Ministra continua a negar “caos” nos tribunais, mas pede desculpa pelo “transtorno”
Paula Teixeira da Cruz assume "culpa" e assegura que será aberto um processo de averiguações para apurar as falhas no sistema informático Citius.
Paula Teixeira da Cruz aproveitou a apresentação do anteprojecto do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais para assumir a “culpa pelos transtornos” causados a todos quantos lidam com os tribunais de primeira instância. E se anunciou a abertura de um processo de averiguações para apurar o que falhou na plataforma informática Citius, negou, mais uma vez, o “caos” que juízes, advogados e funcionários judiciais dizem ter-se instalado nos tribunais.
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Paula Teixeira da Cruz aproveitou a apresentação do anteprojecto do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais para assumir a “culpa pelos transtornos” causados a todos quantos lidam com os tribunais de primeira instância. E se anunciou a abertura de um processo de averiguações para apurar o que falhou na plataforma informática Citius, negou, mais uma vez, o “caos” que juízes, advogados e funcionários judiciais dizem ter-se instalado nos tribunais.
“Não há paragem, nem qualquer caos. Houve transtorno e problemas, e por eles peço desculpa”, declarou. “Percebo que a teoria do caos convenha aos adversários da reforma judiciária. Mas a realidade desmente-o”. Paula Teixeira da Cruz não se comprometeu, porém, com um prazo para que a rede nos tribunais volte a funcionar: “Acontecerá a breve trecho. Mas depois do que sucedeu não me vou comprometer com uma data”.
Assumindo “integralmente a responsabilidade política” pelo que se passou, a ministra admite ter sido mal informada sobre o que se estava a passar a 1 de Setembro, dia em que o sistema devia ter voltado a funcionar após uma paragem para a transição de processos. “Foi-me garantido que a plataforma estaria a funcionar nessa data”. Se tivesse sabido antecipadamente dos problemas, garantiu que teria adiado a entrada em vigor da reforma, nem que fosse por um mês.
O presidente do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, Rui Pereira, assumiu esta quarta-feira ter sido ele a garantir à ministra que o sistema estaria a funcionar nessa data. “Não era previsível uma sobrecarga como a que se verificou” e que causou o colapso do sistema, justificou.
Segundo o mesmo responsável, “nunca tinha sido feita em lado nenhum uma migração de dados desta dimensão”. Ao ponto de os responsáveis do instituto terem descoberto há alguns meses, para sua surpresa, que “não havia, no mercado europeu, soluções de armazenamento” para tamanha quantidade de dados. Mesmo assim foi criado um sistema de duplo backup (salvaguarda) de dados, tendo a ministra assegurado ontem que nenhuma informação se perdeu na transferência de processos.
“Transformar uma reforma desta dimensão num problema tecnológico não é proporcional”, insistiu a ministra. Afinal, “já havia justiça antes de existirem meios tecnológicos”, recordou.
À Ordem dos Advogados (OA), porém, não basta dizer que assume a responsabilidade. “Tem de explicar o que é isso de assumir a responsabilidade política sem mais. Costuma significar uma demissão. Se se ficar pelas palavras, não assume nada e o que está a acontecer é muito grave”, critica o vice-presidente da OA Eldad Neto. A ministra salientou que o seu lugar sempre esteve à disposição. Mas disse também que “numa altura de dificuldades” não ira virar “as costas aos problemas para voltar à vida tranquila” que tinha antes de se tornar ministra.
Para a secretária-geral da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Maria José Costeira, a governante continua mal informada, já que “os tribunais de primeira instância continuam bloqueados”. Também o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, acha que as palavras de Paula Teixeira da Cruz estão desfasadas da realidade. “Isto é surreal, é a Alice no País das Maravilhas. A ministra não gosta da palavra caos? Posso trocá-la por pandemónio. Se tivesse visitado os tribunais já não dizia estas tontices”.
Desde esta terça-feira que os advogados conseguem introduzir acções no novo Citius (versão actualizada para que os funcionários conseguissem tratar novos processo), mas não sabem a que tribunais são distribuídas. “Continuamos sem saber qual é o número de entrada das acções que introduzimos e ficam perdidas não se sabe onde”, descreve a advogada Ana Cristina Pinho, de Loures. No Porto, vários funcionários estão ainda sem acesso ao novo Citius e impedidos de processar actos judiciais, garantiu fonte judicial. Os 3,5 milhões de processos existentes estão no Citius antigo, plataforma onde podem ser consultados, mas não tramitados.
Apesar de classificada como um mero “transtorno”, a falha no sistema informático tem adiado ou levado à repetição de várias sessões de julgamentos. A sessão de segunda-feira do julgamento de um megaprocesso de tráfico de droga em Guimarães terá de ser repetida, porque o sistema de gravação alternativo ao Citius não funcionou.
Na página Estado de Citius, criada no Facebook desde 2010 para troca de informações sobre a aplicação informática, advogados, funcionários e magistrados vão dando conta das dificuldades que os afectam diariamente. “Sem tribunal. Sem processos. Nem antigos, nem novos. Nada”, dizia um deles num comentário acompanhado por foto da aplicação aberta no computador e referindo-se ao facto do novo Citius estar vazio, sem processos.
Citius dá nome a banda de Leiria
Em Leiria três advogados, um procurador da República e um oficial de justiça formam a banda Citius do Costume, que os ajuda a esquecer os problemas da plataforma informática de que todos falam. O grupo juntou-se quase por acaso há cerca de quatro anos: “Adquirimos um equipamento numa venda judicial. Decidimos dar-lhe uso e começámos a brincar”, conta o presidente da delegação de Leiria da Ordem dos Advogados, Mapril Bernardes. O Citius do Costume nunca cobra cachet e toca covers, habitualmente em eventos de associações locais e de solidariedade. A escolha do nome do grupo foi óbvia, explica o oficial de justiça Rui Martins: “Citius era o instrumento de trabalho de todos.” E se o funcionário toca guitarra, ao procurador cabe a bateria. “É um momento de puro divertimento, serve para aliviar o stress e esquecer os problemas que há em outros Citius”, graceja Mapril Bernardes. “Fora daqui, cada um desempenha a sua função o melhor que pode e sabe. Litigamos entre nós, litigamos com o senhor procurador e chateamos o Rui.” As batinas ficam na rua. “Não há doutores nem engenheiros”, garantem. Agora “é só publicidade gratuita na televisão”, diz outro dos advogados. Podem nem sempre tocar com afinação – mas esse também não tem sido um apanágio do sistema informático em que se inspiraram. com Lusa