Governo vai incluir negócio deficitário no Brasil na privatização da TAP
Todos os investidores aceitam ficar com subsidiária que tem acumulado prejuízos ano após ano. Mas só depois de uma operação financeira de 500 milhões que vai equilibrar as contas da empresa.
Desde que a privatização da companhia de aviação nacional começou a ganhar forma, ainda no início de 2012, uma das maiores dores de cabeça sempre foi a M&E Brasil, a unidade de manutenção de aviões que a TAP comprou à falida Varig em 2005 e que, além dos consecutivos prejuízos, carrega um risco de centenas de milhões de euros em processos fiscais de laborais. Houve, aliás, potenciais compradores, como a British Airways/Iberia, que se afastaram do negócio por causa desta empresa.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Desde que a privatização da companhia de aviação nacional começou a ganhar forma, ainda no início de 2012, uma das maiores dores de cabeça sempre foi a M&E Brasil, a unidade de manutenção de aviões que a TAP comprou à falida Varig em 2005 e que, além dos consecutivos prejuízos, carrega um risco de centenas de milhões de euros em processos fiscais de laborais. Houve, aliás, potenciais compradores, como a British Airways/Iberia, que se afastaram do negócio por causa desta empresa.
Mas este dilema, pelo menos, está ultrapassado. O Governo tem a garantia de todos os investidores que manifestaram interesse na segunda ronda de privatização da TAP, forçada pelo fracasso das negociações com Gérman Efromovich em 2012, de que ficam com a M&E Brasil. Os moldes em que assumem a empresa divergem. Há um caso, por exemplo, em que a proposta é utilizar uma entidade para comprar o negócio da aviação (a TAP SA) e outra para adquirir a deficitária unidade de manutenção no Brasil. O único investidor em dúvida é a Air Europa, que ainda está a reunir informação sobre as contas da empresa brasileira para tomar decisões.
Estas garantias dão conforto ao executivo de Passos Coelho porque há algo que, mesmo não havendo uma posição definitiva e consensual sobre a privatização da TAP, já está decidido: a vender-se, vende-se tudo. O modelo não está fechado, mas o perímetro do negócio sim. Perder a parte boa do grupo, a aviação, e ficar com a má não é opção.
500 milhões no Brasil
Mas o relógio não pára e é preciso decidir. Até porque, além do tempo necessário para lançar uma privatização, o executivo não poderá desfazer-se da M&E Brasil sem antes avançar com a operação financeira proposta, no início deste ano, pela administração da transportadora aérea. O presidente, Fernando Pinto, e o administrador financeiro, Luís Rodrigues, desenharam, como o PÚBLICO noticiou em Fevereiro, uma solução para limpar o balanço da unidade de manutenção que o Governo já decidiu levar em frente.
A solução, muito semelhante à que foi feita em 2011 antes da venda de 51% operadora de handling da TAP, a Groundforce, à Urbanos, passa por transformar em capital os empréstimos concedidos ao longo dos anos pelo grupo para cobrir os prejuízos da M&E Brasil. São cerca de 500 milhões de euros, apurou o PÚBLICO, que servirão para equilibrar as contas da subsidiária, limpando o passivo.
O Ministério da Economia tem estado, desde o início do ano, a avaliar a operação, tendo sinalizado informalmente a Comissão Europeia desta intenção para garantir que não seriam colocados obstáculos por causa da proibição comunitária de ajudas estatais no sector da aviação. Do lado de Bruxelas, há indicação de que não serão levantadas dúvidas. E, por isso, há margem para avançar já. Mas mesmo que a segunda ronda de privatização da TAP não avance, a conversão dos créditos em capital acontecerá de qualquer forma, embora sem prazos ainda definidos.
Depois de uma profunda reestruturação, que cortou para metade o número de trabalhadores, a M&E Brasil tem feito progressos no último ano e meio. Além do aumento de receitas, que permitiu que a empresa atingisse em Fevereiro, e pela primeira vez desde que foi comprada, um resultado operacional positivo, alguns dos processos judiciais que enfrenta têm tido desfechos positivos, o que tem diminuído substancialmente o risco. Ainda assim, o negócio feito em 2006 (do qual a parceira Geocapital, do empresário macaense Stanley Ho, rapidamente saiu) continua a ser o principal responsável pela desvalorização da TAP numa potencial venda.
Voltemos aos potenciais interessados. O Governo recebeu, ainda no final de 2013, abordagens de um consórcio que junta o empresário português Miguel Pais do Amaral, o antigo dono e presidente da Continental Airlines Frank Lorenzo e o grupo nacional de transportes Barraqueiro. Os contactos e a troca de informações que mantiveram resultou na apresentação de uma proposta preliminar para comprar 100% da TAP.
Por outro lado, começou a ganhar forma o interesse manifestado por David Neeleman, que controla a transportadora aérea brasileira Azul e que já em 2012 tinha sido auscultado pelos assessores do Estado para entrar na corrida pela companhia de aviação nacional, mas nunca avançou. Ainda na América Latina resiste o eterno candidato Gérman Efromovich, que continua a ter a TAP no radar. E, mais recentemente, o Governo juntou ao lote de potenciais compradores a Air Europa, detida pelo grupo espanhol Globalia. Embora, neste caso, ainda haja muito caminho para percorrer até que consiga garantir que a empresa marcará presença se o relançamento da privatização avançar.
As dúvidas do Governo
E o que impede, afinal, o Governo de avançar? Antes de mais, a certeza de que a venda será bem-sucedida. O fracasso da primeira tentativa não deixa margem para erros, não só pelas consequências políticas, mas também para os efeitos negativos que teve na TAP. Em segundo lugar, a certeza de que, a um ano das próximas eleições legislativas, a coligação PSD/CDS não sairá ferida, já que a venda da companhia de aviação é pouco consensual no país. E, por último, a definição de um modelo que salvaguarde a empresa e o país.
Neste momento, já não faltam peças no puzzle. O Governo tem toda a informação reunida para tomar uma decisão. Só falta mesmo decidir. Algo que poderá acontecer em breve, mas sem prazos definidos. Alguns membros do executivo de Passos Coelho não se opõem a que a posição final seja estendida até Outubro, desde que não se arraste para lá do Orçamento do Estado, que tem de ser apresentado até dia 15.
A ideia de privatizar apenas 49% é defendida por parte do Governo, em particular pelo ministro da Economia. Além de reforçar os poderes do Estado, a venda de uma participação minoritária não obriga à renegociação da dívida da companhia. Outra preferência é que o negócio seja feito com um investidor não-europeu, por questões relacionadas com a futura expansão da TAP e com a mitigação do risco de desaparecimento do hub [placa giratória] de Lisboa, essencial ao desenvolvimento do país. Mas, neste momento, ninguém arrisca cenários. Há 50% de hipóteses de tudo ficar (praticamente) na mesma.