“Não é por causa do comércio livre que a União Europeia tem um desemprego tão alto”

O professor da Universidade de Keio critica as tentativas da UE de proteger o seu sector industrial.

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Yorizumi Watanabe Daniel Rocha

Qual é que acha que pode ser o resultado dos processos de negociação de comércio internacional que estão a decorrer entre os principais blocos económicos mundiais?
É muito importante que se possa criar agora um novo impulso para que se discutir o sistema de comércio internacional e parece-me que esta discussão, que tem como principais actores os EUA a Europa e o Japão pode ser decisiva, principalmente quando as negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) não conseguem avançar, especialmente porque a Índia cria muitos obstáculos. Acho que há aqui uma grande oportunidade de criar novas regras comerciais, de investimento internacional, na área da concorrência e dos concursos. E parece-me que o Japão desempenha um papel fundamental neste processo. Em simultâneo, está a negociar três acordos: na área do Pacífico, com os seus vizinhos asiáticos e com a Europa.

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Qual é que acha que pode ser o resultado dos processos de negociação de comércio internacional que estão a decorrer entre os principais blocos económicos mundiais?
É muito importante que se possa criar agora um novo impulso para que se discutir o sistema de comércio internacional e parece-me que esta discussão, que tem como principais actores os EUA a Europa e o Japão pode ser decisiva, principalmente quando as negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) não conseguem avançar, especialmente porque a Índia cria muitos obstáculos. Acho que há aqui uma grande oportunidade de criar novas regras comerciais, de investimento internacional, na área da concorrência e dos concursos. E parece-me que o Japão desempenha um papel fundamental neste processo. Em simultâneo, está a negociar três acordos: na área do Pacífico, com os seus vizinhos asiáticos e com a Europa.

Para a Europa, não sente que a negociação com o Japão pode ser de importância secundária?
Acho que para a Europa, chegar a um acordo com o Japão pode ser muito positivo. Tem que se pensar que o Japão tem relações muito próximas com muitos países da Ásia e a Europa, se chegar a um acordo com o Japão, pode ficar com uma excelente base para trabalhar com todo o continente asiático.

Porque é que a agricultura continua a ser um problema para o Japão nas suas negociações comerciais com outros grandes blocos económicos?
A agricultura é uma área sensível para todos. Para a Europa também e de forma diferente também para os Estados Unidos. No caso do Japão, a agricultura representa menos de 2% do PIB. Mas há 2,5 milhões de pessoas envolvidas no sector e estão muto decididas em defender os seus interesses. Além disso, a idade, a idade média dos participantes no sector é superior a 60 anos. Essa é mais uma das razões para o Governo tentar proteger o sector agrícola, através de taxas elevadas em alguns produtos, especialmente o arroz.

Mas o perigo para os produtores de arroz japoneses vem da Europa?
No Japão importamos muitos produtos, também da Europa. E o arroz para nós é sagrado. Há vários tipos de arroz, e é possível que produtores europeus consigam penetrar no mercado japonês. Para nós é uma área muito sensível, mas creio que do lado dos europeus existe a compreensão de que não será por causa do arroz que não se chega a um acordo.

Para a Europa – e para Portugal em particular – o vinho pode ser mais sensível…
O vinho já não é um problema. Temos um acordo com o Chile e a Austrália em que o mercado de vinho japonês fica aberto, no caso do Chile de forma progressiva. Acho que não haverá problemas em aplicar o mesmo tipo de acordo com o vinho europeu.

Que outras áreas preocupam o Japão?
Mais de 50% do consumo de carne de porco no Japão é proveniente de importações. Os produtores de carne de porco japoneses estão preocupados que a sua quota de mercado possa descer ainda mais com a abertura do mercado.

Será difícil chegar a acordo com a Europa nesta área?
Há um motivo para que a carne de porco não seja realmente um problema nas negociações entra a Europa e o Japão. A Dinamarca, que é o maior fornecedor europeu de carne de porco para o Japão, não tem um grande interesse em que haja uma abertura significativa do mercado. Eles estão satisfeitos com a situação actual e preferem assegurar-se de que mantêm a quota de mercado actual e o regime que lhes é aplicado, que inclui um tratamento preferencial em determinados tipos de carne de porco. Eles não querem outros produtores a competir com eles. Por isso, tenho a impressão que a União Europeia não irá colocar uma pressão muito grande neste tema.

