Mountain: na periferia dos videojogos

“Mountain” é um jogo para ser contemplado, “na periferia da vida”

Foto
DR

“Empire”, filme emblemático de Andy Warhol de 1964, animou debates cinéfilos sobre a possibilidade, inquietante para uma parte, de se considerar “cinema” um plano fixo de oito horas do Empire State Building, suspeito de ser “fotografia” ou “natureza morta”. “Mountain”, o primeiro jogo do cineasta de animação irlandês David OReilly, em que se pode contemplar uma montanha durante “cerca de 50 horas”, provoca hoje inquietações semelhantes no campo dos videojogos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“Empire”, filme emblemático de Andy Warhol de 1964, animou debates cinéfilos sobre a possibilidade, inquietante para uma parte, de se considerar “cinema” um plano fixo de oito horas do Empire State Building, suspeito de ser “fotografia” ou “natureza morta”. “Mountain”, o primeiro jogo do cineasta de animação irlandês David OReilly, em que se pode contemplar uma montanha durante “cerca de 50 horas”, provoca hoje inquietações semelhantes no campo dos videojogos.

A “montanha” é um pequeno planeta que atrai toda a espécie de despojos humanos (ou, uma vez que OReilly utiliza pelo menos um carro e uma cama da curta “Please Say Something”, aquilo que poderiam ser também “activos digitais” de um filme de animação ou videojogo). Podemos abrir e fechar o plano que enquadra a “montanha”, mudar a perspectiva, mover objectos ou produzir notas musicais no teclado. Algumas combinações de notas são códigos musicais com impacto na existência do planeta.

Ao acumularem-se na vertente da montanha, aqueles despojos, combinados com elementos de paisagem e aforismos avulsos, formam uma composição surrealista dinâmica e exclusiva de cada jogador. É o que podemos apreciar em “Mountain”, um videojogo concebido para ser contemplado de quando em vez (“na periferia da vida”, entre outras ocupações), como “Empire” o foi na projecção a que assisti, nos anos 90, com público a circular entre a sala da Cinemateca Portuguesa e o espaço exterior. Nos fóruns da loja digital Steam, onde “Mountain” está disponível desde Agosto por um euro, ironiza-se com o “protector de ecrã” que ali foi aceite, ressentindo-se a interactividade mínima daquele.

Estas reservas, no entanto, desconsideram o carácter experimental de “Mountain” - um jogo “sem comandos”, conforme é anunciado, com graça, embora os tenha -, no sentido em que testa ideias, os limites destas e das classificações. Se pensarmos em jogos recentes como “Graveyard”, “Proteus” ou “Stranded”, parte da resposta do campo dos videojogos à “ludificação” crescente da vida social parece ser, bem ou mal, a “desludificação” dos próprios jogos de computador; e esta vaga - em que se poderá incluir “Mountain” - está a obrigar-nos a reconsiderar de modo radical em que consistem os videojogos e a função social destes.