Editorial: o problema dos “dois Outubros”
Quando diz “julgamento”, Pedro Passos Coelho fala do momento em que os portugueses vão escolher quem os governa. “Daqui a um ano” remete para Outubro, quando estão previstas as eleições.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Quando diz “julgamento”, Pedro Passos Coelho fala do momento em que os portugueses vão escolher quem os governa. “Daqui a um ano” remete para Outubro, quando estão previstas as eleições.
Faltam de facto 12 meses para o “julgamento” e Passos tem três hipóteses: 1) Deixar tudo na mesma, 2) Fazer uma remodelação governamental e 3) Antecipar as eleições.
O primeiro é o pior dos cenários. Sabemos que o primeiro-ministro é de uma enorme lealdade para com os seus ministros e que, em nome da amizade, da estabilidade, da imagem de Portugal no estrangeiro e também da teimosia, tem feito tudo para que o comboio siga nos carris que ele desenhou. E, no seu desenho, os carris vão pelo menos até Outubro de 2015, ao ritmo que ele escolheu, com as regras e a equipa que ele escolheu. Passos tem o mandato dos portugueses e a legitimidade para o fazer. Como muitos portugueses, o Governo parece estar a dar crédito às teses de que houve sabotagem dentro das máquinas ministeriais e que foi essa a origem dos graves problemas técnicos que provocaram o caos – a palavra não é excessiva – em milhares de escolas e de tribunais. Independentemente da origem, por terem sido erros técnicos e não erros políticos, Passos terá sempre argumento para dizer que os seus ministros pediram desculpa e a seguir arregaçaram as mangas e foram à procura de soluções. Mas a política é por definição mais complexa do que isso. Não se vislumbram quaisquer vantagens para o país em manter no poder interlocutores com quem é na prática impossível dialogar. E sem diálogo não há política. Há apenas poder para mandar.
O segundo cenário, uma remodelação, dava ao Governo uma nova energia e capacidade de gerir os próximos 12 meses sem a sensação de arrastar os pés, num esforço penoso que desinspira quem está dentro e quem está fora do Governo. Já não é a primeira nem a segunda vez que, dentro de alguns ministérios, circulam súbitos e convictos alertas do tipo “façam as malas, isto vai cair amanhã”. Foi assim em Julho do ano passado, mas repetiu-se a seguir. A percepção de que um governo pode cair a qualquer momento não beneficia ninguém.
E finalmente a terceira: antecipar as eleições. É um pouco absurdo a forma como hoje todos falam do problema “dos dois Outubros”, o facto de a lei eleitoral dizer que as eleições legislativas devem ser feitas entre “Setembro e Outubro” e de a lei do enquadramento orçamental dizer que o Orçamento do Estado tem de ser entregue na Assembleia da República até Outubro. Esse problema existe pelo menos há 23 anos. Desde 1979 que as eleições são em Outubro e desde 1991 que o Orçamento tem de ser entregue em Outubro. Já houve várias eleições antecipadas, mas nenhuma por causa deste problema. O problema de Outubro é real, mas por outras razões. E são razões que existem desde 2011, quando foi criado o Semestre Europeu. Esse calendário impõe o seguinte em relação à construção dos orçamentos: em Março, os Estados-membros apresentam os seus Programas de Estabilidade e Convergência; em Abril, cada país tem reuniões bilaterais com a Comissão Europeia; em Maio, a Comissão apresenta as suas recomendações específicas a cada país; em Junho, os ministros discutem com o Conselho Europeu essas recomendações; em Julho, os líderes nacionais aprovam as recomendações finais; em Agosto, há férias e a seguir, em Setembro, cada Estado apresenta os seus orçamentos; em Outubro, há nova ronda de reuniões com a Comissão; em Novembro, a Comissão dá a sua opinião formal sobre os orçamentos apresentados nos vários parlamentos (que na linguagem europeia são ainda considerados “esboços de planos orçamentais”); e finalmente em Dezembro/Janeiro, os orçamentos são aprovados pelos Estados. É por esta razão bem concreta que os nossos “dois Outubros” são um problema. E um anacronismo europeu. Em Portugal, quando um governo é eleito em Outubro, já está oito meses atrasado em relação às regras europeias.