Os golpes e contra-golpes de uma campanha inédita

Foram quatro meses de campanha em que dois socialistas jogaram o seu futuro político. O PÚBLICO faz a cronologia dos momentos fortes de cada candidatura.

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Tiro de partida na Ribeira das Naus
Dois dias depois das eleições europeias, a 27 de Maio, António Costa estava na Ribeira das Naus para homenagear Maria José Nogueira Pinto. A praça, recentemente reabilitada, era o palco ideal para Costa lançar o desafio. Era a imagem de uma cidade cosmopolita, atraente e esperançosa no seu futuro.  Ao lado do aglomerar de personalidades políticas presentes, um grupo de jornalistas esperava pacientemente pelo fim da iniciativa. Foi então que o presidente da câmara de Lisboa se afastou pelo relvado para anunciar que avançava contra Seguro: “Estou disponível para assumir as minhas responsabilidades. Estou disponível para tudo”. A escassa margem da vitória do PS nas europeias era o rastilho para a disputa e o autarca justificou a decisão com a “maioria de socialistas e muitos cidadãos” que pediam para dar aquele passo. “Seria imperdoável que não estivesse disponível para servir o meu país”.

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Tiro de partida na Ribeira das Naus
Dois dias depois das eleições europeias, a 27 de Maio, António Costa estava na Ribeira das Naus para homenagear Maria José Nogueira Pinto. A praça, recentemente reabilitada, era o palco ideal para Costa lançar o desafio. Era a imagem de uma cidade cosmopolita, atraente e esperançosa no seu futuro.  Ao lado do aglomerar de personalidades políticas presentes, um grupo de jornalistas esperava pacientemente pelo fim da iniciativa. Foi então que o presidente da câmara de Lisboa se afastou pelo relvado para anunciar que avançava contra Seguro: “Estou disponível para assumir as minhas responsabilidades. Estou disponível para tudo”. A escassa margem da vitória do PS nas europeias era o rastilho para a disputa e o autarca justificou a decisão com a “maioria de socialistas e muitos cidadãos” que pediam para dar aquele passo. “Seria imperdoável que não estivesse disponível para servir o meu país”.

A batalha do Vimeiro
“Habituem-se, que isto mudou.” Foi na Comissão Política convocada depois do desafio de Costa que se viu pela primeira vez aquele “novo Seguro” que agora alguns apoiantes elogiam. Depois de três anos gestão cuidadosa das críticas internas, o secretário-geral decidiu passar ao ataque. Ninguém esperava a bomba que o líder lançou no Vimeiro a 31 de Maio. O partido iria organizar eleições primárias para decidir qual seria o candidato a primeiro-ministro. “Uma solução política inovadora”, disse aos presentes, já depois de um discurso duro contra o presidente da câmara.

De uma penada, resolvia dois problemas colocados pelo avanço de Costa. Impedia a realização de um Congresso e respectivas directas que o apeasse do cargo que ocupa. E atrasava a decisão quatro meses, ganhando tempo para se preparar. Era o prenúncio do que aí vinha. “Não me demito de secretário-geral do PS. Na minha consciência não encontro uma razão para me demitir. Não ignoro que temos um problema. Já não é só um problema interno. Agiríamos mal se não enfrentássemos esse problema.”

Agenda para a Década
No início de Junho, António Costa apresentava no Porto as linhas estratégicas da sua candidatura, sob o lema “Agenda para a Década”, afirmando-se com uma nova visão e “capacidade de agregar como alternativa de governo”. “É urgente afirmar uma nova visão estratégica para Portugal e desenhar uma nova agenda centrada na valorização dos nossos recursos, na modernização das instituições e do tecido económico, na coesão social e no conhecimento”, proclamou, pedindo uma década para cumprir a sua agenda. Dias depois, em Aveiro, organizava a convenção nacional da sua candidatura, discutindo com apoiantes a sua Agenda para a Década, coordenada por Maria Manuel Leitão Marques. O documento é considerado “um compromisso de esperança para um futuro melhor.

