Secretário de Estado plagiou textos sobre a “dimensão moral” da profissão docente
João Grancho copiou, sem citar, dois textos académicos numa comunicação que apresentou num seminário espanhol quando era presidente da Associação Nacional de Professores. O actual governante recusa a acusação de plágio.
Sete anos depois, as dez páginas da sua participação – que está publicada no site das Jornadas – levantam uma questão sensível. Em algumas partes, o agora governante copia documentos anteriores, da autoria de outros académicos, sem fazer qualquer referência aos autores originais.
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Sete anos depois, as dez páginas da sua participação – que está publicada no site das Jornadas – levantam uma questão sensível. Em algumas partes, o agora governante copia documentos anteriores, da autoria de outros académicos, sem fazer qualquer referência aos autores originais.
Da parte do secretário de Estado refuta-se a acusação de plágio: "Pretender associar um mero documento de trabalho, não académico nem de autor, nas circunstâncias descritas, a um plágio, é totalmente inapropriado e sem qualquer sentido.”
Em causa estão, antes de mais, sete parágrafos no capítulo sobre “Profissionalidade e Deontologia Docente”. Em mais de uma página, o texto de Grancho reproduz partes de uma comunicação, assinada pelo professor do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Agostinho Reis Monteiro. Um trabalho que este apresentou em Outubro de 2001, em Lisboa, no seminário Modelos e Práticas de Formação Inicial de Professores. O tema da comunicação de Reis Monteiro era “Para uma deontologia pedagógica”.
João Grancho reproduziu, quase na totalidade, a introdução de Reis Monteiro, além de um parágrafo de outra parte desse trabalho sobre a “questão deontológica”.
Os excertos reproduzidos versam o tema da deontologia na profissão de docente, abordando o carácter “crucial” da deontologia para o “maior prestígio social” da “profissão do professor” e ainda a necessidade da criação de uma comissão deontológica.
Mas o plágio não se limita a este autor. No capítulo final da sua comunicação, Grancho reproduz outros três parágrafos (mais de uma página) de um documento de trabalho da comissão ad hoc do CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas) para a formação de professores, cujo título é “Por uma formação inicial de qualidade". Mais de metade desse capítulo – representando mais de uma página – é retirado desse documento datado de Abril de 2000, assinado, entre outros, por João Pedro da Ponte (que na altura liderava o Departamento de Educação da Universidade de Lisboa) e Isabel Cruz (então vice-reitora da Universidade do Algarve).
Os excertos incidiam sobre o Estatuto do Docente Europeu. Aí se pode ler – tanto no paper de Grancho como no de Ponte – sobre a defesa da escola enquanto “missão intelectual e social no seio da sociedade” no sentido da “garantia dos valores universais e do património cultural”.
Grancho não apresenta os excertos em causa como citações, nem faz qualquer referência aos autores originais. Isto, apesar de a comunicação do secretário de Estado incluir uma bibliografia em que são citados cinco autores, sem que nenhum deles sejam Reis Monteiro ou João Pedro da Ponte.
A comunicação do actual governante foi apresentada nas Jornadas Europeias sobre Convivência Escolar, uma acção de formação contínua organizada pela Dirección General de Ordenación Académica, em colaboração com a Dirección General de Formación Professional e Innovación Educativa. A primeira entidade referida regula os títulos académicos na Comunidade de Múrcia (Espanha). O seminário era dirigido a pessoal docente, e não só, e dava direito a um certificado "equivalente a três créditos de formação", emitido pelo Centro de Professores e Recursos daquela comunidade.
