“A escola está a regredir em relação às questões da inclusão”

David Rodrigues, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, diz que as AEC estão a tornar-se “absolutamente desinteressantes”. E avisa que, se as escolas não começarem a integrar a diferença, estaremos a "organizar sociedades completamente estanques e ofensivas em relação umas às outras"

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Enric Vives-Rubio

A que ponto o combate ao insucesso e ao absentismo pode justificar medidas como a criação de uma turma composta exclusivamente por alunos de etnia cigana, como aconteceu recentemente em Tomar?
A inclusão é um termo com tantos sentidos que muitas vezes fazemos exclusão em nome de inclusão e separamos as crianças. Nós devemos procurar modificar a escola, as estratégias, os conteúdos, as formas de interacção, de maneira a que todas as crianças possam aprender em conjunto e ser enriquecidas na sua aprendizagem pela experiência umas das outras. No que respeita aos alunos de etnia cigana, não é a primeira vez que isto se passa. Já no célebre caso de Barcelos, em que os meninos ciganos foram postos num contentor, uma responsável do Ministério da Educação dizia que aquilo era um caso de inclusão intermédia. Como é que separar as pessoas, colocá-las num contentor fora da escola, poderia ser um caso de inclusão? Como medida de partida, não considero que isso possa ser uma medida equitativa nem justa em relação aos meninos ciganos. A escola deve educá-los como os restantes meninos que pertencem à sua comunidade geográfica.

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A que ponto o combate ao insucesso e ao absentismo pode justificar medidas como a criação de uma turma composta exclusivamente por alunos de etnia cigana, como aconteceu recentemente em Tomar?
A inclusão é um termo com tantos sentidos que muitas vezes fazemos exclusão em nome de inclusão e separamos as crianças. Nós devemos procurar modificar a escola, as estratégias, os conteúdos, as formas de interacção, de maneira a que todas as crianças possam aprender em conjunto e ser enriquecidas na sua aprendizagem pela experiência umas das outras. No que respeita aos alunos de etnia cigana, não é a primeira vez que isto se passa. Já no célebre caso de Barcelos, em que os meninos ciganos foram postos num contentor, uma responsável do Ministério da Educação dizia que aquilo era um caso de inclusão intermédia. Como é que separar as pessoas, colocá-las num contentor fora da escola, poderia ser um caso de inclusão? Como medida de partida, não considero que isso possa ser uma medida equitativa nem justa em relação aos meninos ciganos. A escola deve educá-los como os restantes meninos que pertencem à sua comunidade geográfica.

Do lado das escolas, o argumento é que estas crianças provêm de contextos diferentes e, portanto, trata-se de procurar uma resposta mais personalizada, nomeadamente para prevenir o insucesso e o absentismo.
Em primeiro lugar era preciso saber o que é que a escola fez objectivamente para acolher essas crianças, isto é, se realmente foi feito um esforço para que o currículo fosse diferenciado, para que esses alunos fossem ouvidos, para que eles tivessem uma participação na escola, ou se, pelo contrário, a escola se colocou numa posição de ‘Eu estou aqui e vocês têm de vir até mim’, em vez de fazer um esforço para ser ela a chegar aos alunos. Uma segunda questão é que o facto de os alunos serem diferentes não é uma justificação para eles serem segregados. Há uns anos, havia turmas masculinas e turmas femininas, e, na altura, não se imaginava que rapazes e raparigas pudessem ser educados conjuntamente, porque eram de tal maneira diferentes – imaginava-se – que tinham de ser educados diferentemente. E continuamos a reproduzir esta ideia de que a boa escola é a escola homogénea e de que, quanto mais homogénea, for melhor a escola é. E a nossa perspectiva é exactamente ao contrário: quanto mais heterogénea a escola for, melhor ela vai ser. E compete à escola fazer esse esforço de aproximação às crianças provenientes de outras culturas, com outras vivências e outros códigos de linguagem. E aí é que realmente a escola tem que mudar.

 Ao promover esta separação, a escola está a desistir de se tornar inclusiva?
Há uma certa desistência, sim. Se nós começarmos com este caminho, de quantas escolas vamos precisar? Uma para rapazes, outra para raparigas, uma para cabo-verdianos, uma para ciganos, uma para meninos pobres, outra para meninos ricos. Isto é insano. Se não insistirmos na modificação da escola, vamos organizar sociedades que são completamente estanques e eventualmente ofensivas em relação umas às outras.

Esperar que a escola seja capaz de dar resposta diferenciada a estas diferentes necessidades não é esperar demasiado, atendendo à realidade que conhecemos?
É, mas já pensou que nós esperamos demasiado do sistema de saúde ao continuarmos a dizer que um dia havemos de ter um sistema de saúde que trate de nós? E a esperar demasiado do Estado e da democracia e a dizer que um dia haveremos de ter uma democracia que seja participativa e que funcione? Por que é que a escola não devia ser utópica? A escola é intrinsecamente utópica e é-o desde a sua fundação, no século XIX.

