Carmona Rodrigues ilibado de crime no Parque Mayer, mas Ministério Público tenciona recorrer

Juízes confirmam irregularidades no “andamento vertiginoso” do processo de loteamento. Câmara navegava “em águas pouco rigorosas e pouco competentes”

Foto
Carmona Rodrigues à saida do tribunal Daniel Rocha

Nove anos passados sobre os factos que levaram à sua saída forçada da Câmara de Lisboa a meio do mandato para que tinha sido eleito, abrindo assim as portas à vitória do PS de António Costa, o caso não deverá, porém, ficar por aqui. O PÚBLICO apurou que, embora ainda não haja uma posição oficial nesse sentido, o Ministério Público tenciona recorrer da decisão dos juízes da comarca de Lisboa, que confirmaram a existência de várias irregularidades no processo, mas nenhuma delas susceptível de determinar a condenação num processo-crime do género deste. Nas alegações finais, o Ministério Público tinha pedido a condenação dos  envolvidos a penas suspensas, desde que pagassem à Câmara de Lisboa um total de 4,25 milhões de euros.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Nove anos passados sobre os factos que levaram à sua saída forçada da Câmara de Lisboa a meio do mandato para que tinha sido eleito, abrindo assim as portas à vitória do PS de António Costa, o caso não deverá, porém, ficar por aqui. O PÚBLICO apurou que, embora ainda não haja uma posição oficial nesse sentido, o Ministério Público tenciona recorrer da decisão dos juízes da comarca de Lisboa, que confirmaram a existência de várias irregularidades no processo, mas nenhuma delas susceptível de determinar a condenação num processo-crime do género deste. Nas alegações finais, o Ministério Público tinha pedido a condenação dos  envolvidos a penas suspensas, desde que pagassem à Câmara de Lisboa um total de 4,25 milhões de euros.

No retrato dos acontecimentos feito na sentença, a pressa que a Câmara de Lisboa tinha em concluir o negócio, motivada por questões financeiras mas acima de tudo políticas – revitalizar o antigo recinto do teatro de revista a tempo de dali tirar dividendos nas eleições autárquicas seguintes – justificou por exemplo o “andamento vertiginoso” de que beneficiou nos Paços do Concelho o processo de loteamento dos terrenos de Entrecampos. Uma irregularidade que “pode ser passível de censura no seio administrativo, mas fica aquém da responsabilidade criminal”. Segundo os juízes, o patrão da Bragaparques, que tinha como principal objectivo “lucrar, e muito, com as operações comerciais” que realizava, percebeu desde cedo que a sorte lhe sorria: “Estava numa posição de força, tinha aquilo que o município queria [o Parque Mayer] e podia fazer-se valer disso”. Já o município “estava destituído de qualquer poder sobre a Bragaparques” na negociação. Pior ainda, navegava “em águas pouco rigorosas, pouco competentes e eficazes”.

Quando discutiam a permuta de terrenos na câmara e na Assembleia Municipal, os responsáveis políticos faziam-no à medida das suas limitações: “As questões técnicas nunca eram abordadas com rigor, por falta de conhecimentos específicos”.

É perante este cenário, em que os arguidos fizeram “algumas cedências" ao grupo de Braga, que os juízes concluem não existirem provas de que Carmona, Fontão de Carvalho, Eduarda Napoleão e três outros arguidos terem actuado em benefício próprio ou daquela entidade privada. Cai assim, no caso dos antigos autarcas, a acusação de que eram alvo, de prevaricação de titular de cargo político. Quase todas as suspeitas terão assentado num conjunto de "impressões, convicções não sustentadas, boatos e rumores", que contribuíram para delinear "um frágil desenho da realidade". Nas situações mais dúbias os juízes aplicaram o princípio segundo o qual devem absolver os réus em caso de dúvida.

 Não se provou que o município tenha ficado prejudicado nos valores atingidos com a permuta e com a venda em hasta pública dos terrenos da antiga Feira Popular que sobraram dessa permuta. E mesmo quanto à violação das regras urbanísticas, que o Ministério Público dava como certa, o tribunal considerou discutível que tenha acontecido: "Existem inúmeros argumentos nos dois sentidos", por serem possíveis diversas soluções jurídicas.

No fundo, descrevem os juízes, “é a diferença entre aceitar uma prática ilegal ou apenas uma interpretação mais permissiva das normas, afastando-se de uma leitura mais restritiva e proibitiva, de forma a assegurar um fim rápido para um processo que se queria célere”. O acórdão refere que as opções urbanísticas são frequentemente objecto de discordância – seja pelo volume de construção em determinada área, seja pela sobrecarga de tráfego. Mas essas são escolhas políticas, não sindicáveis pelo tribunal.

À saída do tribunal, Carmona Rodrigues fez questão de dizer que não abandonou a câmara. Foi pressionado para sair dela em 2007 por Marques Mendes, então líder do PSD, depois de ter sido constituído arguido neste processo. "Houve um grupo de pessoas que fez cair a câmara", declarou o antigo presidente da câmara aos jornalistas à saída do tribunal, numa referência aos vereadores do PSD que se foram demitindo, uns a seguir aos outros, até deixar de haver condições legais de funcionamento. Contactado pelo PÚBLICO, Marques Mendes escusou-se a comentar a decisão dos juízes.

Feroz opositor da permuta Parque Mayer-Feira Popular, o vereador José Sá Fernandes diz nunca ter acreditado que na origem do negócio estivesse um conluio entre a equipa de vereadores liderada por Carmona Rodrigues e a Bragaparques. "O mais importante é que todo o negócio foi anulado pelos tribunais administrativos", realça, "e que neste momento tanto o Parque Mayer como os terrenos de Entrecampos são propriedade camarária". Como a empresa de Braga não ficou satisfeita com as quantias que o município aceitou pagar-lhe, o problema será agora resolvido num tribunal arbitral.

No primeiro julgamento do caso, em 2010, os juízes haviam considerado inútil julgar os antigos responsáveis camarários, por entenderem também que os factos da acusação não eram matéria criminal, mas somente do foro administrativo, além de que a decisão final coube à Assembleia Muncipal de Lisboa. Após recurso do Ministério Público o julgamento foi mandado repetir.