Acordar e ter mais um ano

Caramba, a idade. Já são tantos anos: quase três décadas, raios todos me afundem! Ainda há meia dúzia de dias se brincava com os Legos e os Playmobil e agora os brinquedos são outros

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Will Clayton/FLICKR

Nunca gostei de passagens de ano nem de aniversários. Talvez tenha uma questão mal resolvida com os ritos de transição, mas tendo a deixar-me cair na melancolia sem qualquer razão que consiga descortinar. Ainda assim, sei que o dia seguinte tem os seus efeitos: enche-nos os pulmões com um ar renovado vindo sabe-se lá de onde e mostra-nos que a esperança e a confiança em nós próprios não são conceitos assim tão etéreos quanto isso.

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Nunca gostei de passagens de ano nem de aniversários. Talvez tenha uma questão mal resolvida com os ritos de transição, mas tendo a deixar-me cair na melancolia sem qualquer razão que consiga descortinar. Ainda assim, sei que o dia seguinte tem os seus efeitos: enche-nos os pulmões com um ar renovado vindo sabe-se lá de onde e mostra-nos que a esperança e a confiança em nós próprios não são conceitos assim tão etéreos quanto isso.

Fazer anos é um estranho festejo de mais um conjunto de 365 dias durante os quais celebrámos sucessos, carpimos fracassos e tememos imprevistos. Um aniversário é um lufa-lufa de agradecimentos e sorrisos, para aqui e para ali, é um ror de surpresas por nunca antes termos suspeitado que tínhamos uma importância relevante na vida desta ou daquela pessoa. Mas, acima de tudo, é um extenso momento de comunhão.

Cada minuto é passado com os outros, numa dádiva sem igual. Recarregamos as baterias para nos recordarmos que este indivíduo que cresceu existe, não para si mesmo, mas para se entregar a quem o reclama. As mensagens caem no telefone numa tempestade tão torrencial que se transforma numa esmagadora bonança não encomendada. São horas – horas, senhores! – a responder a mensagens disparadas de todas as direcções, com um “obrigado” que já parece vazio por estar tão gasto. E depois os telefonemas, que mal nos deixam aproveitar o almoço com a família que não se via há meses. A família, essa, compadece-se com o toque já irritante de um telemóvel que não nos deixa sossegados. Nos entretantos, aproveita-se para lembrar ou descobrir histórias da infância. E daquela vez que começaste a ler sozinho aos quatro anos? E daquela vez que te espetaste de um banco abaixo e fizeste uma fractura exposta? E daquela vez…

E mais tarde, num breve momento de reflexão, damo-nos conta da idade. Caramba, a idade. Já são tantos anos: quase três décadas, raios todos me afundem! Ainda há meia dúzia de dias se brincava com os Legos e os Playmobil e agora os brinquedos são outros - mas o miúdo é o mesmo. Em retrospectiva, reparamos que mudámos muito, mas não mudámos assim tanto.

“Estás a ficar crescidinho”, diz-me um amigo que tem estado por perto ao longo dos últimos vinte anos. E eu reconheço-lhe a verdade nas palavras, não porque agora tenha o aspecto insuspeito de um homem adulto, mas pelas ideias que trago debaixo do diminuto penteado. Quanto mais os anos avançam, melhor se compreendem os clichés que por aí andam.

Depois da injecção de força dada por todos os que nos circundam, damos por nós a chegar ao final do dia e a dizer a nós mesmos: “Ok, agora é contigo. Só contigo”. Há até uma lágrima que, depois de nos marejar o olho direito, teima em cair face abaixo, apenas para nos recordar que nós, refugiados provindos dos sinuosos caminhos profissionais, nada seríamos sem família e amigos.

Este foi um dia bom. Venham daí mais 365.