Ninhos de cegonhas em Portugal aumentaram 50% em dez anos
Dois problemas ambientais, o lixo e a praga dos lagostins vermelhos, continuam a convencer a cegonha branca a ficar no país, ao invés de migrar para África.
Cerca de uma centena de técnicos profissionais e voluntários percorreram o país entre Março e Junho e contaram 11.694 ninhos de cegonha ocupados de norte a sul do país. São cerca de 4000 a mais do que em 2004, quando foi realizado o censo anterior. Já entre 1994 e 2004, tinha havido um aumento semelhante no número de ninhos.
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Cerca de uma centena de técnicos profissionais e voluntários percorreram o país entre Março e Junho e contaram 11.694 ninhos de cegonha ocupados de norte a sul do país. São cerca de 4000 a mais do que em 2004, quando foi realizado o censo anterior. Já entre 1994 e 2004, tinha havido um aumento semelhante no número de ninhos.
Os dados dos censos realizados pelo Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), juntamente com vários parceiros, são apenas a expressão numérica do muito que tem mudado na vida das cegonhas brancas em Portugal. Durante parte do século XX, a sua população diminuiu de modo preocupante, sem se saber bem por quê. Em 1984 foram contados 1533 ninhos, quando no final dos anos 1950 eram 3490. Vaticinou-se que, com o ritmo a que os números estavam a cair, a ave rapidamente desapareceria de Portugal.
Lançaram-se campanhas para proteger a espécie (Ciconia ciconia), mas o que a fez recuperar foram outros motivos. O principal terá sido o facto de cada vez mais casais permanecerem todo o ano em Portugal. Antes, a maior parte da população migrava no Outono/Inverno rumo a África, em busca de alimento. Não era uma empreitada sem riscos. Pelo contrário, muitas aves acabavam por morrer durante a viagem ou eram abatidas no destino, alvo da caça descontrolada.
O que fez as cegonhas brancas desistirem de migrar foi a presença cada vez maior de alimento em Portugal. As aves acostumaram-se a verdadeiros banquetes nas lixeiras que proliferaram no país e, mais tarde, nos aterros sanitários que as substituíram. Ali caçam animais, como insectos e ratos, ou comem os restos de comida que estão no lixo. “Têm sempre alimento”, afirma o ornitólogo Vítor Encarnação, do ICNF, que coordenou o censo das cegonhas.
As cegonhas também passaram a ter no seu menu o lagostim vermelho da Luisiana (Procambarus clarkii), um crustáceo originário do sudeste dos Estados Unidos, introduzido em aquaculturas em Espanha na década de 1970 e que rapidamente se espalhou por toda a Península Ibérica. Hoje é considerado uma praga, com efeitos particularmente nefastos sobre os arrozais, cujos sistemas de drenagens são prejudicados pelos túneis que o lagostim escava. Para as cegonhas, porém, são um pitéu.
Tantas iguarias convenceram as aves a fixarem residência em Portugal. “A cegonha está a progredir graças às lixeiras e aos lagostins”, garante Vitor Encarnação. “É uma espécie oportunista, com grande capacidade adaptativa. Ela aprende rapidamente que tem cá recursos e não precisa de fazer a viagem a África”, explica o especialista, que está à frente do Centro de Estudo de Migração e Protecção de Aves, do ICNF.
Em 1995, foram contadas 1187 cegonhas a passar os meses de Outubro e Novembro em Portugal, ou seja, que não migravam para África. Em 2008, eram já cerca de 10.000, segundo números citados no livro O Regresso da Cegonha Branca, do ornitólogo Gonçalo Rosa e do fotógrafo Luís Quinta.
Há uma dose de ironia no facto de não terem sido medidas de conservação, mas sim mazelas ambientais, a retirarem as cegonhas brancas do perigoso caminho da extinção para torná-las abundantes no país. Para Luís Costa, director executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), esta não é, porém, uma leitura completamente justa. “Há uma legislação que cada vez mais protege as aves em geral”, afirma. No passado, matar aves selvagens, assim como pilhar ou destruir ninhos, eram actos mais comuns, sem vigilância ou penalização.
Além disso, outros factores relacionados com a actividade humana estarão a prejudicar as cegonhas, ao invés de ajudá-las. Os dados preliminares do último censo mostram que, em muitos concelhos do interior, o número de ninhos está a diminuir. Em Mourão, houve uma quebra de 34% entre 2004 e 2014. Em Barrancos, a quantidade caiu para a metade e em Aljustrel baixou 11%.
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“Isto tem a ver com alterações na agricultura, nomeadamente a instalação de olival intensivo e de pivôs de rega para o milho”, refere Vitor Encarnação. Nos olivais intensivos, explica o coordenador do censo das cegonhas, as árvores são de pequeno porte, pouco adequadas à sustentação de ninhos que podem pesar algumas centenas de quilos. E por baixo das oliveiras, há pouca vegetação e pouco alimento. Já os pivôs de rega exigem que o terreno esteja completamente livre de árvores.
Muitos ninhos são retirados deliberadamente de postes eléctricos de média e baixa tensão da EDP. Na última década, a empresa identificou mais de 2500 ninhos em situação de risco – ou para a linha eléctrica, ou para as próprias cegonhas. Nestes casos, sobretudo se os postes são pequenos, a única alternativa é a remoção, feita com autorização do ICNF. Nalguns casos, são instaladas plataformas artificiais próximas dos antigos ninhos.
Nas torres das linhas de alta tensão das Redes Energéticas Nacionais (REN), no entanto, a concentração de cegonhas tem vindo a aumentar.
Enquanto os ninhos diminuíram nalguns concelhos, noutros houve grandes aumentos. Évora tinha 469 ninhos em 2004. Em dez anos, o número mais do que dobrou para 1060 – a maior concentração em todo o país. Em Beja, eram 250 e passaram a 577.
Nos distritos de Évora e Beja estão 44% dos casais nidificantes de cegonhas de todo o país. Há 1767 ninhos novos em relação a 2004. Houve aumentos significativos também em Santarém (707 ninhos novos), Coimbra (436) e Aveiro (370). Nestes últimos dois casos, a influência do efeito lagostim em zonas de arrozais, próximo de estuários, terá sido determinante.
Outras aves também estão a beneficiar do alimento fácil nestas áreas, como a ibis preta (Plegadis falcinellus). “Antes eram raras, agora é fácil vê-las nos estuários”, afirma o director executivo da SPEA – que foi uma das organizações que colaborou no censo das cegonhas, juntamente com o Centro de Estudos da Avifauna Ibérica e as associações Quercus, Liga para a Protecção da Natureza e A Rocha Portugal.
Ninhos de cegonha branca estão a aparecer onde antes não existiam, como nos distritos de Braga e de Viana do Castelo. Mas, no geral, a distribuição da espécie mantém-se mais ou menos a mesma, presente em grande parte do país, mas ausente das zonas mais montanhosas ou com florestas mais densas, no interior centro e norte.
Até que ponto o número de cegonhas brancas vai continuar a subir em Portugal, é algo que ninguém sabe dizer. O principal factor limitante serão os locais apropriados para se fazerem ninhos. “O número de sítios não é infinito”, refere o director executivo da SPEA.
Nos últimos 20 anos, o crescimento tem sido linearmente constante, a uma taxa média de cerca de 4000 novos ninhos por década. “Até quando isto vai durar, não sei dizer”, diz Luís Costa.