Morreu o comandante Alpoim Calvão, líder da operação Mar Verde na Guiné-Conacri

Com um currículo tumultuoso, foi o oficial mais condecorado da Marinha.

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De acordo com informação da família, Alpoim Calvão, de 77 anos, estava internado no Hospital de Cascais e sofria de doença prolongada. O funeral realiza-se na quinta-feira ao final da manhã do Mosteiro dos Jerónimos (onde se realiza missa de corpo presente às 11h) para o cemitério dos Olivais.

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De acordo com informação da família, Alpoim Calvão, de 77 anos, estava internado no Hospital de Cascais e sofria de doença prolongada. O funeral realiza-se na quinta-feira ao final da manhã do Mosteiro dos Jerónimos (onde se realiza missa de corpo presente às 11h) para o cemitério dos Olivais.

Com um extenso currículo de louvores e condecorações – a última das quais a medalha de Comportamento Exemplar do Corpo de Fuzileiros, que há muitos anos lhe escapava, foi recebida há quatro anos nas cerimónias do Dia do Fuzileiro - Alpoim Calvão é o oficial mais condecorado da Marinha. E um dos poucos militares agraciados com a medalha da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, com Palma, atribuída por feitos em combate.

Em comunicado, a Marinha cita Miguel Torga em sua homenagem: “Quando chegar a hora decisiva,/Procurem-me nas dunas, dividido/Entre o mar e a terra.” E diz que Alpoim Calvão foi um “brilhante estratega e com elevadas qualidades militares provadas em campanha assumiu desde sempre uma referência para os Fuzileiros, honrando a Marinha e as Forças Armadas Portuguesas”.

Apesar disso, é também conhecido por ter sido expulso das Forças Armadas em 1975, na sequência da sua participação no golpe de Estado de 11 de Março.

Nascido em Chaves, viveu em Moçambique, cursou Marinha na Escola Naval entre 1954/57, especializando-se em mergulhador sapador e navegação submarina. Voluntaria-se como fuzileiro e desembarca na Guiné no final de 1963, como comandante do destacamento de fuzileiros onde participa em diversas operações. De regresso a Lisboa, em 1965, entra na Escola de Fuzileiros onde chega a director de instrução. Ali se mantém até 1969, quando entra em conflito com o ministro da Marinha e deixa o cargo para regressar em comissão à Guiné.

A operação Mar Verde, em Novembro de 1970, que teve em Alpoim o principal arquitecto, previa um ataque a Conacri para libertar cerca de três dezenas de prisioneiros de guerra portugueses nas mãos do PAIGC - como o sargento piloto António Lobato que esteve preso vários anos - destruir equipamento do movimento independentista e liquidar o Presidente Sékou Touré. Só os dois primeiros foram conseguidos - ainda que o segundo não totalmente. Mas também tivera papel relevante noutras missões como as operações Trovão e Tridente.

Alpoim Calvão passou depois pelos comandos da Divisão de Operações Navais do Continente e da Polícia Marítima. Em 1974, convidado por Pinheiro de Azevedo, recusou participar no golpe de Estado de Abril. Era contra a solução defendida para a questão além-mar, a descolonização.

Com a mudança de regime, Alpoim Calvão foi exonerado da Polícia Marítima, passa para o sector privado, e a sua vida sofreu também uma reviravolta. No ano seguinte participou na tentativa falhada de golpe de Estado de 11 de Março e é expulso, por decreto, das Forças Armadas poucos dias depois com quase duas dezenas de outros militares, entre eles António de Spínola. E passa à condição de fugitivo. Vinte anos depois haveria de relatar a sua versão desse final de Inverno tumultuoso no livro O 11 de Março – Peças de um processo.

É dessa altura a sua associação ao movimento de acção anti-comunista MDLP - Movimento Democrático de Libertação de Portugal, fundado por António de Spínola, e que estaria na génese de diversos atentados bombistas durante os anos de 1975 e 1976, especialmente a alvos comunistas. Admitiria, bem mais tarde, numa entrevista ao PÚBLICO, que a intenção do movimento era mudar o rumo do PREC e “parar o PCP”,

Nos anos seguintes anda pela Europa e Brasil. Ao seu nome são associados, entre outros, negócios de gado, soja e café no Brasil, de pólvora, munições e armamento em Portugal – chegou a ser ouvido nas comissões de inquérito a Camarate por nessa altura ter sido administrador de fábricas de explosivos -, de frutos secos e arte na Guiné.

Apesar de uma preenchida vida militar, Alpoim Calvão encontrou tempo para cultivar gostos pessoais como a aviação - tirou o curso de piloto -, o mergulho, a ópera - teve aulas de canto e participou em recitais até no São Carlos -, e o desporto - foi presidente da Federação Portuguesa de Remo e da Comissão Central de Árbitros.