Novas interligações energéticas na UE passam a ser prioritárias
Ao contrário do que pretendia o Governo, as novas metas para interligações energéticas não são obrigatórias, mas ficam ‘amarradas’ aos projectos prioritários da União Europeia (UE) e à fiscalização da Comissão Europeia.
Em declarações enviadas ao PÚBLICO, Jorge Moreira da Silva sublinhou que Portugal não só recuperou a meta de 10% (fixada em 2002 e nunca cumprida) e conseguiu introduzir uma de 15% para 2030, mas salvaguardou “o mais importante, um processo e um roteiro que garanta com urgência a sua concretização”. Além de um calendário (porque a meta tem de ser concretizada “com urgência e antes de 2020”), também passou a haver um mecanismo de responsabilização e de coordenação, porque a Comissão Europeia terá de “monitorizar, mas também periodicamente apresentar propostas concretas” que assegurem o cumprimento da meta, “deixando de estar dependente das lógicas nacionais”.
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Em declarações enviadas ao PÚBLICO, Jorge Moreira da Silva sublinhou que Portugal não só recuperou a meta de 10% (fixada em 2002 e nunca cumprida) e conseguiu introduzir uma de 15% para 2030, mas salvaguardou “o mais importante, um processo e um roteiro que garanta com urgência a sua concretização”. Além de um calendário (porque a meta tem de ser concretizada “com urgência e antes de 2020”), também passou a haver um mecanismo de responsabilização e de coordenação, porque a Comissão Europeia terá de “monitorizar, mas também periodicamente apresentar propostas concretas” que assegurem o cumprimento da meta, “deixando de estar dependente das lógicas nacionais”.
Será suficiente? “É mais qualquer coisa do que aquilo que tínhamos, mas é uma etapa [para se atingir o objectivo de chegar aos 15%] e não um processo vinculativo”, disse ao PÚBLICO uma fonte do sector. É um processo que, “se bem conduzido pela Comissão Europeia”, pode ter o desfecho desejado, mas a verdade é que “os Estados não estão obrigados a nada”, acrescentou. Ainda assim, um dos méritos reconhecidos ao acordo é que o tema das interligações deixa de ser bilateral, porque, ao obrigar a Comissão a monitorizar, poderá criar condições para que o executivo intervenha quando um país (neste caso, um país vizinho) mostre reticências em agir.
Cauteloso, o eurodeputado Carlos Zorrinho entende que este poderá ser “o princípio de uma vitória”. Se a meta dos 15% fosse uma meta obrigatória, “então seria uma vitória estrondosa”, mas a solução alcançada “obriga-nos a continuarmos muito atentos”, disse ao PÚBLICO. “Sempre que houver algum projecto em que a França precise de Portugal e de Espanha, vamos lembrá-los que também precisamos deles”, sublinhou o eurodeputado do PS.
Outro dos aspectos destacados por Moreira da Silva foi a garantia de que os projectos ibéricos passam a ter prioridade no acesso aos fundos europeus. Segundo o ministro, só havia, no âmbito do programa de infra-estruturas de ligação da EU, 5800 milhões de euros disponíveis para este tipo de investimentos, quando os projectos classificados pela União Europeia como prioritários no âmbito das infra-estruturas energéticas (que ainda não incluem sequer os investimentos necessários para atingir os 10%) são superiores a 17.000 milhões de euros. Com este acordo, “já não estamos dependentes das parcas verbas existentes e a Comissão fica responsabilizada por encontrar os financiamentos necessários”, disse ainda.
Outra fonte contactada pelo PÚBLICO refere que, vinculativo ou não, “é sempre preferível que se tenha chegado a acordo em vez de um veto”. Sem uma posição consensual, “ter-se-ia perpetuado o status quo, que era o que a França pretendia”. O facto de o documento considerar que os objectivos deverão ser atingidos pelos PCI que já estão definidos é importante, tal como “outro passo relevante” é que peça à Comissão Europeia um esforço de definição de medidas adicionais, caso os PCI já identificados não sejam suficientes para alcançar a meta de 10%.
Para os operadores de redes de transporte (como a portuguesa REN ou as espanholas Red Eléctrica ou Enagás), significa que o próximo passo será ajudar a Comissão na identificação, antes do próximo Conselho Europeu de Março, das medidas para atingir mais rapidamente a meta dos 10%.
No caso português, já há quatro projectos identificados (uma interligação entre o Minho e a Galiza, três reforços internos de abastecimento de renováveis de origem hidroeléctrica e a terceira interligação de gás) que fazem parte do plano de investimentos da REN, que ainda está à espera de aprovação da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Mas, apesar de a Comissão Europeia abrir a porta a que sejam “identificados novos projectos que serão aditados prioritariamente à lista na revisão prevista para um futuro próximo”, é preciso ter em conta que não há mais dinheiro a entrar. Terá de ser dentro do orçamento previsto no quadro de financiamento comunitário em vigor que as decisões de novos projectos terão de ser tomadas e negociadas.
