O que separou e aproximou os dois candidatos a primeiro-ministro

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Nuno Ferreira Santos

Governo com quem?
Ambos assumem o objectivo da “maioria absoluta” e tanto um como outro admitem que esta não impedirá compromissos com outros partidos. Seguro e Costa também não fecham a porta à necessidade de coligações.

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Governo com quem?
Ambos assumem o objectivo da “maioria absoluta” e tanto um como outro admitem que esta não impedirá compromissos com outros partidos. Seguro e Costa também não fecham a porta à necessidade de coligações.

O actual líder assume mesmo que recusará governar em minoria. Promete submeter a referendo interno uma hipotética coligação negociada e define as suas linhas vermelhas: exclui partidos que defendam a destruição do Estado social, a privatização das águas, RTP e CGD e quem apoie a saída do Euro.

Nos seus possíveis esforços de coligação, o autarca lisboeta pende mais para a esquerda. Na moção recusa a “ideia do arco da governação” e sustenta que “não há qualquer razão para ignorar as aspirações dos eleitores representados pelos partidos à sua esquerda”. Ambos dizem que não farão coligação com “este PSD”.

Reindustrialização ou fisioterapia
Em relação à economia, as posições entre os dois candidatos não são muito diferentes. A prioridade aos sectores que trabalhem com recursos naturais “endógenos”, a modernização e qualificação das empresas e dos seus trabalhadores, a discriminação positiva de empresas e sectores importantes para as exportações e emprego, o investimento na ciência e conhecimento, bem como a aposta no transporte ferroviário e marítimo estão nas moções de ambos.

Há pequenas nuances, contudo. Seguro refere-se mais vezes ao mar como sector económico e apresenta de forma mais estrutural o seu “Plano de Reindustrialização 4.0” para fazer crescer a economia.

Em contrapartida, Costa propõe um plano de recuperação económica para ajudar o país a recuperar dos “traumas” provocados pela intervenção externa. Por mais de uma vez defendeu “um programa de fisioterapia que ajude a reconstituir o músculo e a autonomia dos movimentos” à economia.

Encontram-se também diferenças em questões pontuais neste sector. Foi Seguro, por exemplo, o primeiro a propor a criação de um Banco de Fomento capaz de facilitar a concessão de crédito às empresas através de verbas europeias. Costa rejeita liminarmente um Banco de Fomento, propondo a assunção desse papel pela CGD.

A TAP também marca a diferença entre os dois. Seguro admite uma privatização parcial, até aos 49 por cento, desde que com capital vindo dos países lusófonos. Costa já disse estar declaradamente contra a privatização dado o “valor estratégico” para o país e o elevado “risco” que a sua alienação representa.

O que fazer com a dívida
O tema tornou-se numa batata quente para António Costa no dia em que apresentou a sua “Agenda para a Década”. O documento  - que o autarca apresentou para definir as suas prioridades diagnosticar os problemas estruturais que travavam o desenvolvimento do país – ficou relegado para segundo plano porque Costa não dedicou nele uma linha sobre a bomba-relógio para as contas públicas que representa uma dívida pública superior a 130% do PIB e que só em juros tem de pagar anualmente mais de sete mil milhões de euros. 

Acossado, Costa defendeu que "a questão da dívida colocar-se-á no momento próprio". E deu o exemplo dos "franceses e italianos, que apostam agora (e com a concordância da Comissão Europeia) em reforçar a capacidade de liquidez pelo aumento dos fundos disponíveis e não pela redução da dívida".

Uma posição bem diferente da assumida pelo seu adversário. "É impossível ser candidato a primeiro-ministro e não ter uma posição clara sobre a dívida. Eu fui claro e já apresentei propostas", assegurou Seguro. Que além da sua antiga proposta de revisão de prazos e percentagens e da mutualização europeia de parte desta, já veio também sugerir a antecipação do pagamento da parte do FMI, através de um novo empréstimo europeu, com taxas mais baixas.

Entre a estabilidade fiscal e a extinção de taxas
Os dois candidatos abordam a questão do emprego jovem e de longa duração, com medidas específicas e apoiadas nos fundos europeus. Assumem o papel da concertação social e o primado da contratação colectiva. Ambos querem fazer subir o salário mínimo, mas Costa estabelece uma meta: 522 euros em 2015. Sobre o assunto, Seguro repete a necessidade de um acordo em concertação social. E propõe que as actualizações futuras tenham em conta os indicadores nacionais da produtividade e inflação.

O autarca concretiza ainda a proposta de permitir o trabalho ou reforma a tempo parcial na condição de, na empresa em causa, se contratarem jovens desempregados. Onde Costa admite “estabilidade fiscal”, Seguro garante taxativamente não aumentar impostos, indo ao ponto de prometer acabar com a contribuição de sustentabilidade e com a TSU dos pensionistas.

