Estão os skins neonazis a regressar às ruas?
Regressaram os relatos de ataques de skins. Fontes policiais garantem que movimento é pequeno, está fragmentado e que episódios de violência são actos isolados.
Uns dez metros à frente, naquela que é a rua do Parlamento, estavam quatro pessoas de roupas escuras. Num tapume de alumínio faziam colagens. Seria um folheto branco com uma caricatura de Mário Soares e umas quantas palavras soltas que terminavam com a frase: “Os Nacionalistas Autónomos exigem a punição imediata de todos os traidores que arruinaram Portugal e os portugueses”.
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Uns dez metros à frente, naquela que é a rua do Parlamento, estavam quatro pessoas de roupas escuras. Num tapume de alumínio faziam colagens. Seria um folheto branco com uma caricatura de Mário Soares e umas quantas palavras soltas que terminavam com a frase: “Os Nacionalistas Autónomos exigem a punição imediata de todos os traidores que arruinaram Portugal e os portugueses”.
Pelo uso da palavra “camarada”, Jorge pensou que estivessem a ser tomados por militantes comunistas. Quando um deles lhe pediu para ver a faixa, ele reagiu: “Não mostro!”. Nada agradaria ao que Jorge julgou serem militantes do Partido Nacional Renovador (PNR), que já tantas vezes se manifestou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adopção e a co-adopção por casais homossexuais.
Eram perto de duas da manhã. A rua estava pouco iluminada. Só depois, Jorge e o amigo veriam os panfletos colados pela rua acima. E bastar-lhes-ia uma pesquisa na internet para perceberem que os Nacionalistas Autónomos andam pela área metropolitana de Lisboa a colar cartazes e a pintar paredes, declarando-se anti-antifascistas. Alguns deixam-se fotografar, de costas ou com as caras tapadas, e exibem as imagens nas redes sociais. E é explícito o seu apoio a Mário Machado, antigo líder dos Hammerskin, que está perto de sair da prisão e a tentar fundar um partido.
“Foge”, disse Jorge ao amigo, atravessando os paus para afastar o interlocutor. O amigo quis pedir auxílio, mas não conseguiu telefonar. Num instante, os outros quatro tinham descido a rua e um deles aproximara-se. Um agrediu Jorge por trás, na cabeça, fazendo-o cair. Segurou-o pelo pescoço com um braço, e tratou de o esmurrar com o punho que tinha livre. Outro deu-lhe umas joelhadas e uns pontapés. O amigo tentou picar o que se virara para si com a cana, mantê-lo afastado, mas o adversário tirou-lhe a cana e deu-lhe um par de caneladas antes de ele conseguir fugir pela rua abaixo.
O episódio foi descrito com detalhe a um advogado, mas a queixa nunca chegou às autoridades. O amigo de Jorge foi protelando a ida à esquadra até o prazo se esgotar. Tinha demasiado medo do que poderia acontecer quando os agressores conhecessem o seu nome e a sua morada.
Fontes policiais contactadas pelo PÚBLICO garantem que o movimento skin é pequeno e está fragmentado. O último Relatório Anual de Segurança Interna já dá conta de “um incremento do número de actividades direccionadas para o interior do movimento, como encontros-convívio e concertos, que contribuem essencialmente para estreitar laços entre militantes e difundir propaganda”.
As autoridades mantêm-se vigilantes. Em Julho, por exemplo, até o Serviço de Informação e Segurança estava num café situado na zona industrial do Soeiro, em São Mamede do Coronado, na Trofa, para assistir a uma série de concertos de bandas conotadas com o neonazismo: duas portuguesas, uma britânica e uma francesa. Mas nem tudo lhes chega aos ouvidos.
Há uma esquadra da PSP na Rua de São Bento. Talvez isso tenha travado os agressores quando o amigo de Jorge, lesto, desatou a correr pela rua abaixo. “Vamos embora”, ordenou um. “Se ele não tivesse conseguido escapar, teria sido pior”, pensa Jorge. “Conheço quem tenha ficado meses sem se pôr em pé. Eu na semana seguinte já saí de casa. Estava desfigurado, com dores, mas já fazia a minha vida.” Soma quase duas décadas de activismo LGBT, mas não conhecia aquele grupo. Queria apresentar queixa: “Não quero que a polícia, ao próximo ataque, diga que não conhece a organização.”
