Portugal pode ter de importar engenheiros civis dentro de cinco a seis anos
Haverá falta de profissionais em consequência da quebra na procura dos cursos superiores, alertam a Ordem dos Engenheiros e as empresas de construção.
Há quatro anos, havia 800 candidatos aos cursos de Engenharia Civil. Neste momento, o número de colocados não chega a metade – pouco mais 300 até ao momento. “Não é difícil de antecipar que vamos ter um défice de engenheiros”, defende o bastonário da OE, Carlos Matias Ramos. “Um número como este não chega sequer para compensar as pessoas que vão para a reforma”, sublinha o director do curso de Engenharia Civil da Universidade do Minho, Jorge Pais.
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Há quatro anos, havia 800 candidatos aos cursos de Engenharia Civil. Neste momento, o número de colocados não chega a metade – pouco mais 300 até ao momento. “Não é difícil de antecipar que vamos ter um défice de engenheiros”, defende o bastonário da OE, Carlos Matias Ramos. “Um número como este não chega sequer para compensar as pessoas que vão para a reforma”, sublinha o director do curso de Engenharia Civil da Universidade do Minho, Jorge Pais.
A avaliação da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (Aiccopn) é semelhante. “Vamos ter consequências a médio prazo”, alerta o presidente, Reis Campos. E à quebra do número de engenheiros que sairão das escolas nacionais nos próximos acrescenta uma outra dimensão neste problema “preocupante”: a crescente procura de engenheiros portugueses por parte de empresas estrangeiras. “São décadas de acumulação de conhecimentos científicos, de know-how, de experiência, que não podem ser desmantelados, por força de uma diminuição da procura de cursos de ensino superior”, sustenta.
Nos cursos desta área nas universidades públicas ainda há dois terços das vagas por preencher. Na terceira fase, que terminou na semana passada, os estudantes ainda tinham 816 vagas disponíveis em licenciaturas e mestrados integrados de Engenharia Civil. Só 11 alunos foram colocados.
No início do concurso nacional havia 1100 vagas em 20 cursos. No final do processo, 553 ficaram por preencher. A grande maioria dos novos alunos foi apenas para duas instituições: as universidades do Porto (108 colocados) e Lisboa (125), que foram as únicas que ficaram próximas de preencher a totalidade de vagas disponíveis.
De resto, há dez formações na área – entre os quais as do Instituto Politécnico de Bragança e Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – que não tiveram um único aluno colocado nas duas primeiras fases. As universidades do Algarve e da Beira Interior e o Instituto Politécnico do Porto viram apenas um estudante entrar nos seus cursos de Engenharia Civil.
A tendência é transversal a todas as áreas de engenharia que, de acordo com a Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES), abriram 9022 vagas este ano (o mesmo número do ano passado), mas a taxa de ocupação desceu de 62% para os 59%. A Engenharia Civil foi, porém, atingida com maior intensidade. E, pelo segundo ano consecutivo, uma vez que no ano passado já se tinha verificado uma quebra da procura.
O impacto negativo desta realidade para o mercado da construção vai sentir-se “dentro de cinco a seis anos”, precisamente quando estes estudantes que agora chegam ao ensino superior estiverem a terminar a sua formação. A previsão é do presidente da Secção Regional do Norte da OE, Fernando Almeida Santos, e é partilhada pelos administradores das empresas de construção ouvidos pelo PÚBLICO.
“Faltarão recursos no nosso país. A partir do momento em que isso acontecer, vai ser preciso recorrer ao mercado internacional”, antecipa António Carlos Rodrigues, da Casais. “Quando o mercado começar a pedir engenheiros, não vamos ter tempo de os formar”, acrescenta José Teixeira, CEO da DST. Em menos de uma década, as empresas “estarão a pagar mais caro pelos seus engenheiros” e os melhores alunos “vão ser disputados” pelas construtoras, defende o mesmo empresário.
“Em termos de rejuvenescimento e renovação desta família profissional, a manutenção desta tendência, a médio prazo, poderá vir a constituir um problema que venha a carecer de medidas direccionadas”, defende também fonte da Direcção Corporativa de Recursos Humanos da Mota-Engil.
A Mota-Engil lembra igualmente que a saída de engenheiros civis do país – cerca de 2000 nos últimos três anos – “não é apenas uma consequência natural da internacionalização” das empresas nacionais, mas também fruto da falta de oportunidades internas. “É algo que naturalmente tem de ser ponderado e que poderá constituir uma dificuldade no futuro, se se perpetuar demasiadamente no tempo”, acrescenta a mesma fonte.
Entre as construtoras, a única que não alinha por esta perspectiva, partilhada pela Ordem e pela Aiccopn, é a Soares da Costa. “Tomando em consideração a evolução recente e esperada a curto/médio prazo do mercado de construção civil e infra-estruturas, essas expectativas mais negativas [de alunos] são, em nosso entender, justificadas”, afirma fonte da administração.
