O ministro que me envergonhou por causa de uma fórmula
Caríssimo Nuno Crato, as desculpas não pagam pão para a boca nem literatura para a cabeça. Compreendo bem que tenha dedicado a vida inteira aos números, mas a gente não se mede às percentagens
Há coisa de dez anos, ainda não tinha descoberto o jornalismo. Enganara-me a mim próprio, crendo que a Gestão haveria de me entregar um emprego de bandeja. Depressa percebi que estava redondamente enganado e que não há nada mais certo que seguir uma paixão. Ainda assim, andei pelo ISEG durante três semestres e trouxe muitas histórias. Hoje gostava de partilhar uma delas, porque o momento o justifica.
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Há coisa de dez anos, ainda não tinha descoberto o jornalismo. Enganara-me a mim próprio, crendo que a Gestão haveria de me entregar um emprego de bandeja. Depressa percebi que estava redondamente enganado e que não há nada mais certo que seguir uma paixão. Ainda assim, andei pelo ISEG durante três semestres e trouxe muitas histórias. Hoje gostava de partilhar uma delas, porque o momento o justifica.
Para já, perdoem-me a inaptidão para manter o rigor científico deste episódio, mas a minha vocação está verdadeiramente ligada às letras e não aos algarismos. Era uma manhã de Outubro e um anfiteatro daquela casa estava repleto. Pessoas aos magotes, eram entre cem e cento e cinquenta, talvez. Eu era uma delas, na terceira ou quarta fila. No momento da entrada do professor na sala, o burburinho dera lugar ao silêncio, apenas interrompido pela caneta que cai ou pelo caderno que se abre. Então era aquela a estrela do ISEG: Nuno Crato, o homem que, provavelmente, melhor compreendia as matemáticas neste nosso pequeno país. O fascínio que nutríamos por ele era notório.
Ao que a memória me permite alcançar, nesse dia houve um momento em que o professor Crato rabiscou uma fórmula com uma caneta de feltro. Perguntou de seguida para onde tendia aquele limite. O silêncio no recinto era agora total. Lá de trás, alguém se atrevia a responder “zero” ou “mais infinito”. Desacoroçoado, o professor Crato sacudia a cabeça. Minutos depois estava gritando com os pupilos, recém-chegados ao ensino superior. Que se desmotivava por ver aquela paisagem de ignorantes, que não compreendia o que havíamos andado a fazer durante três anos de secundário, que estava desolado com tudo aquilo.
Eu tinha profunda admiração pelo professor Crato: li-lhe uns quantos livros e recordo-me até de, só pela graça, lhe ter pedido um autógrafo num compêndio de astronomia. Mas parece-me a mim que esta história está carregada de profunda ironia face aos acontecimentos recentes. Agora são dez milhões de pessoas aborrecidas com um ministro por causa de uma fórmula que falhou. Em particular, são mais de uma centena as gentes que ficaram com a vida de pernas para o ar por causa de uma incompetência. Senti na pele essa dor, no momento em que me chegou um pedido desesperado por ajuda, ao qual não tive maneira de responder. Às vezes gostava de ter os super poderes de um autarca.
E depois vieram os pedidos de desculpas. Caríssimo Nuno Crato, as desculpas não pagam pão para a boca nem literatura para a cabeça. Compreendo bem que tenha dedicado a vida inteira aos números, mas a gente não se mede às percentagens. A gente tem carne como a sua. Diz que vai solucionar o problema, mas a coisa não parece estar a ter grande solução, tal a balbúrdia que deve ir no ministério.
Acredito que não queira (ou não o deixem) demitir-se, mas tudo isto está a dar cabo da imaculada reputação que tinha antes de integrar o Governo. Depois disto, poucos lhe darão credibilidade para falar de reformas na Educação. Por nós, senhor Ministro, ou por si mesmo, tenha mais cuidado com aqueles que governa. O povo pode parecer adormecido mas não anda a dormir.