O acordo sobre clima e energia alcançado na quinta-feira à noite em Bruxelas prevê, além das metas indicativas para as interligações, metas vinculativas de redução das emissões de gases com efeito de estufa de 40% em relação ao nível de 1990, a incorporação vinculativa de um mínimo de 27% de renováveis na energia consumida na UE, além de objectivos indicativos de 27% para a poupança energética. Segundo o ministro do Ambiente, com este acordo a União Europeia “vai a tempo de liderar os debates sobre o sucessor do Protocolo de Quioto, no próximo ano em Paris” e, no domínio da energia, cria as condições para um verdadeiramente mercado europeu, com benefícios para a economia e para os consumidores”.
Verbas para os países de Leste
Não foram apenas as pretensões ibéricas que de alguma forma foram acauteladas na negociação de quinta-feira. O acordo conseguido em Bruxelas acomodou também outras reivindicações. Os países mais pobres da UE – essencialmente os do Leste – obtiveram a promessa de verbas substanciais para investir no seu parque energético, provenientes do comércio europeu de licenças de emissões. Ficou decidido que será criada uma reserva de 2% de todas as licenças europeias que, leiloadas, reverterão para um fundo de ajuda aos países com PIB per capita inferior a 60% da média europeia.
Não são valores modestos. “Os mecanismos de redistribuição contidos no pacote deverão canalizar cerca de 35 mil milhões de euros para a Europa do Leste na próxima década”, avalia Marcus Ferdinand, da Point Carbon, uma empresa da Thomson Reuters dedicada à análise e informação sobre o mercado de carbono. Esta medida “foi provavelmente o ponto que evitou que a Polónia levasse adiante a sua ameaça de vetar todo o acordo”, acrescenta Ferdinand.
Ainda no comércio de emissões, a indústria – tendo sobretudo a Alemanha como porta-voz – conseguiu que parte das licenças continuassem a ser distribuídas gratuitamente, de modo a não arruinar-lhes a competitividade a nível internacional. Também ficou decidido que o problema dos custos indirectos do carbono sobre as indústrias mais vulneráveis à concorrência deve ser tido em conta. Estes custos representam o preço adicional que as indústrias pagam pela electricidade, devido às emissões de CO2 das centrais térmicas.
“O que é crucial agora é que os líderes europeus assegurem a rápida implementação de compensações efectivas destes custos, num comércio de emissões remodelado”, reivindica Gerd Götz, director-geral da Associação Europeia do Alumínio, num comunicado. A UE já perdeu um terço da sua produção de alumínio, segundo Götz.
-- Os pontos principais do acordo --
Numa negociação difícil, os 28 Estados-membros chegaram a acordo sobre os próximos passos na luta contra as alterações climáticas. As principais medidas:
Emissões de CO2
A União Europeia terá de reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa em “pelo menos” 40% até 2030, em relação aos níveis de 1990. Nos sectores abrangidos pelo comércio europeu de licenças de emissões – que reúne centrais térmicas, refinarias, siderurgias, cimenteiras e outras indústrias – a redução terá de ser de 43%. Fora do comércio de emissões – transportes, por exemplo – deverá ser de 30%. O cumprimento é colectivo, de toda a UE, mas não está definido como este esforço vai ser repartido entre os 28 Estados-membros. Até 2012, a UE já tinha reduzido em 19% as suas emissões.
Energias renováveis
A fatia das renováveis no bolo energético deverá duplicar dos cerca de 13% actuais para 27% em 2030. É uma meta vinculativa para a UE como um todo, mas cada país vai escolher o seu caminho. Nada impede que adoptem nacionalmente metas ainda mais ambiciosas, mas também nada obriga a que se comprometam com valores mínimos. Pelo contrário, a decisão tomada em Bruxelas assegura a “liberdade de os Estados-membros determinarem o seu cabaz energético” e deixa claro que esta meta e a da eficiência energética “não serão convertidas em metas vinculativas nacionais”.
Eficiência energética
Também ficou decidido que a eficiência energética deverá aumentar 27% até 2030. Neste caso, porém, não é uma meta vinculativa mas apenas “indicativa” – ou seja, um simples sinal político. Mais uma vez, não haverá imposições individuais para ninguém. Em 2020, a situação será reavaliada, com vista a um possível alargamento da meta para 30%.
Comércio de emissões
Vai implicar um esforço maior da indústria, pois as licenças de emissões de CO2 disponíveis no mercado serão reduzidas em 2,2% ao ano, ao invés dos 1,74% actuais. Mas ficou garantido que não serão todas leiloadas e que parte continuará a ser distribuída de graça, tal como acontece hoje, de modo a evitar que as empresas europeias sejam prejudicadas pela concorrência de outras em países sem onde não há um controlo semelhante. Os países mais pobres da UE – com PIB per capita inferior a 60% da média europeia – serão apoiados financeiramente para melhorar a sua eficiência energética e modernizar o seu parque energético. Uma reserva de 2% das licenças de emissões será constituída para este fim.