O investimento directo estrangeiro é mais que financiamento
O investimento directo estrangeiro é também fonte de inovação e acréscimo de valor.
O investimento estrangeiro que o país procura é muito mais que uma fonte de financiamento, devendo incentivar-se o que é realizado de raiz e também traz consigo tecnologia e novos mercados e financiamento, enquadrados por sistemas avançados de organização. Espera-se ainda que possa adicionar transferência de inovação através da subcontratação local de bens e serviços intermédios.
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O investimento estrangeiro que o país procura é muito mais que uma fonte de financiamento, devendo incentivar-se o que é realizado de raiz e também traz consigo tecnologia e novos mercados e financiamento, enquadrados por sistemas avançados de organização. Espera-se ainda que possa adicionar transferência de inovação através da subcontratação local de bens e serviços intermédios.
Distinguimos, desde logo, os investimentos estrangeiros de maior vulto, acompanhados pela AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal) de montante superior a 25 milhões de euros ou que respeitem a empresas com volume de vendas acima de 75 milhões. É este IDE que, com maior frequência, beneficia de incentivos fiscais que deverão ser contratualizados selectivamente em função de critérios económicos, O IDE de menores proporções apresenta formas diferenciadas, como a internacionalização da distribuição de empresas médias ou iniciativas de PME inovadoras que pretendem desenvolver projectos competitivos, isoladamente ou com parceiros nacionais.
A atracção de investimento estrangeiro não é fácil. Mesmo as pequenas empresas estrangeiras têm uma percepção desmotivadora de custos de contexto – lentidão e incerteza dos processos administrativos e judiciais, práticas de corrupção, custos da energia, custos de transporte de e para a origem de matérias-primas e de produtos transaccionados, etc. Muitos desses custos são inamovíveis, como os da excentricidade do país. Mas alguns estão ultrapassados – como a rigidez do mercado de trabalho ou a tributação das sociedades, já abaixo da média europeia.
Deficiências de clareza da base estatística
A análise a que se procede usa a base estatística elaborada pelo Banco de Portugal, de difícil interpretação. Definem-se como fluxos brutos de IDE os capitais oriundos de empresas estrangeiras para criação de novas empresas em Portugal, participações superiores a 10% em empresas já constituídas, os lucros reinvestidos por filiais em Portugal dessas entidades e todos os movimentos de capitais das suas empresas-mãe no exterior para as suas filiais
A discriminação dos fluxos brutos por sectores dá acesso a informação útil para avaliação de tendências, apesar de misturada com meros reajustamentos contabilísticos, por exemplo, na sequência da sediação, em países ou territórios de baixa fiscalidade, dentro da própria União, de holdings cujas participadas no país de origem passam a contar como IDE. A determinação da verdadeira origem dos fluxos é ainda mais dificultada pela prática comum de colocar em empresas-veículos as participações de IDE, falseando a informação. Porém, os valores dos stocks de IDE – por constituírem o acumulado de valores líquidos anuais -- traduzem razoavelmente a realidade.
A AICEP limita-se a apresentar os números dos fluxos brutos e líquidos sem interpretação dos factos subjacentes e sem dar tratamento estatístico discriminado e englobante ao IDE que cai na sua própria alçada.
É urgente voltar às taxas de crescimento de IDE anteriores à crise de 2008
É assim possível concluir que o stock de IDE radicado em Portugal, no final de 2013, era 2,7 vezes o do final de 2000, o que é muito significativo, mesmo descontando a inflação. No primeiro quinquénio do século, o crescimento foi já de 44% e deu-se um grande salto, de mais de 60%, entre 2005 e 2009, interrompido pela crise financeira de 2008 e mantendo, desde então, uma evolução positiva moderada. A deslocação contabilística e artificial de sedes de holdings portuguesas para territórios fiscalmente mais atractivos, que estará reflectida no stock, mais evidencia a desaceleração do IDE.
O acréscimo anual do stock de IDE representou, entre 2000 e 2005, 14% da formação bruta de capital fixo. Essa percentagem subiu ainda para 17% entre 2005 e 2010 mas entre 2010 e 2013 caiu para 12%, mais que acompanhando a descida do investimento total.
