Portugal autoriza primeira plantação de “cannabis” destinada a medicamentos

Autorização foi dada pelo Infarmed e é a primeira do género. A espécie cultivada — “cannabis” com concentrações muito baixas de THC, a substância psicotrópica da planta — destina-se a medicamentos para o Reino Unido

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David McNew/Getty Images/AFP

Portugal vai acolher, durante o período de pelo menos um ano, uma plantação de “cannabis” destinada à produção de medicamentos no Reino Unido. A autorização foi dada pela Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) e publicada em Diário da República. É a primeira concessão deste género, diz o Infarmed, que ressalva que a planta terá baixos níveis da principal substância psicotrópica associada à “cannabis”.

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Portugal vai acolher, durante o período de pelo menos um ano, uma plantação de “cannabis” destinada à produção de medicamentos no Reino Unido. A autorização foi dada pela Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) e publicada em Diário da República. É a primeira concessão deste género, diz o Infarmed, que ressalva que a planta terá baixos níveis da principal substância psicotrópica associada à “cannabis”.

A autorização foi concedida ainda em Setembro pelo regulador português no âmbito das suas funções e publicitada através do aviso n.º 10618/2014, em que se explica que o direito ao cultivo e à exploração de “cannabis sativa” foi dado a uma empresa pelo período de um ano, que pode ser renovável por igual período caso o Infarmed nada diga até 90 dias antes do fim do prazo.

Questionado pelo PÚBLICO, numa resposta escrita, o Infarmed confirmou que “a sociedade Terra Verde, Lda. está autorizada para o cultivo de “cannabis sativa” em Portugal, para realizar um projecto de investimento que consiste na plantação de “cannabis sativa” e a sua transformação em pó que será exportado 100% para o Reino Unido e utilizado para a produção de medicamentos a utilizar no alívio da dor derivada da doença oncológica, na esclerose múltipla e na epilepsia”. A autoridade do medicamento garantiu, também, que “esta é a primeira autorização deste género” alguma vez dada, numa altura em que se está a tornar mais comum a utilização da “cannabis” para fins terapêuticos.

O PÚBLICO tentou contactar a Terra Verde de várias formas ao longo de duas semanas, mas não foi possível. De acordo com a informação disponível na Internet, a empresa tem sede no Montijo e terá sido criada ainda em 2014, destinando-se à produção e comercialização de produtos farmacêuticos e componentes naturais para a indústria farmacêutica a partir de plantas naturais. Não há nenhum contacto de email ou telefónico disponível online, nem registado no serviço de informações de rede fixa, nem nas várias operadoras de rede móvel. Na sede da empresa, num prédio de habitação no Montijo, ninguém abriu a porta e na anterior empresa em que o sócio maioritário trabalhava nenhuma chamada foi atendida.

Também não há nenhum telefone registado na residência de David Yarkoni, detentor de 4500 euros do total de 5000 euros de capital social da Terra Verde. Tentou-se, ainda, o contacto através da rede social Linkedin, mas o engenheiro agrónomo israelita que está em Portugal desde a década de 1980 não respondeu. Foram também enviadas questões para a sócia minoritária, a GW Pharmaceuticals PLC, mas não houve resposta. O laboratório do Reino Unido é detentor do medicamento Sativex, que de acordo com a bula disponibilizada em português pelo Infarmed é um “nebulizador bucal que contém extractos de 'cannabis' chamados canabinóides”.

Baixo teor de THC

Ainda sobre a plantação, o Infarmed sublinha, por seu lado, que a espécie de “cannabis” alvo de autorização é a que tem “alto teor de canabidiol (CBD) e baixo teor (inferior a 2%) de tetrahidrocanabinol (THC)”, a “substância psicotrópica” da planta em causa. O THC é o responsável pelos efeitos psicomotores da “cannabis” e já existem situações em que a concentração chega aos 30%, sendo esta subida a principal fonte de preocupação das autoridades.

Na mesma nota, o regulador recorda que é ao Infarmed que cabe esta decisão no âmbito das suas funções legalmente determinadas. Aliás, o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico do tráfico e consumo de estupefacientes e psicotrópicos, determina que cabe a esta autoridade “estabelecer os condicionamentos e conceder autorizações” para casos como a plantação de “cannabis” “dentro dos limites estritos das necessidades do país, dando prevalência aos interesses de ordem médica, médico-veterinária, científica e didáctica”.

Estas normas foram, posteriormente, explicitadas pelo decreto-regulamentar n.º 61/94, de 12 de Outubro que, entre outros assuntos, afirma que os excedentes que ultrapassem os 10% da produção autorizada têm de ser destruídos. Também em 1999 foi feito um aditamento ao decreto de 1994 que reforça que “a cultura de cânhamo industrial ('cannabis sativa L') tem vindo a ser alvo de um crescimento exponencial nos países industrializados, não sendo alheio a tal facto as suas inegáveis vantagens ecológicas para além da sua rentabilidade” — sendo neste caso o destino a indústria têxtil.

Considera-se reflexo disso “as variedades de sementes da referida planta que vêm surgindo, de baixo teor psicoactivo, de cultivo autorizado e, inclusive, subsidiado ao abrigo de regulamentação comunitária, com o objectivo de obtenção de fibra” — sendo a baixa concentração de THC uma garantia de que não devem existir usos indevidos da planta.

Portugal tem, aliás, condições tanto de luz como de água muito favoráveis à plantação de “cannabis”, sobretudo a partir de Maio. Além do cultivo destinado à produção de medicamentos, o país pode também emitir autorizações para plantações que tenham como destino a indústria têxtil, visto que a planta também é conhecida pelas suas boas características para a criação de fibras naturais. Esta área já não depende do Infarmed mas sim de outras entidades. Em todos os casos, a luz-verde é apenas para a “cannabis sativa”, na versão menos potente desta droga.