Os Gala Drop foram ao encontro da sua voz
São uma confluência feliz de pessoas arrebatadas por música nas suas mais diversas expressões. O segundo álbum, II, está aí para o demonstrar, com uma sonoridade expansiva, agora com voz. Na quinta-feira há concerto de apresentação no B.Leza.
Oiça-se a música dos portugueses Gala Drop. É espacial, rítmica, oceânica e psicadélica. Sincretismo de épocas e tipologias, do pós-punk dos anos 1980 ao krautrock alemão dos anos 1970, do dub jamaicano ao disco nova-iorquino dos anos 1970, do tecno de Detroit a africanismos contemporâneos de Lisboa, numa mescla para onde confluem sugestões de Can, Lee Perry, Arthur Russell ou Brian Eno.
Uma coisa é certa. Ao longo dos anos o colectivo foi-se transformando, não apenas em termos sónicos como também de formação, mas o ritualismo, os ecos exóticos e os climas cósmicos nunca os perderam.
Mesmo agora, ao segundo álbum, sobriamente intitulado II, vislumbramos essas características, mescla de sintetizadores de som espacial e ritmos percussivos, mas agora povoados por uma voz.
Trata-se da voz do percussionista americano Jerrald James, mais conhecido por Jerry The Cat, músico de 64 anos, a viver em Lisboa há meia dúzia de anos. É natural de Detroit, a cidade do garage rock, da Motown e do tecno, e quando foi convidado a ingressar no colectivo traçou de imediato uma linha transatlântica em direcção a Lisboa.
“Senti-me de imediato identificado com a música, porque existe qualquer coisa nela que remete para o psicadelismo e para ambientes tecno”, afirma, recordando o primeiro embate com o som do grupo.
Para além de Jerry que entrou quando partia um dos fundadores, Tiago Miranda, o grupo é hoje constituído por Nelson Gomes nos sintetizadores, Afonso Simões na bateria, Rui Dâmaso no baixo eléctrico e Maria Reis, que substituiu Guilherme Gonçalves, na guitarra.
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Oiça-se a música dos portugueses Gala Drop. É espacial, rítmica, oceânica e psicadélica. Sincretismo de épocas e tipologias, do pós-punk dos anos 1980 ao krautrock alemão dos anos 1970, do dub jamaicano ao disco nova-iorquino dos anos 1970, do tecno de Detroit a africanismos contemporâneos de Lisboa, numa mescla para onde confluem sugestões de Can, Lee Perry, Arthur Russell ou Brian Eno.
Uma coisa é certa. Ao longo dos anos o colectivo foi-se transformando, não apenas em termos sónicos como também de formação, mas o ritualismo, os ecos exóticos e os climas cósmicos nunca os perderam.
Mesmo agora, ao segundo álbum, sobriamente intitulado II, vislumbramos essas características, mescla de sintetizadores de som espacial e ritmos percussivos, mas agora povoados por uma voz.
Trata-se da voz do percussionista americano Jerrald James, mais conhecido por Jerry The Cat, músico de 64 anos, a viver em Lisboa há meia dúzia de anos. É natural de Detroit, a cidade do garage rock, da Motown e do tecno, e quando foi convidado a ingressar no colectivo traçou de imediato uma linha transatlântica em direcção a Lisboa.
“Senti-me de imediato identificado com a música, porque existe qualquer coisa nela que remete para o psicadelismo e para ambientes tecno”, afirma, recordando o primeiro embate com o som do grupo.
Para além de Jerry que entrou quando partia um dos fundadores, Tiago Miranda, o grupo é hoje constituído por Nelson Gomes nos sintetizadores, Afonso Simões na bateria, Rui Dâmaso no baixo eléctrico e Maria Reis, que substituiu Guilherme Gonçalves, na guitarra.
Entradas e saídas
As entradas e saídas da formação, segundo Nelson, têm contribuído para que o grupo, sem perder a identidade, se vá abrindo a novos espaços de inspiração. “A forma como a integração dos músicos tem sido feita permite que vão trazendo coisas novas, sem que se perca a linha condutora”, reflecte. “Quando o Guilherme entrou, trouxe um novo instrumento, a guitarra, e isso conduziu-nos para lugares que até aí não tínhamos explorado. O mesmo aconteceu com a entrada do Jerry.”
Nelson faz parte da produtora Filho Único e da editora Príncipe, para além de assinar a solo como Black, mas os outros também têm outras actividades. Os Fish & Sheep e Phoebus no caso de Afonso, os Loosers, no caso de Jerry e Rui e as Pega Monstro, no caso de Maria.
Numa fase inicial Jerry era apenas percussionista. Depois aconteceu a revelação vocal. “A partir de determinada altura vimos que ele tinha uma excelente voz, que era uma ferramenta que sempre quisemos utilizar – no primeiro álbum existem algumas vozes, mas abstractas – mas com a qual nenhum de nós se sentia à vontade”, afirma Nelson.
No passado, Jerry, já havia tocado ao lado de formações lendárias do funk como os históricos Funkadelic e Parliament, ou com mestres da música de dança contemporânea de Detroit, como os produtores Theo Parrish e Moodymann, mas a sua voz nunca fora uma das prioridades.
Um dia Nelson e Afonso ouviram o máxi-single Nuclear funk de Arttu, onde Jerry surge a vocalizar, e ficaram impressionados. “Quando ouvimos aquele tema ficamos surpresos e percebemos de imediato que ele tinha capacidades extraordinárias, que provavelmente nunca explorara devidamente. Acabámos por desafia-lo e ele aceitou. Foi preciso chegar aos 60 anos para cantar numa banda”, ri-se Nelson.