O PÚBLICO contactou as pessoas envolvidas. De acordo com a resposta enviada pelo gabinete de imprensa do Ministério da Educação, a comunicação feita na ocasião pelo actual secretário de Estado era um “mero documento elaborado pela ANP”, servindo apenas de “suporte prévio a uma intervenção oral do seu presidente” e que “mais não representa que o alinhamento mais ou menos organizado de um conjunto de ideias de vários pensadores”. A resposta acrescenta ainda que “intervenções com referência aos escritos do professor Reis Monteiro eram recorrentes, em várias circunstâncias e com o conhecimento do próprio”. Para “contextualizar”, é ainda destacada a “afinidade entre o pensamento da ANP e o pensamento do professor”.
Sobre o segundo documento o gabinete garantiu que o texto de Grancho "não foi produzido para difusão pública, tão-pouco como obra original do então presidente ou da própria ANP. A passagem em causa, como outras que eventualmente possa conter de outros autores, não se pretendia assumir como documento de reflexão própria ou de produção original".
Por sua vez Reis Monteiro, depois de consultar os trabalhos em causa, optou por não se alongar. Admitiu a “reprodução”, mas escusou-se a fazer um juízo de valor sobre o sucedido. Já João Pedro da Ponte, director do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, foi mais assertivo. “Isto é uma cópia integral, nem sequer houve trabalho de disfarçar”, disse ao PÚBLICO. “É um tipo de prática que deve ser condenado na nossa sociedade e é de assinalar que tenha sido feito por uma pessoa com responsabilidades na Educação”, afirma.
Sobre a gravidade do sucedido o professor universitário acrescenta: “Nós no Instituto da Educação consideramos que – e explicamos isso aos nossos alunos – é intelectualmente desonesto copiar um texto como se fosse feito por nós, seja um texto científico ou qualquer outro texto.”
Casos na Europa
Nos últimos anos, surgiram diversos casos polémicos na Europa envolvendo governantes e os seus percursos académicos. A ministra da Educação da Alemanha, Annette Schavan, de 59 anos, demitiu-se em Fevereiro de 2013, depois de ter perdido o título de doutora pela Universidade Heinrich Heine, de Düsseldorf, sob a acusação de ter plagiado a sua tese final.
Não foi o único caso. Em 2011, o ministro alemão da Defesa, Karl-Theodor zu Guttenberg, anunciou a demissão na sequência do escândalo de plágio da sua tese. A saída de Guttenberg foi forçada pela divulgação de passagens da tese de doutoramento que tinham sido copiadas de várias fontes sem serem citadas, o que valeu ao ministro o epíteto de "barão do copy-paste".
Em Abril de 2013, foi a vez de Pál Schmidt. O Presidente da Hungria renunciou ao cargo depois de meses de polémica relacionada com a tese de doutoramento. A Universidade Semmelweis, de Budapeste, retirou o título académico ao político após ter considerado provado que Schmitt fizera plágio na tese que defendera há 20 anos naquela instituição e que versava sobre a história dos jogos olímpicos. Para a maioria dos membros do senado, esse trabalho académico "não respeitava nem os métodos científicos nem éticos" exigíveis.
Partes dos excertos plagiados
"A Deontologia é cada vez mais crucial para a distinção profissional dos professores, por duas razões: porque é um atributo maior do prestígio social de uma profissão e porque a função docente não tem tradição deontológica."
Pág. 7 de Dimensión Moral de la Profession Docente, de João Grancho
"A Deontologia é cada vez mais crucial para a distinção profissional dos professores, por duas razões: porque é um atributo maior do prestígio social de uma profissão e porque a função docente não tem tradição deontológica."
Pág. 1 de Para Uma Deontologia Pedagógica, de A. Reis Monteiro
"Para além disso, a escola tem de afirmar a sua missão intelectual e social no seio da sociedade, contribuindo para a garantia dos valores universais e do património cultural."
Pág. 9 de Dimensión Moral de la Profession Docente, de João Grancho
"Para além disso, a escola tem de afirmar a sua missão intelectual e social no seio da sociedade, contribuindo para a garantia dos valores universais e do património cultural."
Pág. 5 de Por Uma Formação Inicial de Professores de Qualidade, coordenado por João Pedro da Ponte