Que diagnóstico faz da escola portuguesa nesta óptica da inclusão?
No eixo dos alunos, era muito importante termos um apoio preventivo das dificuldades, isto é, não deixar que os alunos comecem a experienciar dificuldades e que essas dificuldades se instalem de maneira a que eles descolem, desistam e tenham insucesso na escola. Outra questão que me parece importante é melhorar as AEC [Actividades Extracurriculares] que se estão a tornar absolutamente desinteressantes. São feitas muitas vezes por pessoas pouco qualificadas, não existe controlo, não existe investimento da escola nas AEC. Estas começaram por ser um programa fundamental na escola a tempo inteiro mas estão a ser negligenciadas. Vamos por aí e encontramos preparadores físicos nas AEC que põem os meninos a dar voltas à escola porque não há mais nada para fazer. Se há tantos professores desempregados, por que é que eles não são contratados pelas escolas? É como se houvesse dois mundos completamente diferentes, uma coisa é a escola e outra coisa são as AEC. Isso não pode ser porque as crianças estão na escola durante as AEC e os pais confiam que elas estão na escola com um objectivo educativo. Deviam estar a fazer expressão cultural, música, teatro, a conhecer a comunidade que está à volta. Por último, temos as necessidades educativas especiais. Foi feita uma redução brutal do subsídio de educação especial para milhares de alunos, que os condenou a uma situação de menor atendimento, de menor qualidade de atendimento e pomos até em causa que as terapias que vão às escolas estejam a ser feitas no melhor modelo.

Tem alguma explicação para o facto de a despesa com os subsídios por educação especial ter baixado dos 26,3 milhões de euros em 2012/2013 para apenas 12,9 milhões no ano lectivo passado?
Há aqui uma “engenharia” que vai contra a lei, porque a lei não foi alterada e incluía um conjunto de famílias que agora foram arbitrariamente privadas destes subsídios.

E em relação aos eixo dos professores?
Os professores são profissionais muito desamparados para os desafios que têm de encarar, precisavam de formação em serviço e precisavam que as escolas encorajassem dinâmicas cooperativas, de maneira a que os professores pudessem encontrar em conjunto soluções para os problemas que têm e ter uma perspectiva mais colegial em relação à gestão da sua profissão. Outra questão muito importante é a formação dos directores das escolas e dos responsáveis das escolas, porque muitos directores não têm uma formação que lhes permita desenvolver uma escola equitativa e capaz de responder à diversidade dos alunos. E aqui interessam-nos os alunos com necessidades educativas especiais, mas interessam-nos também os alunos que provêm de meios muito pobres, que tiveram falhas importantes na sua escolarização, que vêm de famílias sem capital cultural para os apoiar na sua escolaridade. Todos estes alunos são particularmente vulneráveis ao insucesso e ao abandono da escola. E esta necessidade é tanto maior quanto sabemos que muitas vezes há esforços feitos de baixo para cima em relação à inclusão que são pouco compreendidos pelas direcções das escolas.

Em Julho, o Conselho Nacional de Escolas apontava falhas como o facto de alunos cegos só terem acesso a manuais em braille no fim do ano lectivo.
Portugal tem dos maiores índices de alunos com dificuldades na escola regular de toda a Europa - 97% dos alunos com dificuldades estão na escola regular - e isso é fantástico, mas é preciso que eles não estejam só lá, é preciso que eles estejam lá com qualidade, com os técnicos, com os apoios, com a diferenciação de currículo que lhes permita progredir.

Isso não estará a acontecer em boa parte dos casos?
Sim, sem dúvida, a escola está a regredir em relação às questões da inclusão. A nossa tese é que a inclusão está muito dependente da melhoria da escola regular. E existem muitas dificuldades. Se a escola for indiferente às diferenças, isto não funciona. E, portanto, há uma grande carência de políticas públicas efectivas de apoio aos alunos com dificuldades.

Registou-se um aumento considerável dos alunos com necessidades educativas especiais a frequentar os diferentes ciclos. Há alguma explicação?
Nós temos cerca de 62 mil alunos e esse número tem vindo a aumentar. A nossa interpretação é que a lei prevê que só os alunos com necessidades educativas de tipo permanente é que tem um apoio e isso é de tal maneira imprudente que deixou a descoberto um grande número de alunos. O que está a acontecer é que as escolas começaram a fazer uma regulação suplementar que inclui muitos alunos que precisam de apoio mas não cumprem integralmente aqueles critérios.