Uma campanha com pistolas de um lado e o trunfo do racismo do outro
Os gastos com os anúncios televisivos na campanha para eleições intercalares nos Estados Unidos passaram a barreira dos 1000 milhões de dólares. É menos do que há dois anos, mas as mensagens são mais negativas do que nas duas eleições anteriores.
A mensagem de Bob Quast, que se tornou viral em Abril, é apenas uma gota de água no mercado lamacento dos anúncios televisivos nos EUA, que se torna particularmente assustador durante as eleições presidenciais e nas intercalares, que são uma complexa mistura entre as legislativas e as autárquicas portuguesas, com mudanças de cadeiras no Senado, na Câmara dos Representantes, nos governos de cada estado, nas câmaras das cidades e numa quantidade de outros cargos que não cabem neste parágrafo, que já vai longo.
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A mensagem de Bob Quast, que se tornou viral em Abril, é apenas uma gota de água no mercado lamacento dos anúncios televisivos nos EUA, que se torna particularmente assustador durante as eleições presidenciais e nas intercalares, que são uma complexa mistura entre as legislativas e as autárquicas portuguesas, com mudanças de cadeiras no Senado, na Câmara dos Representantes, nos governos de cada estado, nas câmaras das cidades e numa quantidade de outros cargos que não cabem neste parágrafo, que já vai longo.
Entre o início de 2013 e a semana passada, foram gastos mais de 1200 milhões de dólares (940 milhões de euros) em anúncios para a televisão, segundo os números do Wesleyan Media Project, um departamento da Universidade de Wesleyan, no estado do Connecticut, que estuda o impacto das campanhas televisivas nas eleições federais nos EUA - isto se estivermos a falar apenas dos candidatos a senadores, membros da Câmara dos Representantes e governadores; quando a análise se alarga à quantidade de outros cargos que não couberam no parágrafo anterior, a estimativa sobe para 1700 milhões de dólares (1300 milhões de euros).
São somas inferiores às que foram gastas nas eleições de 2012 (que se realizaram em simultâneo com as presidenciais), mas este ano os candidatos têm usado e abusado das mensagens negativas, com anúncios que queimam muitas das linhas ainda traçadas nas campanhas para as eleições na Europa.
Desde o início de 2013, o Partido Republicano e os poderosos grupos privados que o apoiam (conhecidos como “super PAC”, de Comissão de Acção Política na tradução para português) gastaram mais em anúncios televisivos do que o Partido Democrata e os seus próprios poderosos grupos privados. Mas tudo mudou nas últimas duas semanas, com a aproximação do dia das eleições.
Com a maioria no Senado em risco, os democratas começaram a pôr quase todas as fichas numa única slot-machine, poupando dinheiro na luta pela Câmara dos Representantes, que os republicanos vão continuar a controlar.
Apostar tudo no Senado
“O declínio nos anúncios para a Câmara dos Representantes bate certo com o que está em causa neste ciclo eleitoral. Ninguém espera que o controlo da Câmara dos Representantes [pelos republicanos] seja posto em causa. A verdadeira batalha está nas corridas para o Senado”, explica Michael Franz, director-adjunto do Wesleyan Media Project. Resultado: o número de anúncios do Partido Democrata para o Senado subiu 37% em relação a 2010 e o Partido Republicano manteve-se mais ou menos na mesma, com uma redução de 7%.
“Até agora, as eleições intercalares de 2014 têm registado um maior volume de anúncios, e de anúncios negativos, em relação a 2010 e 2012, o que desagrada ainda mais aos cidadãos”, frisa o especialista. Mas Michael Franz salienta uma aparente contradição, que pode explicar o impulso pelas campanhas negativas, que visam denegrir a imagem dos adversários mais do que salientar ideias próprias: “Os estudos em ciência política sugerem que os cidadãos podem ficar mmelhor informados se a mensagem for negativa.”
Será verdade para quem os vê, mas a escritora Judy Nichols deixa no Twitter não uma pergunta de um milhão de dólares, mas uma reflexão que já vai nos 1700 milhões de dólares: “Os políticos gastam milhões em anúncios para a televisão, apenas para nos levarem a carregar no botão de silêncio ou a mudarmos de canal. Mas deve resultar, ou então não o fariam.”
O anúncio de Bob Quast, o candidato independente ao Senado pelo estado do Iowa que se tornou uma estrela da noite para o dia, não cabe tecnicamente na categoria de anúncio negativo, mas questiona o limite a que se pode chegar numa campanha eleitoral.
"Rebentar-te os tomates"
“Olá, eu chamo-me Bob e estou a correr”, diz o candidato no início do anúncio, enquanto corre vestido com roupa desportiva a empurrar um carrinho de bebé, tão literal que só poderá confundir quem carrega no botão de silêncio ou muda de canal. Com a anuência do seu cão, Bob Quast declara a fé “em todos os aspectos da Constituição, que até um bebé sabe que inclui uma Segunda Emenda”.
Há várias formas de defender o direito à posse de armas nos Estados Unidos, mas Quast decidiu que a melhor era sacar de uma pistola durante um anúncio televisivo e fazer uma ameaça: “Se fores o predador sexual e sociopata que matou a minha irmã Lynette, e se vieres até à porta da minha casa para fazer mal às minhas filhas, vou usar a minha Glock…”, diz o candidato, completando a frase num grande plano com direito a uma centelha a adornar-lhe a dentadura, cortesia da equipa de produção: “Para te rebentar os tomates.”
No lado do Partido Democrata, o desespero pela forte hipótese de derrota no dia 4 de Novembro levou o actual líder do Senado, o democrata Harry Reid, a tentar travar o virar de costas e a falta de interesse nas eleições desde ano por parte dos eleitores afro-americanos.
Um anúncio pago pela Comissão de Acção Política da maioria democrata no Senado (um grupo do Partido Democrata, e não uma entidade privada) contra o candidato a senador pelo Partido Republicano na Carolina do Norte, Thom Tillis, acusa-o indirectamente pelo homicídio do jovem negro Trayvon Martin, morto pelo vigilante George Zimmerman em Fevereiro de 2012.
O candidato republicano - ouve-se no anúncio que passou apenas na rádio - “até liderou os esforços para a aprovação das leis do tipo stand your ground que levaram à morte a tiro de Trayvon Martin”.
No jornal The New York Times, o primeiro presidente afro-americano do Comité Nacional Republicano, Michael Steel, afirma que os democratas, na recta final da campanha, vão querer aproveitar-se da onda de indignação após a morte de Michael Brown, o jovem negro baleado por um agente da polícia em Ferguson, no estado do Missouri, no dia 9 de Agosto: “Eles estão a tentar convencer a comunidade negra de que basta olhar para um republicano para que as igrejas comecem a arder, para que os direitos cívicos sejam retirados e para que mais jovens negros como o Trayvon Martin sejam mortos.", acusa. "Mas a verdade é que os democratas percebem que o grupo de pessoas que lhe tem sido mais fiel já não é tão fiel como era.”