Estas letras não são de comer — mas podiam ter sido
Ana Lima está a desenvolver uma forma de aproveitar desperdícios da indústria agro-alimentar portuguesa para a criação de objectos de design sustentáveis. A Matter é o sonho da arquitecta do Porto
Durante vários anos, a vida de Ana Lima girou em torno da arquitectura: trabalhou em gabinetes na Suíça e no Japão e, quando regressou a Portugal, sentiu uma necessidade “de desenhar coisas numa escala mais pequena e palpável”, criadas a partir de matérias normalmente desperdiçadas. Assim nasceu a Matter, uma “start-up” focada em produtos de design sustentáveis e “100% portugueses”.
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Durante vários anos, a vida de Ana Lima girou em torno da arquitectura: trabalhou em gabinetes na Suíça e no Japão e, quando regressou a Portugal, sentiu uma necessidade “de desenhar coisas numa escala mais pequena e palpável”, criadas a partir de matérias normalmente desperdiçadas. Assim nasceu a Matter, uma “start-up” focada em produtos de design sustentáveis e “100% portugueses”.
Casca de arroz, borras de café e repiso do tomate (o que sobra depois deste ser transformado) são alguns dos materiais que a arquitecta de 34 anos decidiu aproveitar, a partir de desperdícios da indústria agro-alimentar portuguesa. A ideia é “agregá-los de uma maneira muito natural”, explica em entrevista ao P3, “para que o cliente final, ao tocar nestas peças, sinta uma ligação à terra”. “Hoje em dia, os produtos são demasiado higienizados, sem cor, textura ou cheiro, e eu valorizo a ligação às origens”, sublinha a também doutoranda em Design.
Para conseguir trabalhar os materiais com “uma resina amiga do ambiente e que respeite a natureza”, Ana decidiu inscrever-se, com a Matter, na terceira edição do Programa de Aceleração de Startups do Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC), tendo ficado entre os 17 finalistas. Está, agora, a trabalhar com uma equipa de engenheiros químicos da Faculdade de Engenharia da UP, num “processo muito complexo” que envolve a secagem dos resíduos e o estudo dos acabamentos dos mesmos. É “tentativa-erro” até chegar à melhor solução, algo que deve acontecer nos próximos seis meses.
As letras que aparecem nas fotografias são apenas exemplos: Ana gostava de se manter focada no design, mas a aplicação dos materiais é tão vasta que prefere não fechar portas. No entanto, confessa, “adorava ter uma cadeira feita a partir destes resíduos”.
Por agora, a Matter vai manter-se focada na indústria agro-alimentar: aos três resíduos já mencionados, Ana juntou o bagaço da azeitona e da uva (resultante do processo de produção de azeite e vinho, respectivamente) e drêche cervejeira (o que sobra da produção de cerveja). Mas a fórmula pode ser aplicada a “qualquer empresa que gere resíduos” e que esteja interessada em “dar-lhes outro destino, incorporável no discurso de sustentabilidade e que chegue ao consumidor de uma maneira especial”.
Ana Lima já fez contactos bem sucedidos com algumas empresas portuguesas líderes nos sectores de cada um dos resíduos em questão, mas a internacionalização da Matter é um dos grandes objectivos. Isto porque a utilização destes materiais para fins de design ainda é algo novo: alguns “são usados em biodiesel ou são-lhes retiradas propriedades”, mas não valorizados desta forma.
Em resumo, o que a arquitecta do Porto pretende é criar algo “reconhecidamente português e altamente sustentável”. “Nós orgulhamo-nos na cortiça, podemo-nos orgulhar destes materiais também e torná-los, um bocadinho, a nossa marca.”