Morreu Ben Bradlee, o director que fez do Washington Post uma referência mundial

Dirigiu o jornal durante a investigação do Watergate e foi impulsionador da divulgação dos Pentagon Papers.

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“Ele foi o melhor director de jornais na América da sua época”, assegura o antigo proprietário do jornal Donald E. Graham Alex Gallardo/Reuters

“Para Benjamin Bradlee, o jornalismo era mais do que uma profissão — era um bem público vital para a democracia”, reagiu o Presidente Barack Obama, que em 2013 lhe concedeu a maior distinção civil dos Estados Unidos, a Medalha Presidencial da Liberdade.

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“Para Benjamin Bradlee, o jornalismo era mais do que uma profissão — era um bem público vital para a democracia”, reagiu o Presidente Barack Obama, que em 2013 lhe concedeu a maior distinção civil dos Estados Unidos, a Medalha Presidencial da Liberdade.

O Post, onde entrou como repórter policial em 1948, três décadas antes de assumir a direcção, noticiou que Bradlee morreu na sua casa em Washington, vários anos depois de ter sido diagnosticado com Alzheimer. O fim de uma vida longa que começou no Massachusetts, em 1921, o levou a combater no Pacífico durante a II Guerra Mundial e a Paris, onde foi adido de imprensa e correspondente da Newsweek e, em 1965, de novo ao Post, onde ficaria até à reforma, em 1991.

“O Ben era um verdadeiro amigo e um líder de génio do jornalismo”, afirmaram num comunicado conjunto Bob Woodward e Carl Bernstein, os dois jovens jornalistas que, em 1972, começaram a seguir as pistas do assalto a uma sede do Partido Democrata em Washington e que não largaram a investigação até à demissão do Presidente Nixon, dois anos depois. Inicialmente céptico, Bradlee manteve uma defesa sem quartel dos dois repórteres ao longo dos mais de 400 artigos que o Post publicaria sobre o Watergate, sendo o único a quem Woodward e Bernstein revelaram a identidade do “Garganta Funda”, a fonte não identificada que foi essencial no desenrolar da investigação.

“Ele foi o melhor director de jornais na América da sua época”, assegura Donald E. Graham, o último da dinastia Meyer-Graham a deter o Washington Post, vendido em 2013 a Jeff Bezos, fundador e presidente da Amazon.

A sua mãe, Katharine Graham, liderava o grupo e apoiou Bradlee quando ele, em 1971, decidiu juntar-se ao New York Times na publicação dos Pentagon Papers, um conjunto de documentos do Departamento de Defesa que mostravam como a Administração do então Presidente Lyndon Johnson mentiu sobre o envolvimento norte-americano na guerra do Vietname. Confrontada com a maior fuga de informação vista até aí nos EUA, a Casa Branca desencadeou uma batalha legal que levaria o Supremo Tribunal a reconhecer o direito da imprensa a divulgar documentos oficiais em nome do interesse público.

A parceria entre Graham e Bradlee voltaria a ser decisiva no caso Watergate, uma investigação que revolucionou o jornalismo, fez do Post um modelo e seria reconhecida com um dos mais aclamados prémios Pulitzer. “Creio que a grande lição do Watergate foi provavelmente a persistência do Post, o facto de termos escolhido e de nos termos mantido agarrados ao cavalo certo”, diria Bradlee anos mais tarde à American Journalism Review. Uma persistência que “mostrou que este sistema [de imprensa agressiva] funciona e é um óptimo controlo para governos que não são muito cuidadosos a vigiar-se”, acrescentou o jornalista, conhecido entre pares pela elegância com que se vestia, a contrastar com os modos bruscos e a língua solta.

“Uma das primeiras coisas que reparávamos em Ben, tanto na sua escrita como em pessoa, era o seu vocabulário, o vernáculo, a tendência para as frases curtas e picantes”, escreveu o jornalista Jeff Himmelman, autor de Yours Truly, a biografia do lendário director. Um vício que se tornava viciante. “Praguejar com o Ben faz-te sentir parte do seu clube, um clube que não leva nada demasiado a sério”, acrescentou o biógrafo.

E eram muitos os que queriam pertencer ao seu clube. Bradlee foi amigo de John F. Kennedy, apesar de assegurar que desconhecia os pecadilhos pessoais do Presidente, e com a mulher, a antiga jornalista do Post Sally Quinn, era uma personagem central na vida social da capital federal. Hollywood deu-lhe papel de destaque no filme Os Homens do Presidente (1976), sobre a saga do Watergate, numa interpretação que valeu a Jason Robards o Óscar de Melhor Actor Secundário.

Mas foi no jornalismo que deixou a sua marca. Nos 23 anos que esteve à frente do Post, o jornal duplicou a redacção para 600 pessoas e o orçamento anual passou de três para 60 milhões de dólares, um investimento que duplicou também o número de leitores para mais de 800 mil, recorda a Reuters. De novo Barack Obama: “Como verdadeiro homem da imprensa, transformou o Washington Post num dos melhores jornais do país e, com ele ao leme, um exército crescente de jornalistas publicou os Pentagon Papers, expôs o Watergate e contou histórias que precisavam de ser contadas — histórias que nos ajudaram a compreender o nosso mundo e uns aos outros um pouco melhor.”