Tomando os fluxos brutos de IDE (ver gráficos 2 e 3), concluir-se-á que, em grande parte, ele não se integra no paradigma tecnológico e de exportação que se privilegia. É certo que o Comércio perdeu peso e a Indústria estabilizou. Há sectores que, com a ajuda dos capitais do IDE, beneficiaram de um impulso de sustentabilidade (como as instituições financeiras, com participações de Angola) ou de meios financeiros de que necessitavam para desenvolvimento (caso das comunicações, com a participação de Angola na então ZON) mas sempre sem input tecnológico. O mesmo se dirá dos 3,3 mil milhões de euros das privatizações do sector eléctrico em 2012.
Pese o benefício que algum deste IDE traz, nas atuais circunstâncias de penúria de financiamento interno, fica claro que Portugal tem que promover activamente o tipo de IDE que mais lhe convém, começando pela Indústria – desde a agro-alimentar até à nova indústria transformadora.
O sector agrícola é o grande ausente do investimento estrangeiro, como se veria se a discriminação sectorial fosse levada às décimas. É vital procurar apoio técnico e de capital no exterior – recorrendo, a técnicos com experiência na agricultura, por exemplo, holandeses.
Também em muitos sectores existirão reformados estrangeiros competentes com apetência para conciliarem assistência técnica e residência em Portugal e que deverão ser incentivados e aproveitados.
É aconselhável também a promoção de IDE na área dos serviços de valor acrescentado. Portugal dispõe hoje de infra-estruturas e de sistemas de comunicação de grande qualidade, susceptíveis de atrair a instalação de vários tipos de centros: de investigação e desenvolvimento tecnológico, de desenvolvimento de produtos do âmbito das tecnologias de informação e comunicação, de gestão de distribuição just-in-time, de call-centres exigentes em formação técnica, etc. O mesmo se dirá de serviços hospitalares de alta tecnologia (com ramificações ao correspondente sector de equipamentos), da criação de centros de convalescença e recuperação, de serviços residenciais para a terceira idade, e de muitos outros -- não pela aquisição de empresas existentes, mas sim, por investimento novo que reforce ou abra caminho a novas aplicações tecnológicas.
O peso dos top 5 e as consequências da concorrência fiscal
A distribuição dos fluxos brutos de IDE por países, em 2013 (ver quadro), confirma a elevada concentração em cinco Estados da União – Espanha, França, Reino Unido, Alemanha e Bélgica – que, em conjunto, geraram fluxos correspondentes a 78% do total. Isto poderia sugerir uma subida espectacular relativamente aos dois anos anteriores, com percentagens inferiores a 60%.
Porém, a sua perda da posição relativa em 2011 e 2012 deveu-se a factores extraordinários: às privatizações, com entradas de capitais não originárias desses cinco países e, em parte, admite-se, ao regresso de capitais de empresas nacionais sedeadas no exterior na sequência das amnistias fiscais de 2011 e 2012.
Contudo, a perda de posição dos top 5 deve-se principalmente aos efeitos artificiais da transferência de sedes de holdings portuguesas para países da própria UE (Holanda e Luxemburgo, por exemplo), em aproveitamento de desigualdades fiscais. Por outro lado, a ausência da China e de Angola do grupo dos principais geradores de fluxos externos, ao longo dos últimos três anos, leva a presumir o uso de veículos com as origens habituais -- como as expressas no quadro – dispersando o registo dos fluxos por essas origens.
Só o caminho da UE no sentido da harmonização fiscal e a exigência de registo público dos dados fundamentais das empresas poderão corrigir a iniquidade que decorre da actual concorrência fiscal para países como Portugal.