Na construtora, que é uma das maiores nacionais, não há dúvidas, porém, que a quebra de procura dos cursos superiores de Engenharia Civil terá consequências nefastas: “Pode provocar também uma saída do país dos professores. Essa situação poderá levar à perda do actual capital de conhecimento, reduzindo a longo prazo a qualidade do ensino da Engenharia em Portugal, e, portanto, também a longo prazo, a qualidade dos profissionais desta área.”
O que justifica agora o optimismo quase generalizado na expansão de um sector que, nos últimos cinco anos, representou metade da quebra do investimento sentida a nível nacional e recuou para níveis de 1980? “Tem havido sinais positivos”, valoriza Reis Campos da Aiccopn, como a redução de 17,8% do número de desempregados e de 12% nas insolvências.
As expectativos do regresso ao investimento nos próximos anos também ajudam a alimentar esta ideia. O Quadro Comunitário 2014-2020 “vai pôr a construção próxima de uma produção normal”, antecipa Fernando Almeida Santos da Região Norte da Ordem de Engenheiros. “Não será ao ritmo dos anos 1990 ou do início deste século, mas haverá trabalho”, garante. O Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas anunciado pelo Governo – e que contempla 53 projectos prioritários e mais de 6 mil milhões de euros de investimentos – também é levado em conta.
Ainda assim, nem a Aiccopn nem a Ordem dos Engenheiros conseguem antecipar as necessidades de contratações de profissionais da área nos próximos cinco a dez anos. “Ao contrário do que acontece na Medicina, por exemplo, em que há um conjunto de indicadores que permitem antecipar as necessidades, na Engenharia não é fácil ter essas previsões”, diz o bastonário da OE.
Apesar das expectativas de aumento do emprego para os próximos anos que são alimentadas pelos responsáveis do sector, a capacidade de acesso ao mercado de trabalho parece não ter interferido de forma decisiva nas preferências dos estudantes que entraram em Engenharia Civil no início deste ano lectivo. Cruzando os dados do desemprego de cada curso, que são disponibilizados pelo MEC no portal Infocursos, com os resultados das colocações no ensino superior, não se percebe uma relação entre as duas variáveis. Aliás, três dos cursos com menor índice de desemprego (na Universidade do Algarve e nos politécnicos de Coimbra e Castelo Branco) estão entre os que têm menor número de colocados. Só no caso do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa – que tem o maior número de colocados e a menor taxa de desemprego – parece haver alguma correlação.
Na lista das instituições com maior procura estão as universidades do Porto, Coimbra, Nova de Lisboa e Minho, que têm taxas de desemprego de diplomado em Engenharia Civil superiores à média nacional da área – 8,8%, oito décimas mais alta do que a taxa de desemprego entre a generalidade dos diplomados. Para a sua capacidade de atracção parece ter um papel mais relevante o prestígio das instituições em que se inserem do que os dados sobre o acesso ao mercado de trabalho.
Para as instituições de ensino superior o desafio é claro: contrariar a tendência de quebra de procura da Engenharia Civil. Algumas delas vão testando soluções para o fazer. A Universidade do Minho, por exemplo, chegou a acordo com empresas da área como a DST, a Casais, a Ascendi ou a Mota Engil, que vão financiar 15 bolsas para os melhores alunos do curso, pagando integralmente as suas propinas até ao final da formação. São 250 mil euros de investimento.
“Chegámos junto das empresas e avisámos: vamos deixar de vos dar engenheiros, porque não temos alunos. E eles perceberam que este apoio valia a pena”, conta o director do curso, Jorge Pais. As mesmas construtoras vão também oferecer estágios profissionais remunerados aos diplomados minhotos no final da sua formação. Além disso, a instituição celebrou um protocolo com as autoridades brasileiras que lhes possibilita o exercício da profissão tanto em Portugal como no Brasil.
Para a presidente do Instituto Politécnico do Porto, Rosário Gamboa, a quebra na procura dos cursos de Engenharia Civil não é só um problema da oferta no ensino superior – que até pode ser “algo exagerada”, admite –, já que a maior parte das instituições de ensino superior “tem feito o caminho que devia fazer”, aproximando-se do tecido empresarial e actualizando as formações em função do mercado. “O ensino é bom, caso contrário as empresas estrangeiras não vinham cá buscar engenheiros”, sustenta.
Para esta responsável, o problema está na “representação social da profissão”. O país precisa, por isso, de uma atitude pedagógica e concertada, entre a tutela, o ensino superior e os empresários, para “chamar a atenção para a importância da Engenharia”, defende, de modo a captar novamente o interesse dos jovens. Jorge Pais, da Universidade do Minho, concorda. “O que passa para os jovens e para as famílias são as notícias da quebra da construção em Portugal.” “Agora temos de fazer passar a mensagem contrária.”