Os apoios acumulam-se
No início de Setembro, o autarca sai vencedor das eleições federativas, conquistando 10 das 19 estruturas distritais socialistas. Era o primeiro sinal concreto de que a sua candidatura tinha capacidade de vencer. A campanha de Costa foi tentando somar outros sinais para criar ascendente. Antes dos primeiros debates televisivos, António Costa recebe o apoio de históricos socialistas como Jorge Sampaio, Almeida Santos, Manuel Alegre e Vera Jardim. Dizem que é Costa que “pode levar o PS à vitória”. Dois dias depois, personalidades da cultura (actores, músicos, realizadores de cinema, estilistas, escritores e empresários ligados à cultura) inscrevem-se como simpatizantes para apoiar o autarca de Lisboa. Nesse mesmo dia, quase centena e meia de presidentes de câmara do PS informam que estão ao lado do ex-ministro da Justiça de António Guterres.

A “traição” de Costa
"Isto tem duas palavras: deslealdade e traição". A acusação de Seguro já vinha sendo proferida desde o avanço de António Costa. Mas foi no primeiro debate a 9 de Setembro – que colou cerca de um milhão e meio de pessoas aos ecrãs televisivos – que Seguro caiu sobre Costa com particular virulência.

“António Costa traíu a cultura que existe no PS. Teve boas oportunidades para se candidatar à liderança e não as aproveitou. Em 40 anos, todos os líderes do PS tiveram oportunidade de disputar as eleições”, atirou perante o seu adversário. Apesar da imagem de político mais bem preparado e combativo, a realidade é que Costa pareceu surpreendido com a assertividade do actual líder. A estratégia de Costa era evitar os “ataques pessoais”. Naqueles 40 minutos, o que se viu foi um candidato encurralado. Seguro foi ao passado para tentar separar Costa do legado socialista. Lembrou que quando António Vitorino ganhou por pouco ao PSD nas europeias, ninguém tentou impedir António Guterres de se candidatar a primeiro-ministro um ano depois: "Sabes porquê António? Porque havia solidariedade no PS e tu não foste solidário."

O contra-ataque televisivo
“António José Seguro tende a ter a ideia que tudo começa com ele e que também depois dele não haverá nada.” No segundo debate televisivo, depois de uma primeira prestação negativa, o presidente da Câmara de Lisboa tira as luvas e arremete contra o seu adversário ao declarar que das 80 medidas de António José Seguro que constavam do seu Contrato de Confiança só seis e meia eram novas. “Só seis medidas, seis medidas e meia, não constavam”. As restantes, rematava,  podiam encontrar-se no programa eleitoral de 2009 de José Sócrates.

Costa aproveita o debate mais político para elencar as suas propostas. Elege como prioridade o tratamento dos fundos comunitários ao mesmo tempo que lamenta que o PS não o tenha feito. E dispara contra o secretário-geral, acusando-o de gastar mais energia a criticar os governos do PS do que o Governo actual. Sobre a reindustrialização defendida por Seguro, afirma que é uma “decorrência feliz do plano tecnológico de Sócrates e adverte que sem crescimento não se resolver o problema da dívida. Culpabiliza o seu adversário de ter ficado prisioneiro das explicações da direita para a crise.

Socialistas, quero encolher o Parlamento
A duas semanas das primárias, Seguro concretiza uma das suas bandeiras mais antigas e joga uma das cartadas com que ensaiava a descredibilização do seu opositor. No Largo Rato, apresenta um projecto de deliberação e outro projecto de lei em nome da “abertura do sistema político” e da “separação entre a política e os negócios”.

O primeiro propunha desencadear a revisão da lei eleitoral da Assembleia da República. Redigido em termos vagos, a intenção explicada por Seguro era a de realizar um debate sem contaminar a discussão com propostas concretas. Mas no texto incluiu uma referência explícita à redução do número de deputados, dos 230 para os 181. O projecto de lei versava sobre o regime das incompatibilidades, apertando a malha no a deputados e governantes no exercício de funções para consultores e representantes do Estados em entidades que tenham estado envolvidas em processos por si tutelados.

Com isso colocou o PS em alvoroço, com o seu adversário e o grupo parlamentar a reagir violentamente contra as propostas. Era isso mesmo que pretendia. Na sede do PS, antecipara o risco de fractura interna mas encarando esse cenário como uma “clarificação”: “Haverá deputados com opiniões diferentes. Isso é importante que se manifeste”.