Poupança: estamos mais atentos à forma como gastamos o dinheiro
Entrevista com Natália Nunes, do Gabinete de Apoio ao Sobre-endividado da DECO: "Muitas famílias interpretam a questão da poupança como aquilo que sobra no final do mês"
A crise dos últimos anos tornou os consumidores mais atentos e mais poupados. Os portugueses estão hoje menos permeáveis aos apelos da publicidade e, ainda que por factores que têm a ver com o desemprego e os cortes salariais, começam a ponderar mais os hábitos de consumo. Natália Nunes, do Gabinete de Apoio ao Sobre-endividado (GAS) da Deco, reforça a necessidade de se continuar a trabalhar no sentido de uma melhor gestão do orçamento familiar, já que não acredita que 2015 será muito diferente do que foi o último ano.
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A crise dos últimos anos tornou os consumidores mais atentos e mais poupados. Os portugueses estão hoje menos permeáveis aos apelos da publicidade e, ainda que por factores que têm a ver com o desemprego e os cortes salariais, começam a ponderar mais os hábitos de consumo. Natália Nunes, do Gabinete de Apoio ao Sobre-endividado (GAS) da Deco, reforça a necessidade de se continuar a trabalhar no sentido de uma melhor gestão do orçamento familiar, já que não acredita que 2015 será muito diferente do que foi o último ano.
Um dos objectivos do GAS é dar novas ferramentas aos consumidores no sentido da estabilização financeira através da poupança. Tem sido uma tarefa bem sucedida?
Não tem sido uma tarefa fácil. As ameaças têm sido muitas e todos sabemos que nos últimos tempos existem muitos consumidores que não têm conseguido alcançar esses objectivos por motivos que têm a ver com a questão do desemprego e dos cortes salariais. Apesar de todas essas adversidades, os consumidores têm estado a lutar contra esses problemas e, mesmo com toda a redução de rendimentos que existe, continuam a conseguir poupar, muitas vezes até redefinindo esta questão da poupança.
Defende que a definição de metas tem de ser uma prioridade para que as famílias possam poupar no orçamento mensal. Ainda faz sentido aquele chavão de que os portugueses já não têm dinheiro ao dia 15?
Sim. Continua a não haver o hábito de se planear um orçamento familiar. Sabemos que ainda existem muitas famílias a não saber gerir correctamente o seu dinheiro e a não ter, sequer, essa preocupação. Muitas famílias interpretam a questão da poupança como aquilo que sobra no final do mês.
Considera que os portugueses ainda são permeáveis às solicitações da sociedade de consumo?
Ainda são. Por outro lado, esta crise e a necessidade de repensar as necessidades de consumo e o facto de se valorizar mais o dinheiro leva a que os consumidores estejam muito mais despertos para certas ameaças. Hoje, os consumidores estarão muito mais cientes para o perigo de uma publicidade e muito mais conhecedores dos critérios que têm que adoptar no momento de decidir uma compra.
Somos mais irresponsáveis do que noutros países europeus?
Não posso aceitar isso. De forma muito errada, temos sido conotados como consumidores algo irresponsáveis e que por isso atingimos a taxa de endividamento que atingimos, mas não é verdade. Claro que houve aqui alguma irresponsabilidade nossa, enquanto consumidores, mas também houve por parte das instituições de crédito. Ao contrário do que acontece na maior parte dos países europeus endividamo-nos essencialmente na compra de habitação. Não podemos dizer que fomos irresponsáveis por nos termos deixado seduzir. Durante muitos anos tivemos um acesso muito facilitado ao mercado do crédito...
Generalizou-se a ideia de que os portugueses viveram acima das suas possibilidades...
É mais fácil, e é efectivamente a ideia generalizada, dizer que as famílias viveram acima das suas possibilidades, recorrendo ao crédito. Isso aconteceu com algumas famílias, mas temos que perceber quais foram os motivos. Tivemos um regulador, o Banco de Portugal, que durante muitos anos não teve grande preocupação com a taxa de endividamento das famílias portuguesas. O próprio Estado também incentivou ao endividamento por, até ao início dos anos 2000, existir uma bonificação aos juros para os créditos na aquisição de habitação própria e permanente. Falamos de famílias que vinham de um período em que não tinham acesso ao crédito.
A questão do "status social" leva os portugueses a actos de consumo irreflectidos?
Fruto desta crise, as pessoas estão mais atentas à forma como gastam o dinheiro. Acontece menos, mas infelizmente ainda é algo que existe. Uma recomendação básica, como levar uma lista para as compras, pode fazer a diferença. Pode parecer uma coisa pequenina, mas esta recomendação tem a ver com o facto de sabermos que muitas das vezes o consumidor faz compras menos ponderadas, provocadas pela ilusão da publicidade.
Quer dizer que passamos de consumidores com a fama de irresponsáveis a consumidores mais conscientes?
É verdade, mas isso é fruto da necessidade. De uma forma genérica todos temos hoje muito menos dinheiro e por isso temos que nos adaptar e fazer cortes. Hoje, já é comum as pessoas pensarem todos os seus actos de consumo, desde as compras do supermercado até à contratação dos serviços de telecomunicações ou seguros. O consumidor começa a estar mais atento às ofertas de mercado e a negociá-las.
Face ao Orçamento do Estado para 2015, acha que os portugueses vão conseguir poupar no próximo ano?
Gostaria muito de lhe dizer que sim. De qualquer forma existe uma série de incertezas que são referidas no próprio Orçamento e, portanto, as perspectivas não sou animadoras. A principal causa do endividamento familiar tem a ver com a questão do desemprego, dos cortes salariais, da elevada carga fiscal e devido ao facto dos apoios sociais terem vindo a decrescer ao longo destes últimos anos. Esta é uma realidade que vamos continuar a ter presente em 2015. Por isso, para as famílias, no que toca a poupança, não será um ano muito fácil nem muito diferente do que foi 2014.