São um pequeno grupo com um blogue que não é actualizado há muito e uma página de Facebook na qual vai divulgando as suas actividades. Inspiraram-se na Alemanha. Por lá, os Nacionalistas Autónomos fazem manifestações que lembram os Black Bloc, enquadrados, mascarados, vestidos de preto. Nada de novo: diz o historiador Riccardo Marchi que os skins portugueses “sempre importaram os modelos em moda na Europa”, só que “aqui as coisas sempre foram mais fracas”. Foi assim, por exemplo, com os Blood and Honour, fundados no Reino Unido, e com os Hammerskin, que surgiram nos Estados Unidos.
Há um tempo que acabou. Qualquer coisa parece estar a mudar agora. “Há muito que não tínhamos movimentações visíveis de skins na rua e agora temos”, diz Mamadou Ba, do SOS Racismo, questionando-se se não se sentirão mais confiantes agora, que a extrema-direita está a ganhar terreno na Europa e que Mário Machado está perto de sair da prisão. Conta exemplos diversos. No final de Junho deparou-se com uma festa em frente ao Estádio de Alvalade, em Lisboa. “No mínimo, estavam ali uns 50 skins.” Mal entrou num táxi, o taxista avisou-o: “Tenha cuidado, estão aqui más companhias.” O taxista arrancou. Ao vê-los, dois skins que caminhavam em direcção à festa começam a barafustar.
Quem viveu o pico de violência 1985-1995, como José Falcão, do SOS Racismo, vê estes sinais com apreensão. Conhece a história toda e não é de ouvir contar. Os skins neonazis apareceram em Portugal há uns 30 anos. Propagaram-se, como noutros países europeus, como subcultura juvenil. O Movimento de Acção Nacional (MAN), fundado em 1985, lançou uma fanzine destinada a ajudá-los a organizarem-se. Moravam na linha de Sintra, em Almada, em Lisboa, no Porto. Uns trabalhavam na área da segurança, outros noutros serviços, alguns estavam desempregados. E, em grupo, num esfregar de olhos passavam à violência. De vez em quando havia confrontos com punks, metaleiros, militantes da extrema-esquerda, em particular activistas anti-racismo.
Em 1989, skins nazis mataram José Carvalho, militante do Partido Socialista Revolucionário (PSR). E em 1995 Alcino Monteiro foi morto num raide no Bairro Alto. A Procuradoria-Geral da República (PGR) mostrou-se preocupada com os focos de violência organizada, que se extinguiam quando a polícia assumia uma atitude repressiva. Não era só a polícia. Os skins antifascistas também se organizaram para reprimir os skins neonazis. Na área metropolitana de Lisboa, actuavam os SHARP (Skin Heads Against Racial Prejudice) e os Red Skins. No Porto, sob o chapéu de ANTIFA agia um grupo mais heterógeneo.
Esse submundo de skins antifascistas resiste ainda, embora já não ajam como grupo. Sabem em que bares param os outros, que bandas ouvem, que sites usam para discutir ideias. Mas já não os “caçam” como nos velhos tempos. A velha guarda envelheceu, diz um deles. Há quem se entretenha a arrancar os panfletos colados pela extrema-direita e a pintar por cima o que eles escrevem. E quem vá lendo o que dizem na Net.
Fontes policiais contactadas pelo PÚBLICO garantem que os episódios de violência são hoje actos isolados, não planeados. As pessoas estão num mesmo bar ou na mesma rua, consomem álcool ou drogas ilícitas, alguém diz qualquer coisa ou faz um gesto qualquer ou está à mão e começa a zaragata.
O Diário de Notícias deu conta de uma agressão na Rua da Madalena, em Lisboa, na madrugada de 31 de Agosto. O Ponto G, um bar lésbico, acabava de fechar e à porta conversavam os últimos clientes, a maior parte raparigas. Umas dez pessoas de cabelo rapado, roupas escuras, passaram na rua. "Deviam eram estar todos mortos, nem deviam existir", terá dito um deles. "Os homossexuais metem nojo", terá dito outro. Primeiro ninguém respondeu. Depois, uma rapariga reagiu: "E os heteros também não deviam morrer?" Começou a porrada. Quando a polícia chegou já lá não estavam.