A política brasileira transformou-se num labirinto perigoso

O dinheiro é a chave da engrenagem do poder. O sistema eleitoral fez explodir o número de partidos e tornou-se um foco endémico de corrupção. Todos o criticam, ninguém o muda.

Foto
Campanha do PT, em nome de Dilma Rousseff VANDERLEI ALMEIDA/AFP

Na cidade de Vitória, por exemplo, o PSDB, partido de Aécio Neves, apoia o candidato ao governo estadual do PMDB, o principal aliado do PT na reeleição de Dilma Rousseff; em Pernambuco, o PT de Dilma apoia o candidato do PSB, da candidata Marina Silva; o PSB faz parte da coligação que aponta Beto Rocha, do partido de Aécio, para o governo do Paraná. No Maranhão, o PC do B mantém uma disputa que raia a violência com o PMDB, mas no vizinho Pará as águas amansaram e os ex-maoistas encontram-se entre os partidos que querem eleger o candidato deste partido, Hélder Barbalho. Confuso? No Brasil, as alianças partidárias mudam tanto e por vezes de forma tão improvável de lugar para lugar que o intrincado labirinto das eleições só se percebe quando se entra nos seus bastidores.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Na cidade de Vitória, por exemplo, o PSDB, partido de Aécio Neves, apoia o candidato ao governo estadual do PMDB, o principal aliado do PT na reeleição de Dilma Rousseff; em Pernambuco, o PT de Dilma apoia o candidato do PSB, da candidata Marina Silva; o PSB faz parte da coligação que aponta Beto Rocha, do partido de Aécio, para o governo do Paraná. No Maranhão, o PC do B mantém uma disputa que raia a violência com o PMDB, mas no vizinho Pará as águas amansaram e os ex-maoistas encontram-se entre os partidos que querem eleger o candidato deste partido, Hélder Barbalho. Confuso? No Brasil, as alianças partidárias mudam tanto e por vezes de forma tão improvável de lugar para lugar que o intrincado labirinto das eleições só se percebe quando se entra nos seus bastidores.

Na origem desta amálgama está a evolução de um sistema político nascido com a Constituição de 1988 que, apesar da sua juventude, deu origem a 32 partidos, dos quais cinco nasceram nos últimos quatro anos. Com o sistema fragmentado, a formação de maiorias estáveis tornou-se tarefa cada vez mais difícil. O PT, por exemplo, só conseguiu eleger 88 dos 513 deputados do Parlamento federal em 2010. Os outros mandatos estão distribuídos por 19 partidos. No Senado, o cenário repete-se: há 16 partidos com representantes na câmara alta do Congresso Nacional e estimativas desta campanha apontam para que a próxima composição acolha senadores de 18 partidos.

A pulverização da representação, para lá de dificultar a governabilidade e de travar a criação de um sistema partidário estável e coerente, é considerada uma das principais origens da corrupção no Brasil. O caso Mensalão baseava-se num esquema de compra de votos no Congresso em favor do Governo de Lula. E o escândalo da Petrobras denunciado recentemente por um dos seus ex-directores, Paulo Roberto Costa, tinha como objectivo pagamentos de deputados que apoiam o Governo.

Com tantos partidos e tanta dispersão, os deputados dispostos ao “fisiologismo” (a política de troca de favores), tornaram-se agentes indispensáveis à formação de maiorias no processo legislativo. Há anos que esse conúbio gera críticas. A reforma do sistema político é tema recorrente da actualidade brasileira. Mas não passa de palavras. Porque quem pode reformar o sistema é quem dele mais beneficia: os deputados e senadores.

Os donos do problema
As causas para a proliferação dos partidos são muitas, mas todos os analistas e cientistas políticos que se têm dedicado a estudar o assunto concordam que a principal se encontra no modelo de eleição. No Brasil, os cidadãos com mais de 16 anos que forem votar no próximo dia 5 de Outubro têm à sua frente cinco escolhas: um deputado estadual, um deputado federal, um senador, um governador do Estado e o Presidente. São, portanto, escolhas nominais que se exercem através de números – para votar Dilma, por exemplo, o eleitor tem de escrever o número 13 no boletim de voto electrónico. Mesmo que a indicação seja feita através de um partido (a “legenda”), no final, a força eleitoral do deputado pode ter mais força do que a do próprio partido. Eneias Carneiro, por exemplo, foi a votos pelo modesto Prona e ao obter a maior votação de sempre para o cargo de deputado federal (1,5 milhões de votos em São Paulo), tornou-se dono de um capital político muito mais importante que o da sua “legenda”.