Há que aumentar o IDE da Alemanha
É chocante o peso reduzido da Alemanha como investidor em Portugal; aliás, as empresas alemãs procederam, nos últimos anos, a desinvestimentos relevantes. Segundo dados do Kiel Institute for World Economy, citados pela AICEP, no final de 2012, a Alemanha era, a nível mundial, o 3º investidor directo no estrangeiro, atrás dos EUA e do Reino Unido. Registava um IDE acumulado fora da Alemanha correspondente a 28% do seu PIB e a 54% do IDE acumulado de toda a UE-27. Os grandes destinatários eram os países limítrofes, com 30% desse stock. A quota de Portugal limitava-se a 0.4%.
Se Portugal acolhesse desse stock alemão uma percentagem do nosso PIB equivalente à dos restantes membros da União, alcançaria uma quota de 1.8%, ou seja, quadruplicaria o investimento oriundo da Alemanha, meta que deveria estar em fundo das diligências para atrair IDE, particularmente em todas as negociações com aquele Estado. Realça-se que a Espanha constitui também um espaço privilegiado de promoção de IDE, aproveitando condições específicas, a complementaridade de recursos, a proximidade geográfica e a facilidade de comunicação, tendo em vista sobretudo projectos de valor acrescentado de dimensão média.
Existem os meios necessários para as tarefas que se exigem?
Conhece-se o papel destinado à AICEP na promoção de IDE para Portugal, a excelência da documentação que emite sobre as oportunidades de exportação e de atracção de investimento externo e o trabalho desenvolvido na organização de missões comerciais ao estrangeiro.
Entende-se a AICEP como “centro de produção” de investimento externo e sustentáculo de uma estratégia de longo prazo para promoção do IDE que está no seu âmbito de acção. Os seus objectivos devem ser quantificados e descriminados e as métricas estatísticas utilizadas devem permitir a avaliação pública dos resultados.
A AICEP precisa para isso de um quadro técnico dinâmico e actualizado, não necessariamente extenso, de economistas e de especialistas de diferentes áreas, particularmente de marketing, reduzindo o peso relativo de tarefas administrativas e de representação passiva. Anota-se a decisão, em anos recentes, de fechar delegações no exterior, destacando cerca de 200 dos seus quadros para actuarem como conselheiros económicos junto de embaixadas e consulados, dispersos por 80 países. Abrem-se, porém, demasiadas frentes, muitas delas sem retorno á vista, seja por baixo potencial de negócio local, seja por falta de perfil dos indigitados – difícil de adquirir -- para inserção nos meios empresariais locais. Uma alternativa poderia ser o estabelecimento de redes de correspondentes estáveis, com competência, experiência e bons contactos nos contextos em que operam, remunerados em função do cumprimento de objectivos estratégicos e operacionais fixados pela AICEP.
Missões comerciais – Falta organização, pragmatismo e diplomacia económica
A promoção activa de IDE é uma tarefa de longo prazo e que, não obstante ter de estar consonante com as políticas de cada Governo, deverá preservar uma coerência que não ponha em causa os resultados de acções de duração longa e afaste uma imagem de instabilidade e de comportamento errático. Insiste-se na necessidade de escolha de responsáveis de projecto actuantes aos vários níveis: identificação dos potenciais investidores, formas de os abordar, acompanhamento dos resultados.
Atrair IDE é um processo negocial discreto e circunscrito, não coadunável com motivações de espectacularidade associadas a missões comerciais recentes que têm envolvido deslocações conjuntas de muitas dezenas de empresários que não encontram do outro lado as pessoas certas para assegurar a continuidade em acções concretas.
Continua ser oportuno dizer que é necessário que as representações diplomáticas disponham de pessoas com adequada preparação económica e financeira, entendam a linguagem e as motivações dos potenciais investidores, sejam assessores externos ou pessoal diplomático a formar aceleradamente. Não se deverá pôr de parte o recurso a “embaixadores itinerantes” que acrescentem informação útil e acompanhem os progressos em projectos em curso, sempre recaindo nos embaixadores locais a responsabilidade última por resultados que deverão ser incorporados na avaliação para progressão na carreira.
Em conclusão: incidência no IDE que traga tecnologia inovadora, novos mercados e financiamento e se dirija ao sector transaccionável; diversificação das origens, designadamente para fora da União; meios eficazes de promoção no exterior, responsabilizados pelos resultados.