Turquia não quer deixar cair Kobani mas recusa ser arrastada para a guerra

Combates intensificam-se na cidade curda síria. Damasco avisa que incursão no seu território representará "uma agressão".

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A cidade síria de Kobani vista do lado turco da fronteira Murad Sezer/Reuters

“É um massacre cometido debaixo dos olhos do mundo inteiro”, lamentava-se Burhan Atmaca, um turco de etnia curda que assistia na manhã desta sexta-feira à luta feroz que se trava do outro lado da vedação fronteiriça. Jornalistas contam que um espesso fumo negro paira sobre Kobani e o Observatório Sírio dos Direitos Humanos conta que só durante a manhã 60 obuses caíram na cidade, “no maior bombardeamento desde o início da ofensiva”, a 16 de Setembro.

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“É um massacre cometido debaixo dos olhos do mundo inteiro”, lamentava-se Burhan Atmaca, um turco de etnia curda que assistia na manhã desta sexta-feira à luta feroz que se trava do outro lado da vedação fronteiriça. Jornalistas contam que um espesso fumo negro paira sobre Kobani e o Observatório Sírio dos Direitos Humanos conta que só durante a manhã 60 obuses caíram na cidade, “no maior bombardeamento desde o início da ofensiva”, a 16 de Setembro.

Ainda assim, não há notícia de novos bombardeamentos da coligação liderada pelos Estados Unidos contra os combatentes que cercam a cidade – dos quatro lançados entre quarta e quinta-feira em território sírio, apenas um visou os arredores de Kobani. “O mundo continua em silêncio enquanto os curdos são massacrados”, indignava-se Atmaca.

Na cidade restam alguns milhares de civis – 160 mil refugiaram-se nas últimas semanas na Turquia – e os membros da milícia síria do YPG, que enfrentam os jihadistas com o apoio de curdos vindos da Turquia. “Somos uma área pequena e cercada. Não estamos a receber reforços e as fronteiras estão fechadas”, disse por telefone à Reuters Esmat al-Sheikh, comandante das forças no local, dizendo temer “uma matança generalizada” caso os tanques do Estado Islâmico quebrem as defesas da cidade.

Uma réstia de esperança nasceu nesta quinta-feira à noite quando, horas depois de o Parlamento turco ter autorizado o Exército a lançar incursões na Síria e no Iraque, o primeiro-ministro Ahmet Davutoglu foi à televisão assegurar que Ancara “não quer que Kobani caia” e que “vai fazer tudo o que puder para evitar que isso aconteça”. “Nenhum país tem tanta capacidade para afectar os desenvolvimentos na Síria e no Iraque. Nenhum outro país será tão afectado por eles como nós”, sublinhou.

Mas Davutoglu não tardou a recuar e, no decorrer do mesmo programa, afirmou que não está a ser planeada qualquer incursão e que toda a acção em território sírio acarreta o risco de arrastar o país para a guerra na Síria. “Algumas pessoas perguntam 'Porque não estão vocês a proteger os curdos em Kobani?', mas se o Exército turco entrasse em Kobani, então os turcomenos de Yayladag iriam perguntar ‘Porque não nos salvam?'”, afirmou, referindo-se a outra cidade junto à fronteira turca também sob ameaça do Estado Islâmico. “E então os árabes de Reyhanli iriam dizer ‘Porque não nos salvam a nós também?’, e teríamos de ir lá também.”

Ancara teme que a intervenção internacional contra o Estado Islâmico acabe por fortalecer o regime do Presidente sírio, Bashar al-Assad, e legitime as guerrilhas curdas. Mas as suas hesitações estão a gerar mal-estar entre os aliados e a alimentar a desconfiança da minoria curda, dando força às acusações de que a Turquia, nos seus cálculos estratégicos, foi no mínimo conivente com a expansão do Estado Islâmico. Uma primeira vítima poderão ser as negociações de paz que o agora Presidente Recep Tayyip Erdogan iniciou em 2012 com o líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e que Abdullah Öcalan ameaça terminar se Kobani cair em poder dos jihadistas.  

Mas passar à acção acarreta também riscos elevados para o Governo turco. Numa nota lida pela televisão nacional, o Ministério dos Negócios Estrangeiros sírio avisa que “a política declarada do Governo turco representa uma verdadeira agressão contra um Estado-membro das Nações Unidas” e pede a intervenção do Conselho de Segurança para “pôr fim às aventuras dos dirigentes turcos”.