“Nunca tinha pensado em mim próprio como cantor”, sorri Jerry, “mas como ninguém o queria fazer, resolvi tentar”. A introdução da voz obrigou-os a repensar as noções de estrutura e de espaço, mas o “vínculo entre música e voz acabou por não ser difícil”, diz Nelson.
A voz do americano enquadra-se sem dificuldade no som escultórico, na forma como ecos e reverberações do dub coabitam com vozes, percussões extravagantes e sintetizadores cósmicos, com camadas de som sobrepondo-se, desaguando em temas mais dolentes como “You and i” ou “All things”, ou mais expansivos como Big city e Sun gun.
O disco foi sendo criado ao longo de quatro anos, com o processo de composição centralizado no ano passado. “Tivemos que tirar um ano de pausa de concertos para que eu e o Afonso nos concentrássemos de forma a finalizarmos o corpo estrutural da música. O processo de composição demorou um ano e a gravação e mistura oito meses.”
Lá fora
Na quinta-feira, dia 6, e sábado, dia 8, realizar-se-ão os concertos de lançamento do álbum, no B.Leza, em Lisboa, e no Plano B do Porto e a única forma de adquirir bilhetes será comprar o CD ou LP na Fnac.
Depois seguir-se-ão mais concertos em território português e no exterior. Essa tem sido aliás a aposta do grupo ao longo dos anos, visível nas diversas digressões encetadas ou no facto de lançarem discos pela editora nova-iorquina Golf Channel Recordings. “Sem o acolhimento inicial que obtivemos em alguns círculos internacionais e sem os concertos por essa Europa fora provavelmente já teríamos acabado”, reflecte Nelson. “Se não tivéssemos tido a capacidade e o investimento em irmos lá para fora teria sido muito difícil continuar.”
No início andaram em digressão europeia com os americanos Excepter e Gang Gang Dance e já depois do lançamento do álbum homónimo de estreia em 2008, deram alguns concertos relevantes como no Anfiteatro ao ar livre da Gulbenkian em Lisboa ou a primeira parte dos Sonic Youth no Coliseu. Mais tarde percorreram a Europa com os Six Organs Of Admittance e acederam a um convite de Panda Bear (Animal Collective) para um concerto num festival em Nova Iorque.
Em 2010 editaram o EP Overcoat Heat e dois anos depois acabou por surgir Broda, um máxi-single colaborativo com o americano Ben Chasny (Six Organs Of Admittance), a que se seguiu uma digressão.
Antes já haviam travado conhecimento com Jerry, que se tem vindo a afirmar, desde então, como uma personalidade influente no seio do grupo. No início do seu ciclo como músico integrou vários grupos de jazz de fusão e quando estava na universidade teve oportunidade de tocar com os Parliament e Funkadelic. Nos anos 1990, dava então aulas, viria a ser sugestionado pelos seus alunos a visitar o clube The Music Institute, a meca do tecno em Detroit, onde haveria de conhecer pioneiros como Juan Atkins, Derrick May ou Kevin Saunderson.
“A partir de determinada altura comecei a comprar música em vinil e à minha volta os meus amigos foram-me convencendo, pelo meu passado, a actuar como DJ”, recorda. “Durante um ano pratiquei em casa e todo o meu salário de professor ia para discos”, diz ele, evocando encontros com Parrish ou Moodymann em lojas de discos.
Depois de DJ passou a produtor, começando a assinar em nome próprio e, como tantos outros americanos da cena de Detroit, acabou por desembarcar na Europa. “Às tantas um dos temas que produzi tornou-se popular em Paris e convidaram-me para tocar lá”, recorda. “Fiquei seis anos”, ri-se. Depois regressou a Detroit, mas sentia saudades da Europa. Paris deixou de ser opção, “pela pouca qualidade do ar”, diz ele, um asmático precoce, e acabou por ficar em Lisboa.
Os outros Gala Drop revêem-se na sua personalidade. “É alguém tranquilo e que ao mesmo tempo emana um brilho muito próprio” refere Nelson, justificando dessa forma também o som mais solto e luminoso que o grupo expõe hoje em dia, enquanto Jerry sorri, argumentando que as letras das canções contêm referências ao seu passado, mas nada de muito específico. “As letras acabam por ser um processo de abstracção” afirma, referindo que a língua não tem segredos para si, numa alusão aos anos que passou no sistema de ensino nos EUA. “Aliás, ainda estou muito ligado às coisas da língua”, comenta ele, “porque aqui em Portugal o meu principal trabalho é ensinar inglês.”
Em Lisboa parece ter encontrado muitas das pontas perdidas que ao longo da vida foi seleccionando no campo da música, acabando por dar-lhes novos sentidos nos Gala Drop. Na verdade é como se o grupo, em II, conseguisse conectar, com descontracção, as pontas que ligam linguagens africanas hipnóticas, com o minimalismo envolvente do tecno de Detroit, através das técnicas do dub e da bonomia portuguesa.
É um álbum que se move por entre vários cenários, num composto impreciso de cadências nostálgicas, electrónicas e linhas de baixo narcóticas, numa viagem por várias geografias e temporalidades, mas onde se sente, afinal, que nunca saímos verdadeiramente da Lisboa dos nossos dias.