A importância das estatísticas agrícolas
Embora gostasse de estar enganado, estou convencido de que há muitos alunos de escolas superiores de agricultura que chegam ao fim dos seus cursos sem nunca terem visto de perto um exemplar das estatísticas agrícolas. No entanto, o Instituo Nacional de Estatística (INE) publica-as com regularidade e, actualmente, com bastante oportunidade. Se tal for o caso, isso só pode ser explicado pelo facto de o mesmo ter acontecido com alguns dos seus professores.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Embora gostasse de estar enganado, estou convencido de que há muitos alunos de escolas superiores de agricultura que chegam ao fim dos seus cursos sem nunca terem visto de perto um exemplar das estatísticas agrícolas. No entanto, o Instituo Nacional de Estatística (INE) publica-as com regularidade e, actualmente, com bastante oportunidade. Se tal for o caso, isso só pode ser explicado pelo facto de o mesmo ter acontecido com alguns dos seus professores.
Saber de que recursos naturais dispomos, de que forma são utilizados, por quem e por quantos, com que estruturas, o que se produz, com que custos e a que preços, o que consumimos, o que importamos e/ou exportamos e muitas outras informações estatísticas, deveria fazer parte da cultura geral de todos e ser objecto de estudo por parte daqueles que têm mais obrigações de o fazer.
Bem sei que, em muitos casos, as estatísticas resultam de encadeamentos de estimativas, de operações complexas, de conceitos em permanente alteração e que, em alguns casos, têm de ser utilizadas com cuidados particulares, evitando-se querer conferir rigor analítico a resultados cujas bases são obrigatoriamente imprecisas.
Utilizarei apenas um exemplo para ilustrar a importância destas informações, através de uma breve análise das estatísticas do comércio externo de produtos alimentares de base agrícola.
Diz o Governo, e eu concordo, que, nesta área, o equilíbrio em valor entre aquilo que importamos e exportamos deve constituir um objectivo central da sua política agrícola. Dito de outra forma, sermos auto-suficientes em valor, o que é muito diferente de sermos auto-aprovisionados (conceito quantitativo, totalmente diferente, que só pode ser calculado sector a sector).
É de facto um bom objectivo! Mas será alcançável? De que maneira? Com que instrumentos de política? Exportando mais? Importando menos? Consumindo menos? Que produtos? Só a análise rigorosa do comércio externo nos poderá ajudar a ser precisos na identificação de alguns elementos de resposta a estas questões.
No quadro simples que se apresenta, constam os valores globais de importação e de exportação de produtos alimentares de origem agrícola, em 2013 e, para ambos os casos, os quatro primeiros grupos de produtos, em valor, destacando-se, em cada grupo, os dois primeiros produtos, por ordem de importância. Apesar de se tratar de um exercício rudimentar, da sua análise resulta um “mar” de conclusões preliminares, ainda que com certezas misturadas com muitas dúvidas, que só o recurso a análises complementares pode esclarecer.
A primeira conclusão é de que o nosso “calcanhar de Aquiles” se situa na área das carnes, sobretudo de bovino e de suíno, a que se seguem os cereais, sobretudo o milho e o trigo, as oleaginosas, sobretudo a soja e o girassol, e o leite e lacticínios, sobretudo os queijos, os iogurtes e outras preparações de tipo semelhante.
A segunda conclusão resulta do aprofundamento da primeira e diz-nos que o sector das carnes e do leite, associado a uma parte dos cereais e oleaginosas, necessário para a alimentação pecuária, poderá “valer” entre dois terços e três quartos do nosso défice comercial alimentar de base agrícola (cerca de 3 mil milhões de euros).
A terceira conclusão é de que somos fortes em várias produções, mas não o suficiente para compensar as fraquezas. É o caso das bebidas (vinhos e cervejas), das gorduras (óleos incluindo azeite, que equilibram as importações neste capítulo), das preparações de hortícolas (tomates e conservas de outras hortícolas) e das frutas (maças, peras e citrinos).
A quarta conclusão é de que somos fortes na maioria dos produtos oriundos do regadio e fracos em produtos que têm mais a ver com produções não regadas.
Quanto às dúvidas, a primeira e mais importante, é se, no sector alimentar, poderemos alguma vez ser auto-suficientes em valor. Embora, à partida, ache que sim, para o confirmar é necessário avaliar os nossos recursos e ver se poderemos produzir em condições de competitividade relativamente aos países de onde importamos a carne, os cereais, as oleaginosas e os lacticínios. Os resultados deste tipo de análise variam com o tempo e com um grande número de factores, entre os quais, além das questões técnicas de que resultam as produtividades físicas, da quantidade e do custo dos consumos intermédios, as taxas de câmbio também são por vezes determinantes.
Esse tipo de exame implica a determinação das razões que permitem aos exportadores estarem em condições de conquistar os nossos mercados e, também, de que maneira poderíamos fazer face às eventuais desigualdades que lhes são favoráveis.
Simultaneamente, teríamos de analisar a maneira de reforçar as nossas exportações para compensar as importações. Tratando-se basicamente de bebidas e de hortofrutícolas, será que poderemos ir além do que já vamos, sabendo que se trata de produções que necessitam de água para rega?
Naturalmente, teríamos igualmente de analisar até que ponto poderíamos produzir competitivamente quantidades superiores de muitos dos produtos que, por si só, não se traduzem em grandes valores e, por isso, não aparecem no quadro anterior, mas que em conjunto têm bastante importância.
Entre dúvidas e conclusões, creio que chegaríamos facilmente àquela que considero dever estar entre as grandes questões agrícolas do nosso tempo e à qual urge dar resposta. O que poderemos fazer com praticamente todo o território nacional, de sequeiro e sem condições de vir a ser regado? Como poderemos, ou até se queremos, viabilizar a actividade agrícola e a produção em mais de três quartos da nossa superfície agrícola?
Finalmente, pode-se sempre pôr a questão de saber se podemos consumir menos, sobretudo certos produtos que não temos em quantidade suficiente.
Em primeiro lugar, penso que, com a ajuda das grandes superfícies se poderia fazer uma significativa economia. Em segundo lugar, sem querer tirar protagonismo à minha amiga Isabel Jonet (presidente do Banco Alimentar), que se envolveu na célebre polémica dos bifes, também pergunto se poderíamos consumir menos bifes, sobretudo dos importados. É que, se o INE não cometeu nenhum erro, os residentes em Portugal consomem, per capita, 105 kg de carne por ano, o que dá a excessiva média de 289 gr por dia. Sabendo que muita gente nem condições tem para comprar carne, isso quer dizer que muitos outros passam o dia a comer carne. Não será demais? Se as contas estão certas, não terei dúvidas em assegurar que sim. É manifestamente demais e só pode fazer mal à saúde.
Estão a ver a importância das estatísticas?
Engenheiro Agrónomo (ISA)