apesar de serem pagas pelo FEII, mas sem que este tenha enviado para a autarquia os comprovativos dos pagamentos efectuados. “Facto que nos parece crítico, uma vez que o município não tem, assim, forma de comprovar que as facturas emitidas em seu nome são efectivamente pagas e salvaguardar que nunca lhe será imputada, no futuro, qualquer responsabilidade pela falta de pagamento”, escrevem os auditores.
Além disso, refere o documento, existem “facturas aceites pelo município do Porto, como sendo relativas a despesas do ‘Bairro do Aleixo’, que não respeitam a trabalhos de demolição ou loteamento e que, consequentemente, não deveriam ter sido aceites, à luz de qualquer critério”. Estas três facturas contabilizam um total de mais de 142 mil euros.
A leitura do relatório preliminar revela ainda que o FEII tem um problema com o cumprimento de prazos. Começou por falhar o prazo de constituição e foi incapaz de cumprir qualquer uma das datas para a entrega de habitações novas ou reabilitadas para realojar os moradores do Aleixo. De facto, o documento refere que os 163 realojamentos já efectuados ocorreram “sem que o Fundo tenha entregado qualquer fogo para o efeito”. Sobre esta matéria, o relatório indica ainda que não houve “qualquer procedimento de controlo realizado pelas empresas municipais” a estas obras de construção/reabilitação, o que se apresenta como “crítico” para os auditores, já que viola o que estava definido no contrato.
Os auditores aconselham o município a “reapreciar o (des)equilíbrio económico do contrato, atenta a capacidade construtiva e o número de fogos previstos no projecto de operação de loteamento objecto de discussão pública, e respectivas consequências para o município”. Isto porque, de novo, todo o processo apresenta muitas falhas nesta matéria: não foi apresentado pelo município um valor base para a alienação dos terrenos do Aleixo; não foi feita a quantificação “clara e precisa” dos custos de obras de reabilitação por m2; não foi definido “um limite máximo para os custos com as demolições e infraestruturas dos lotes do bairro”; o valor “final” dos terrenos do bairro só será determinado “após a venda do último imóvel a construir nestes terrenos”, o que, segundo os auditores, levará o contrato a vigorar “por tempo indeterminado” e sem qualquer garantia de que, no final, o valor será compensatório para o município.