Relatório da comissão de auditoria da PT arrasou em Julho gestão de Bava e Granadeiro
Documento revela como a operadora e os dois presidentes executivos foram sendo “capturados” pelos interesses do BES.
A leitura dos registos das aplicações da PT no universo empresarial do Grupo Espírito Santo (GES), que decorriam através do banco, revelam como a operadora e os dois presidentes executivos, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, foram sendo “capturados” ao longo do tempo pelos interesses do seu maior accionista: o BES (dono de 10% da empresa). A situação acentuou-se com a crise financeira e económica e é alvo de censura, ainda que a posteriori, num relatório de auditoria interna, produzido na fase aguda da crise do GES. E, quando se tornou público que as sociedades do universo do seu accionista de referência, financiadas pela PT, estavam insolventes.
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A leitura dos registos das aplicações da PT no universo empresarial do Grupo Espírito Santo (GES), que decorriam através do banco, revelam como a operadora e os dois presidentes executivos, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, foram sendo “capturados” ao longo do tempo pelos interesses do seu maior accionista: o BES (dono de 10% da empresa). A situação acentuou-se com a crise financeira e económica e é alvo de censura, ainda que a posteriori, num relatório de auditoria interna, produzido na fase aguda da crise do GES. E, quando se tornou público que as sociedades do universo do seu accionista de referência, financiadas pela PT, estavam insolventes.
Num relatório de 10 de Julho de 2014, sobre as aplicações de excedentes de tesouraria no GES, a comissão de auditoria revela que a 3 de Julho, depois de o Expresso ter publicado o investimento de 897 milhões em papel comercial da Rioforte, pediu “um resumo da evolução histórica dos saldos das aplicações” no período entre 2001 e 2014.
A conclusão é a seguinte: “A aplicação de excedentes de tesouraria em depósitos a prazo e títulos de dívida de curto prazo em sociedades do GES, em particular na Espírito Santo International-ESI [a holding de topo do GES], sempre foi elevada, tanto em termos absolutos como relativos, tendo oscilado entre um mínimo de cerca de 36,8% (em Julho de 2008) e um máximo de 98,6% em Abril de 2014.”
Depois de entre 2001 e 2007 ter variado entre 600 milhões e um mínimo de 144,4 milhões, a exposição ao GES disparou. A partir de 2008, com 36,8%, começou a trajectória ascendente que chegou a Agosto de 2010 com 81,5% em depósitos a prazo no BES.
Após a venda da Vivo, que permitiu à PT encaixar 4,5 mil milhões de euros (verba que repartiu entre a CGD e o BES, ambos accionistas), Zeinal Bava começou crescentemente a apoiar o seu maior investidor: a 30 de Setembro de 2010, a operadora tinha aplicado na esfera do GES 3118 milhões de euros (incluindo os 2240 milhões da Vivo), o que se traduzia em 50,9% do total disponível. E, pela primeira vez, vai investir (250 milhões) em títulos de dívida de sociedades do GES, nesta caso na ESI, onde se manterá até Janeiro de 2014 (antes de transferir a verba para aquisição de papel comercial da Rioforte).
Depois de um decréscimo, resultante da compra da Oi, em Outubro de 2011, a PT voltou a confiar o grosso das suas disponibilidades ao grupo então liderado por Ricardo Salgado: 3065 milhões, ou seja, 79,91% do total. A partir de 2012 “assiste-se a um aumento da concentração” no GES, agora de 85,9%, aproximando-se em Maio de 2014 dos 100% (98,35%). Dos 1643 milhões de euros em causa, 897 milhões destinaram-se à compra de papel comercial da Rioforte).
Nos mandatos de presidentes executivos da PT (Zeinal Bava entre Abril de 2008 a Junho de 2013, data em que assumiu as funções na Oi, e Henrique Granadeiro, a seguir, bem como do administrador financeiro, Pacheco de Melo), as decisões de investimento vão merecer da comissão de auditoria o comentário: “As aplicações [no GES], em especial as relativas a títulos de dívida, não cumpriram os requisitos cautelares de uma gestão de risco divulgada nos documentos de prestação de contas, quer sobre diversificação, quer a natureza das contrapartes, por terem sido feitas com uma holding não financeira, cuja boa reputação no mercado não se encontrava evidenciada.” Recorde-se que nem a Rioforte nem a ESI têm rating, e os seus problemas financeiros são do domínio público desde Setembro do ano passado (PÚBLICO de 18/9/2013).
