Estes arquitectos querem mudar o clima através do urbanismo
Sofia Pera e João Cortesão criaram um gabinete de urbanismo que, com metodologias e “software” próprios, consegue prever que alterações climáticas um determinado projecto pode conseguir. A câmara do Porto está em negociações com eles.
Há uma resposta sumária que Sofia Pera guarda na ponta da língua para esclarecer uma dúvida que ainda surge com mais frequência do que gostaria. “As pessoas ainda me perguntam o que faz um urbanista. Eu digo sempre que um urbanista faz tudo aquilo que tu vês quando sais da porta da tua casa”, verbaliza, com um aceno de concordância de João Cortesão. Os dois arquitectos e urbanistas compõem a dupla do Still Urban Design, um gabinete de urbanismo que incorpora estratégias de desenho bioclimático e, com metodologias e software próprios, consegue prever que mudanças climáticas pode operar num determinado espaço com um certo projecto.
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Há uma resposta sumária que Sofia Pera guarda na ponta da língua para esclarecer uma dúvida que ainda surge com mais frequência do que gostaria. “As pessoas ainda me perguntam o que faz um urbanista. Eu digo sempre que um urbanista faz tudo aquilo que tu vês quando sais da porta da tua casa”, verbaliza, com um aceno de concordância de João Cortesão. Os dois arquitectos e urbanistas compõem a dupla do Still Urban Design, um gabinete de urbanismo que incorpora estratégias de desenho bioclimático e, com metodologias e software próprios, consegue prever que mudanças climáticas pode operar num determinado espaço com um certo projecto.
Tratar o clima como “elemento projectual” é o ponto de partida para tudo o que João e Sofia fazem — e o que eles sonham não tem só a ver com projecto, mas também com educação e sensibilização para questões ligadas ao ambiente. Quando em Abril deste ano foram aceites como um dos 17 projectos finalistas da terceira edição do Programa de Aceleração de Start-ups do Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC), iniciaram uma louca corrida de erguer uma empresa em seis meses com uma “motivação muito grande”: “Contribuir de forma positiva para o desenvolvimento urbano”, recorda João Cortesão, 31 anos. E a amiga Sofia Pera, 32 anos, completa com um sorriso: “Também queremos lutar um bocadinho contra esta ideia de que o que é sustentável é verde. Nós não temos só árvores na cabeça.”
Com apenas seis meses de trabalho, a dupla tem já alguns projectos em mãos e estão em negociações com a Câmara Municipal do Porto, a quem apresentaram uma proposta que envolve “um protótipo de módulos bioclimáticos combinados com mobiliário” que poderão ser usados em vários contextos, como eventos e festivais por exemplo. Os pormenores — e a praça para a qual o Still Urban Design apresentou a proposta — estão ainda no segredo dos deuses, mas os arquitectos prometem soluções que serão “quase uma forma de provocação”.
Acompanhando com “investigação teórica” (e aqui a dupla tem vastas possibilidades, já vamos aos currículos), João e Sofia querem “usar a cidade como um laboratório” para ir validando as metodologias que pretendem aplicar. Ser urbanista em Portugal é essencialmente fazer “acupunctura” no espaço exterior — e isso é aliciante, diz Sofia Pera: “Temos uma história tão rica que não fazemos coisas do zero e a mim sempre me atraiu muito essa ideia.”
Mudanças climáticas através do urbanismo
O Still Urban Design — que se apresentou no início do mês na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), durante o Startup Pitch Day da UPTEC, e recebeu uma menção honrosa — promete resultados. “Conseguimos dizer que pegando numa praça e pondo determinados elementos — vegetação, espelho de água, materiais — aquilo que se espera é que no período de cinco ou dez anos (o factor paciência é importante) conseguimos reduzir a temperatura nesta magnitude, a temperatura das superfícies naquela, a radiação noutra percentagem”, exemplifica João Cortesão.
As “visíveis” alterações climáticas e o aquecimento global seriam razões mais do que suficientes para que o urbanismo tivesse um lugar mais importante no desenvolvimento das cidades, defendem. “E ainda que isso não existisse há uma coisa que se chama saúde e bem-estar das pessoas em meio urbano”, acrescenta o arquitecto.
Exemplos práticos: se a escolha do pavimento não for correcta, a probabilidade de “a cidade se transformar num rio” quando há chuva é grande e isso implica gastos posteriores na descontaminação das águas e do ar; se essa descontaminação das águas não for feita, há gastos posteriores em saúde; se o espaço exterior não é agradável as pessoas não permanecem nele, logo as economias locais (cafés, restaurantes) não crescem.
Nas últimas décadas, o que se tem feito em Portugal em termos de reabilitação urbana “foi muito numa questão de limpeza”, lamentam. “Vemos reabilitações do espaço urbano que são profundamente vazias e assépticas”, lamenta Sofia Pera. A pedonalizaçao é uma boa solução? “'Pedonalizar’ está na moda e ainda bem. Mas o que dizemos é: não vale a pena ‘pedonalizar’ um espaço se não garantirmos que as pessoas o utilizam. Retirar carros e regularizar o pavimento não chega e a permanência no espaço público tem sido negligenciada.” Outro erro clássico: “Pôr relva no nosso clima é um desinvestimento. Nós conseguimos diminuir custos escolhendo as espécies certas e contemplando formas de manutenção adequadas.”
Em Portugal não há estudos sobre a matéria, mas em países como a Grécia e Alemanha ou nos Estados Unidos da América os “benefícios de pensar em redes de espaços mais termicamente equilibrados são óbvios”, salienta João: “Falam de poupanças energéticas da cidade ao final do ano na ordem dos milhares e milhares de dólares.”
Só com uma rede concertada é possível construir esta gama de benefícios — e é a isso que a dupla aspira: “Queremos fazer uma rede de espaços que, no seu todo, funcionarão”, explica quase em uníssono a dupla com percursos internacionais relevantes (Sofia fez um mestrado entre Barcelona e Veneza e trabalhou na Holanda e na China; João doutorou-se entre o Porto e o Reino Unido).
Além da proposta à autarquia portuense, o Still Urban Design, incubado na UPTEC, entregou este mês um projecto desenvolvido para Nova Iorque e está a trabalhar em mais três espaços: um escritório de advogados, um apartamento abandonado e a entrada do edifício do UPTEC. Para consciencializar as pessoas para a importância do trabalho deles, os urbanistas querem ainda fazer “’workshops’, formações e palestras informais”. Projectos futuros? “Queremos daqui a dois ou três anos ser uma empresa sólida com projectos, portfólio e carteira de clientes e ser uma referência nesta questão do projecto bioclimático, ainda que entretanto apareçam outros estúdios.”