Vodafone Mexefest: juventude inquieta
Para o bem e para o mal, a recente explosão de festivais pôs definitivamente o país no circuito. A particularidade de um evento como o Vodafone Mexefest, que regressa a Lisboa de 28 a 29 de Novembro, é a forma assumida como alia a descoberta musical à exploração descomprometida da cidade
Primeiro, foram os festivais de Verão, oásis de liberdade e de auto-descoberta. Depois, os festivais de música, no cimento das cidades grandes. E, finalmente, na etapa evolutiva final da maneira como consumimos música ao vivo, os festivais de meia estação, ou "in-between", em que ver um concerto faz tanto parte do conceito como o circular entre espectáculos. O Vodafone Mexefest é um dos exemplos mais dignos deste paradigma. A confirmar nos dias 28 e 29 de Novembro, em Lisboa — "eppur si muove".
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Primeiro, foram os festivais de Verão, oásis de liberdade e de auto-descoberta. Depois, os festivais de música, no cimento das cidades grandes. E, finalmente, na etapa evolutiva final da maneira como consumimos música ao vivo, os festivais de meia estação, ou "in-between", em que ver um concerto faz tanto parte do conceito como o circular entre espectáculos. O Vodafone Mexefest é um dos exemplos mais dignos deste paradigma. A confirmar nos dias 28 e 29 de Novembro, em Lisboa — "eppur si muove".
É difícil ser purista em 2014. Os festivais de música não excluem géneros e é missão impossível esconder um artista ou banda dos infiéis que só gostam pelas razões erradas. Ainda por cima, todas as aglomerações musicais significativas são, de uma maneira ou de outra, patrocinadas por grandes marcas, geralmente operadoras de telecomunicações, e é mais fácil tropeçar num "vox pop" em directo do que naquele teclista de quem somos fãs incondicionais. A inocência que restava foi pelo cano, mas ninguém reparou porque estávamos todos ocupados a tirar fotos a 50 metros do palco.
Não que valha (muito) a pena ser “essa pessoa”, ou seja, o ludita musical do século XXI. Para o bem e para o mal, a recente explosão de concertos e festivais pôs definitivamente o país no circuito. Não é assim tão incomum ver, em Portugal e ao vivo, as bandas que andam a cavalgar o corcel branco do "hype" num determinado momento. E, geralmente, quando se estreiam por cá, isso acontece num festival, não num concerto na primeira pessoa. O calendário, esse, é ininterrupto, durando quase todos os doze meses do ano. O Vodafone Mexefest, por exemplo, regressa a Lisboa no último fim-de-semana de Novembro, a 28 e a 29, e espraia-se por vários espaços da capital, entre repetentes e novidades absolutas — do Cinema São Jorge ao Coliseu dos Recreios, da Casa do Alentejo ao Ateneu Comercial, passando por uma estação ferroviária e uma garagem.
Abramos aqui um pequeno parêntesis para viajar até 2011, o ano da primeira edição do festival. Realizado em Lisboa e no Porto, o Vodafone Mexefest inaugural contou, para citar alguns, com James Blake, Lindstrom, Eleanor Friedberger ou Filho da Mãe, a Sul, e Twin Shadow, Cass McCombs, Tiger & Woods ou King Krule, a Norte. No ano seguinte, já só na capital, o festival trouxe Alt-J, Django Django, Batida ou Gala Drop. E, por fim, em 2013 pudemos ver John Grant, Wavves, Woodkid e Savages. Fecha parêntesis.
Se há alguma crítica não-moralista que se pode fazer a um festival pós-estival como o Vodafone Mexefest é a de que se alimenta de cabeças de cartaz sobretudo dos alinhamentos dos festivais que o antecederam, mas também é verdade que a) isso decorre do calendário assim o exigir; b) só porque nós vimos determinado artista em Junho não significa que toda a gente tenha tido a mesma sorte; e c) a organização tem sabido equilibrar o rácio, não quisesse o festival ser o cartão de visita da “melhor música contemporânea”.
Celebração musical e roteiro urbano
A particularidade de um evento como o Vodafone Mexefest é a forma assumida como alia a descoberta/fruição musical à exploração descomprometida da cidade na versão contemporânea de correr todas as capelinhas. Ou seja, funciona como celebração musical e enquanto roteiro urbano, à medida que as pessoas se vão espalhando pelos mais de dez palcos que concorrem pela sua atenção — é lógico que o processo implica escolhas. Afinal de contas, quantas pessoas antes de 2011 podiam gabar-se de ter visto um concerto na centenária Sociedade de Geografia de Lisboa?
A principal dor de cabeça, adivinha-se, será a mesma dos outros anos. A profusão da oferta e a pressão do excesso de procura origina, por norma, lotações esgotadas com facilidade, de maneira que é aconselhável alguma precaução para evitar ter a noite estragada — antes um mau concerto do que um concerto que não se conseguiu ver. E o cartaz deste ano, que ainda não está fechado, tem mais do que um bom punhado de candidatos para esgotar salas. St. Vincent, por exemplo, uma repetente no Vodafone Mexefest que dispensa grandes apresentações. Ou Sharon Van Etten, que traz a Lisboa um álbum novo num registo diferente dos anteriores. Merril Garbus, aliás Tune-Yards promete ser igual a si própria (pop "lo-fi" em estado de ebulição), mas menos conhecida será a londrina Shura, autora de uma electrónica suave que agradará a fãs de Blood Orange.
O contingente masculino, com Curtis Harding, Kindness, Perfume Genius ou Pharoahe Monch, não está menos bem servido. O primeiro vem apresentar o seu álbum de estreia a solo, “Soul Power”, e com este nome não é preciso dizer mais nada; o norte-americano Adam Bainbridge, ou Kindness, traz o seu segundo disco, r&b electrónico filtrado por um prisma "betamax"; o terceiro, Perfume Genius, é simplesmente “um dos autores mais criativos do momento” para o suplemento Ípsilon; e Pharoahe Monch, nome artístico do rapper nova-iorquino Troy Donald Jamerson, não deve demorar muito para ganhar uma legião leal de fãs em Portugal. Destaque ainda para os concertos dos portugueses Duquesa (Nuno Rodrigues, dos Glockenwise) e Éme (João Marcelo, do colectivo Cafetra).
Nas bandas também há de tudo para toda a gente. Os Dengue Dengue Dengue, por exemplo, parecem os filhos peruanos que El Guincho e SBTRKT nunca hão-de ter. Hoje um trio, os Cloud Nothings prometem dar um banho de suor a todos quantos queiram a água benta do rock. As Deers, um daqueles casos ou-se-ama-ou-se-odeia, são uma espécie de resposta espanhola aos Best Coast. E os Adult Jazz estão lançados para ocupar o trono dos Alt-J. Mas cada um que faça o seu roteiro, claro.
Antes de fechar, parabéns a nós por termos chegado ao fim deste texto sem fazer nenhum trocadilho com a palavra “mexer”. Resumindo e concluindo: estando em Lisboa, não faltam razões — dezenas de bandas e uma dúzia de salas — para sair para a rua nos dias 28 e 29 de Novembro. O bilhete vale 40 euros e pode ser comprado nos locais habituais. Mexam-se — aliás, não fiquem em casa (foi por pouco).