Com esta força nas mãos, os candidatos mais populares podem zangar-se com os directórios partidários, mudar de partido ou, simplesmente, criar um novo. É isso que tem acontecido desde que a democracia regressou ao Brasil. Com esta fragilidade, os partidos acabam por ficar reféns dos candidatos mais fortes. Perdê-los pode ameaçar a sua viabilidade. Principalmente quando se tornam “puxadores de votos” que, para além de si próprios, podem ajudar a eleger outros deputados do partido.

No Brasil, a eleição para a Câmara dos Deputados baseia-se num “quociente eleitoral”, que divide o número de eleitores inscritos pelo número de deputados elegíveis em cada estado. Depois de superado o “quociente eleitoral” (cerca de 120 mil votos no Maranhão, por exemplo), os votos remanescentes ajudam os outros candidatos do partido a eleger-se.

A individualização do cargo do deputado está na origem de uma fulanização sem paralelo nos sistemas eleitorais europeus. Quando se observa a composição da Câmara dos Deputados, verifica-se que mais de 70% são fazendeiros, industriais ou empresários dos mais diferentes ramos de actividade. Não havendo definições ideológicas consolidadas (o PT, de esquerda, apoia com serenidade oligarcas no Norte e no Nordeste), tem mais possibilidade de ser eleito quem dispuser de dinheiro para fazer a campanha.

Nesta eleição, à qual concorrem 12 candidatos a Presidente, 176 a governador de estado, 185 a senador, 7139 a deputado federal e 17009 a deputado estadual, será a mais cara de sempre. As doações de empresas a Dilma Rousseff ascendem a 123,8 milhões de reais (pouco mais de 40 milhões de euros), Aécio Neves 44 e Marina Silva 22.3 milhões. Mas, ao todo, a campanha pode custar 79 mil milhões de reais (26 mil milhões de euros), nas contas do Tribunal Superior Federal (TSE), o que equivale a mais do dobro do custo estimado para o Mundial de Futebol.

Dinheiro para que te quero
O dinheiro serve para quase tudo. Para comprar tempos televisivos, cartazes e outro material de propaganda, como é normal em qualquer campanha. No Brasil, porém, é também necessário para alimentar uma rede de “cabos eleitorais”. Estes agentes dos candidatos organizam a campanha, colocam e retiram cartazes (a lei restringe a colagem a edifícios) e contratam as “formiguinhas”, pessoas de todas as idades que por estes dias se vêem pelas cidades agitando bandeiras ou distribuindo propaganda. Em 2010, a Policia Federal descobriu que João Cahulla, candidato a governador na Rondónia, fez 6621 contractos com formiguinhas – além de ter pago o aluguer de 2344 veículos.

Em casos mais extremos, os cabos eleitorais dedicam-se à “compra de votos”, principalmente, nas zonas mais remotas do Norte e Nordeste. Os preços variam, mas há casos em que essas compras se ficam pelo pagamento de 50 reais (cerca de 18 euros). “No Brasil há uma bolsa de distribuição de rendimento, o Bolsa Família [um programa federal de apoio aos mais pobres] e um programa de devolução de rendimento, que são as eleições”, ironiza Márcio Jardim, que é membro do directório nacional do PT. Outras vezes ainda, os candidatos não pagam e todo o esquema se desmorona – nesta eleição, Romário, o ex-futebolista e candidato a deputado federal, foi acusado de estar em falta com 50 mil reais a um “cabo eleitoral”.

A fiscalização da campanha no Brasil é feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com diferentes instâncias que se tem destacado por cassar poderosos. Uma das suas funções é verificar os gastos. A média de despesas declarada ao TSE para um candidato a deputado estadual é de 2,4 milhões de reais (780 mil euros), a de um senador chega a 5,6 milhões (1,8 milhões de euros), um governador pode gastar 14,6 milhões de reais (4,7 milhões de euros). Mas são médias, apenas. De onde vem o dinheiro? Em grande medida de doações, declaradas ao TSE. Mas a imprensa, os analistas e os próprios políticos consideram que as campanhas eleitorais são um dos principais focos de irradiação da corrupção no Brasil.

Se o caso Mensalão ou o escândalo da denúncia de um esquema de pagamento de luvas na Petrobras apontam para problemas no cume do poder, a corrupção alastra até à base. Para lá de negociar o seu voto com o Governo, com ou sem aprovação do partido, os deputados têm ao seu dispor a possibilidade de apresentar 25 emendas orçamentais por ano, pedindo obras ou financiamentos sociais para a sua comunidade de origem. Dividindo o bolo, que corresponde a 1% da receita fiscal líquida do país, cada deputado pode reclamar até 15 milhões de reais (cinco milhões de euros) para iniciativas suas. O Governo pode recusar as propostas, mas pelo menos os deputados que votam favoravelmente as suas leis, costumam beneficiar da aprovação das suas emendas. O dinheiro dá depois para boas obras. Ou para o financiamento de campanhas.