Deste modo, Bava, Granadeiro e Pacheco de Melo (enquanto administrador financeiro) contrariaram uma das regras elementares de boa gestão, a diversificação dos activos, e “ocultaram” as suas decisões de aplicação de tesouraria ao mercado e à CMVM. Nos relatórios de gestão e contas e nos de governo da sociedade (ambos aprovados pelo conselho de administração da PT por unanimidade) escreveram: “Com o objectivo de mitigar os riscos de crédito, a política da PT é de investir em aplicações de curto prazo, junto de instituições financeiras diversificadas, com reputação no mercado ou tendo em consideração o respectivo rating de crédito.” E esclarecem que “os riscos relacionados com actividades de tesouraria resultam essencialmente dos investimentos efectuados pelo grupo em disponibilidades monetárias”.
Nada disto evidentemente estava a ser feito pelos gestores da PT. Este é um ponto crucial e que está no radar da CMVM, que desconfia de uma irregularidade muito grave: os gestores da PT terão “omitido deliberadamente” a informação ao mercado. Se a suspeita se confirmar, poderão incorrer em fortes penalizações.
Para além da decisão de confiarem o grosso da tesouraria ao GES, o que é, no mínimo, uma opção imprudente, a situação é agravada pelo facto de a PT dispor historicamente de uma participação qualificada no BES superior a 2% (que se estima valer pelo menos 200 milhões). Sublinhe-se que uma das medidas da troika, quando entrou em Portugal em Abril de 2011, foi exigir a revisão da lei bancária, que passou a impor que, quando um banco está em dificuldades, o resgate terá de envolver accionistas e obrigacionistas – ou seja, caso o BES falisse (como aconteceu), a PT seria atingida por três lados: como investidor, financiador (Rioforte) e cliente.
Entre Março e Julho de 2014 a PT liquidou empréstimos obrigacionistas e teve encargos com a fusão da Oi que reduziram os seus depósitos no BES para 128 milhões de euros. A verba foi levantada nos dias anteriores à intervenção pública no banco (efectuada a 3 de Agosto). O prejuízo a contabilizar pela PT, pela exposição ao GES, no pressuposto de que perde tudo o que emprestou à Rioforte (que negocia no mercado do "lixo”) rondará 1,1 mil milhões de euros, incluindo as acções do BES. A 2 de Dezembro de 2010, no âmbito da transferência do fundo de pensões da PT para o Estado, a posição no banco passou para a PT Prestações, que gere o sistema de saúde dos trabalhadores.
No meio de tudo isto o “empréstimo” que a operadora concedeu à Rioforte é quase um detalhe: se a 30 de Julho de 2014 os 897 milhões estivessem aplicados em depósitos no BES, pela sua expressão não teria havido tempo de os desmobilizar, antes da intervenção estatal. Pelo que, tendo em conta as partes relacionadas, teriam ficado cativos à ordem do "banco tóxico". A má decisão da PT foi ter-se deixado aprisionar pelos interesses dos accionistas.
Quando este Verão rebentou a polémica, Zeinal Bava fez declarações taxativas à revista brasileira Veja, que conta que o gestor português "jurou que não sabia", mas admitiu que "tinha conhecimento de um investimento de 200 milhões de euros" numa sociedade do GES. A 13 de Agosto, o PÚBLICO deu conta da existência de um novo relatório da comissão de auditoria, este com data de Agosto, que aponta para o facto de as aplicações no GES, incluindo ESI e Rioforte, nunca terem sido discutidas ou aprovadas pela administração não executiva da PT (que integra accionistas e os três membros da comissão de auditoria, José Manuel Mello Franco, José Xavier de Basto e Mário Matos Gomes) ou pela comissão executiva.
Para além de Bava (até Setembro de 2013), de Granadeiro e de Pacheco de Melo, os outros executivos são Manuel Rosa da Silva, Pedro Leitão, Carlos Duarte e Alfredo Baptista, oriundos da banca de investimento. O relatório interno de Agosto considera que “da leitura das actas da comissão executiva e do conselho de administração” conclui-se que as decisões de investimento no GES “nunca foram objecto de discussão e aprovação daqueles órgãos” e que a Oi (através da transferência da PT Portugal) sabia da dívida da Rioforte. Diz ainda que as aplicações eram da competência “do presidente executivo da empresa, do administrador financeiro” e atira as responsabilidades para os níveis inferiores que cumprem as ordens.