Suíça discute se reduz quota de imigrantes a 0,2%
O desespero de alguns dos recém-chegados pode gerar solidariedade, mas também desdém.
Partidos, sindicatos e associações patronais têm repudiado a iniciativa “Stop superpopulação – salvaguardar os nossos recursos naturais”, lançada pelo grupo ambientalista Ecopop.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Partidos, sindicatos e associações patronais têm repudiado a iniciativa “Stop superpopulação – salvaguardar os nossos recursos naturais”, lançada pelo grupo ambientalista Ecopop.
Marília Mendes, responsável pelos associados portugueses do sindicato UNIA, está empenhada. “O objectivo deles é reduzir a população residente. Isso não abrange temporários, nem fronteiriços. Eles não querem limitar a entrada de mão-de-obra, querem torná-la mais precária”.
Na última década, o país foi várias vezes notícia por causa de iniciativas populares sobre imigrantes. Nenhuma tão polémica como o referendo proposto pelo Partido do Povo Suíço, de direita: a 9 de Fevereiro, o eleitorado manifestou a vontade de reintroduzir contingentes de trabalhadores estrangeiros, incluindo os oriundos dos países da União Europeia (UE).
Se o acordo de livre circulação for denunciado, os outros seis acordos que a Suíça firmou com a UE ficarão obsoletos em seis meses. “Ou aceitam tudo ou recusam tudo”, sublinha o eurodeputado Carlos Coelho (PSD). Até Fevereiro de 2015, o país ainda pode mudar de ideias. Alguma esquerda defende um referendo que desfaça o de Fevereiro. Entretanto, discutem-se propostas intermédias, como a possibilidade de os cidadãos da UE poderem ficar até quatro meses e, a partir daí, se sujeitarem a um contingente.
A proposta referendada a 9 de Fevereiro, aprovada com 50,3% dos votos, reflecte a desconfiança em relação à UE, retoma Marília Mendes. Na Suíça, há muito quem se assuste com a crise, com o desemprego, com a pobreza e a exclusão que grassa, sobretudo, no Sul e no Leste da Europa e que esta possa entrar no país com os imigrantes.
A população estrangeira somava no final do ano passado 1.886.630 pessoas, mais 61.570 do que no ano anterior. Os 253.769 portugueses formavam a terceira maior comunidade estrangeira, apenas ultrapassada pelas dos italianos e alemães. Só naquele ano 15.337 portugueses tinham-se mudado para a Confederação Helvética, segundo o Gabinete Federal das Migrações.
Os portugueses desembarcam a uma média de mil por mês. Trabalham, sobretudo, na construção civil, na agricultura e na hotelaria, observa o antropólogo Eduardo Araújo, que está a escrever a tese de doutoramento sobre as comunidades luso-helvéticas. “A maioria não tem grandes qualificações.”
Durante anos a fio, densas redes de família, vizinhança, amizade facilitaram a rápida difusão de oportunidades de emprego entre portugueses. Juntou-se muita gente de Bragança em Schaffhausen, da Póvoa do Lenhoso em Zurique ou de Castro Daire em Zermatt, exemplificou o conselheiro das comunidades portuguesas Manuel Beja. Com a crise, alguns avançam à toa.
Há quem apareça na Casa do Benfica, em Zurique, como José António, há dois anos. Tinham-lhe dito que só não trabalhava quem não queria. Ali mesmo, sobre as mesas, havia publicidade a uma agência de trabalho temporário: “Queres trabalhar, liga-me!” E António ligou àquela e a outras empresas: “Todas disseram para esperar, que iriam arranjar alguma coisa.”
Numa das mesas, alinhadas, cobertas com toalhas vermelhas, sentavam-se trabalhadores como António Soares, chefia intermédia numa empresa de limpezas, a comer bife de fígado e batata cozinha, e a contar que muito lhe ligavam, até de Portugal, a pedir trabalho. “É mais fácil arranjar um part-time. Sem ‘permisso’ não consigo pôr ninguém a trabalhar duas horas”, dizia.
José António não seria de desperdiçar. Teria curso técnico-profissional de construção. Teria trabalhado numa “empresa de eventos” em Viseu. Montara e desmontara palcos. O “tio Almeida”, o chef de cozinha da Casa do Benfica, ainda tentou ajudá-lo. Levou-o a potenciais empregadores. Só que o rapaz não falava alemão, francês ou italiano. A poupança dele ardia. “Por mim já me tinha ido embora, mas em Portugal a vida está muito difícil…”
O desespero de alguns dos recém-chegados pode gerar solidariedade, mas também desdém. Andando pelo país durante a campanha para o referendo de 9 de Fevereiro, Marília Mendes pôde observar como muitos portugueses apoiavam a reintrodução de quotas, mesmo que isso possa limitar, por exemplo, o direito ao reagrupamento familiar ou o acesso às prestações sociais.
O antropólogo Eduardo Araújo também se deparou com esta atitude. Viu muitos portugueses a assumir o discurso dos suíços, que só estariam “a defender a terra deles”. Temem, porventura, que os novos imigrantes, vindos de Portugal, mas também de outros países europeus, lhes fiquem com o posto de trabalho.