Seguro promete ainda “não despedir funcionários públicos e repor os seus salários em função da evolução da economia e das receitas do Estado”. Costa anuncia ainda um programa de “fixação de população activa mais qualificada”, dirigida aos jovens e aos sectores exportadores e “de elevado valor acrescentado”.

A sombra de José Sócrates
Durante uma boa parte dos seus três anos de liderança, Seguro evitou falar do anterior líder. A estratégia era evitar abordar a questão para não provocar polémica interna. Com o desafio de Costa, Seguro sentiu-se “livre” e passou à crítica. Num dos debates televisivos, o actual secretário-geral culpou essa governação pelos resultados menos positivos: “Não conseguimos canalizar o descontentamento e a desilusão porque muita gente olha para o PS como responsável pela situação a que se chegou, nomeadamente nos últimos anos da governação socialista. E nós não podemos meter a cabeça na areia, temos de assumir essa responsabilidade”.

Na apresentação da sua candidatura às primárias, Costa afirmou que o "impulso reformista" de José Sócrates devia ser motivo de orgulho para o PS. Mas não deixou de apontar algumas falhas, como a insistência do ex-líder em governar em minoria, no seu último mandato. E António Costa tem consigo a esmagadora maioria dos antigos governantes que colaboraram nos últimos executivos do PS.

A batalha europeia
Os dois candidatos prometem dar um murro na mesa de negociações da União. Seguro fala em “voz firme” e Costa em “nova atitude”. Os dois socialistas recorrem ao termo da “convergência”. O autarca quando se refere às “condições de financiamento na zona Euro” e o actual líder nos “novos instrumentos” que têm de ser criados.

Mas Seguro fala da necessidade de “um novo Pacto Europeu”, enquanto que Costa frisa que o Tratado Orçamental tem “flexibilidade” para ser trabalhado. Nomeadamente para “adequar a trajectória de ajustamento ao ciclo económico” de um Estado-Membro.

O autarca destaca a premência de procurar “alianças com outros Estados-Membros” na prossecução dos “objectivos estratégicos” de Portugal. Já Seguro defende a mutualização da dívida, bem como dos subsídios de desemprego.

Menos deputados ou círculos uninominais
A clivagem mais visível foi gerada pela proposta de Seguro da redução do número de deputados. Ainda que não esteja inscrita no Contrato de Confiança, a verdade é que Seguro já defendera essa revisão há cerca de dois anos.

A proposta gerou logo anti-corpos no PS.  Costa classificou-a como uma “vergonha” e manifestou até a expectativa que a proposta viesse a ser chumbada pelos deputados do PS. Mas ambos querem alterar a lei eleitoral.

Ainda assim, ambos defendem uma revisão da lei. Costa – que recordou o seu empenho no seu passado governativo para a concretizar – defende ainda a virtude de ponderar a “representação proporcional personalizada [círculos uninominais]”. O autarca levanta ainda o véu em relação à regionalização, quando defende eleição democrática do CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional] pelos autarcas.  

Na deliberação entregue na AR, Seguro evitou precisar a sua proposta para evitar um “debate contaminado”, mas pelas suas intervenções nota-se a sua preferência pela  “possibilidade de cada eleitor poder escolher directamente o seu deputado [voto preferencial]”.

Os currículos na corrupção
O tema instalou-se na disputa depois de Seguro colar a Costa “os poderes fáticos” e os “interesses” que minam a relação entre “a política e os negócios”. No último debate televisivo chegou a dar um nome, entre os apoiantes declarados de Costa, a esses interesses. Apresentou-se como o candidato livre desse lastro e avançou com um projecto de revisão do regime das incompatibilidades, estreitando a malha das possibilidades de deputados, assessores e representantes do Estado em negociações como as privatizações.

A resposta de Costa foi lembrar o seu passado enquanto ministro da Justiça de António Guterres, anos em que reviu a moldura penal dos crimes de corrupção, reforçou os apoios da PJ nessa área e avançou com o levantamento do sigilo bancário.

As freguesias da discórdia
O processo de fusão de freguesias e reforma administrativa foram usadas por Costa para exemplificar a oposição insuficiente de Seguro ao Governo. “Na Assembleia da República, [a actual direcção] teve medo de assumir as suas responsabilidades e pôs-se à margem do processo”, criticou por mais de uma vez Costa. O autarca acusou mesmo Seguro de “deixar o campo livre” para o Governo avançar com uma série de “disparates”.

Seguro defendeu-se com o autismo do Governo sobre o tema. Sustentou que Passos Coelho nunca fez qualquer gesto que indiciasse a disponibilidade de trabalhar a reforma com o PS. E contra-atacou com o passado, lembrando afirmações de Costa, quando era ministro da Administração Interna, em que este apoiara a extinção de freguesias e concelhos com menos de mil eleitores.