O que a Europa mais se tem queixado é de os concursos realizados por empresas japonesas se fecharem a empresas europeias, especialmente no que diz respeito aos caminhos de ferro. Concorda?
Não acho que isso seja verdade. Quando os europeus me questionam sobre esta matéria, mostro-lhes sempre um número: nos produtos relacionados com caminho de ferro a Europa tem neste momento um excedente comercial face ao Japão. Apenas há uma excepção, que é o Reino Unido. Com os outros países, Alemanha e França, por exemplo, o Japão importa mais do que exporta. Por isso, o que as estatísticas mostram é que o mercado de caminhos de ferro japonês não está fechado. E há muitos exemplos de encomendas feitas pelas grandes companhias ferroviárias japonesas a produtores europeus. Acho que há aqui uma percepção errada da realidade e seria importante promover um maior diálogo entre os responsáveis das empresas de ambos os lados.

E que queixas tem o Japão em relação à Europa?
Nos produtos industriais. Se é verdade que em alguns produtos agrícolas o Japão aplica taxas de entrada muito elevadas, no que diz respeito aos produtos industriais as taxas no Japão são bastante mais baixas do que as da União Europeia. Por exemplo, no sector automóvel. A Europa aplica uma tarifa alfandegária de 10% e o Japão não tem tarifa. É por isso que a União Europeia tem sido muito reticente em entrar numa negociação comercial que inclua este sector. Eles já beneficiam de um comércio livre. É isso que o Japão quer uma maior abertura destes mercados para os produtos japoneses.

A Europa está com uma taxa de desemprego elevada. Esta é capaz de não ser o momento ideal para negociar a abertura destes mercados…
Nunca há momentos ideais para baixar as tarifas alfandegárias. Mas não é por causa do comércio livre que a União Europeia está a crescer lentamente e tem uma taxa de desemprego tão alta. Acho que é por causa dos problemas estruturais que não foram tratados. Para a União Europeia seria bom expor estes sectores à concorrência internacional, torna-los ía mais resistentes. É uma grande ilusão pensar que a Europa se pode isolar dos mercados internacionais.

E a política monetária? O Japão tem aplicado uma política que conduz à descida do valor da sua divisa. Não há também aqui uma estratégia proteccionista?
Não me parece. A estratégia do primeiro-ministro Shinzu Abe de expansão da política monetária tem tido um efeito positivo ao nível do crescimento económico, o que acaba por ter também um impacto favorável noutros países. E nas várias reuniões do G20 nunca houve nenhuma acusação de que o Japão estivesse a manipular a sua taxa de câmbio. Aliás, relativamente à Abenomics, as suas primeiras setas, de política monetária e política orçamental, estão a fazer a economia crescer, mas agora o que será decisivo é a terceira seta, das reformas estruturais na economia. E a este nível, as negociações comerciais do Japão com os outros blocos, quer no Pacífico que com a Europa, podem desempenhar um papel muito importante.

É uma das provas de fogo que a Aaministração Abe tem de passar para mostrar que consegue avançar com reformas?
Claramente. Eu acho que o Sr. Abe está consciente do efeito positivo que os acordos comerciais poderiam vir a ter para a economia. Como primeiro-ministro, tanto neste mandado como no anterior, deu sempre passos no sentido de avançar com negociações de abertura do comércio.

Quando é que acha que o acordo de comércio com a Europa pode ficar concluído? Dentro do prazo previsto de final de 2015?
Não sei, quanto mais cedo melhor. O ritmo até agora tem sido bom e as duas partes mostram interesse em concluir as questões rapidamente. Mais recentemente, no entanto, assiste-se a uma paragem por causa da mudança na Comissão Europeia.

E no Japão, o Governo Abe é estável? Nos últimos dias houve várias demissões…
Há uma maioria absoluta nas duas casas do Parlamento, acho que isso garante a estabilidade. Mas é verdade que esta remodelação governamental não deveria ter sido feita. A primeira equipa era boa, não se devia ter mexido.