OCDE dá Portugal como exemplo da má distribuição de cuidados médicos

Estudo revela realidades diferentes entre as várias regiões do país. Redução ligeira nas cesarianas.

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Clínicos alertam para a degradação da situação que pode pôr em causa a segurança dos doentes e a qualidade dos actos médicos Enric Vives-Rubio/Arquivo

A situação portuguesa descrita no relatório Variações Geográficas nos Cuidados de Saúde, para o qual contribuíram quatro docentes da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Universidade Nova, “levanta questões sobre a eficiência e equidade nos serviços de cuidados médicos que devem ser abordadas”.

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A situação portuguesa descrita no relatório Variações Geográficas nos Cuidados de Saúde, para o qual contribuíram quatro docentes da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Universidade Nova, “levanta questões sobre a eficiência e equidade nos serviços de cuidados médicos que devem ser abordadas”.

A OCDE concluiu que as percentagens de cirurgias cardíacas, intervenções nos joelhos e histerectomias realizadas no país, entre 2002 e 2009 são, pelo menos, “duas vezes mais altas em áreas com uma grande actividade [de cuidados médicos] do que em áreas com uma baixa actividade”.

Céu Mateus, economista da Saúde e professora auxiliar na ENSP, explica ao PÚBLICO que “parte do problema está relacionada com desequilíbrios do lado da oferta” da assistência clínica.

As variações foram menos visíveis quando se observou as entradas em unidades hospitalares e a realização de cesarianas. Essas variações foram ainda mais baixas quando se teve em conta a realização de cateterismo cardíaco e angioplastia coronária. O aumento global nestes dois procedimentos combinado com a redução das variações geográficas “reflectem uma evolução positiva da adopção e acesso à boa prática médica”, indica o documento que foi apresentado esta terça-feira em Berlim, Alemanha.

A OCDE dá como exemplo uma pessoa que viva na região do Alto Alentejo. Este doente tem sete vezes mais probabilidades de ser submetido a uma substituição total do joelho do que um outro paciente que viva na zona do Pinhal Interior Norte.

Comparando esta realidade com a de outros 11 países analisados no relatório - Áustria, Bélgica, Canadá, Finlândia, França, Alemanha, Israel, Itália, Suíça, República Checa, Espanha e Reino Unido -, a taxa média de intervenções ao joelho em Portugal é uma das mais baixas (74 por 100 mil pessoas), sendo muito inferior às praticadas em unidades hospitalares australianas, suíças, finlandesas e canadianas (200 por 100 mil pessoas com mais de 15 anos).

As taxas de cirurgias de substituição do joelho são influenciadas, além das necessidades e preferências do doente, por factores como o estatuto socioeconómico do paciente e a prática médica.

Segundo o estudo, o número de doentes que dá entrada num hospital por razões que não a cirurgia, por exemplo, é duas vezes mais elevado na Austrália, Alemanha e Israel do que no Canadá, Portugal e Espanha. A OCDE indica ainda que as taxas médias de admissão numa unidade hospitalar variam entre países. Em algumas zonas da Austrália, Canadá, Reino Unido, Finlândia, Itália e Portugal um paciente tem duas a três vezes mais hipóteses de dar entrada do que noutras regiões dos mesmos países.

Outro exemplo sobre o efeito das variações geográficas nos cuidados de saúde são as cesarianas. “A probabilidade de um parto por cesariana é 50% maior na Itália, Portugal, Austrália, Suíça e Alemanha do que nos outros países participantes”. A prática de cesarianas é duas vezes maior nos hospitais privados que nas unidades públicas, apesar de nos últimos anos também no público se estar a registar uma subida da taxa das cesarianas.

Céu Mateus sublinha que, “das intervenções analisadas no estudo, o caso das cesarianas é preocupante em Portugal, pior do que em alguns dos restantes países analisados, mas com ligeiras melhorias nos últimos anos”.

É também essa a análise da OCDE, segundo a qual, Portugal está no bom caminho quanto às medidas que estão ser postas em prática para reduzir o número de cesarianas consideradas desnecessárias. A organização sublinha a criação pelo Ministério da Saúde de uma comissão nacional para propor medidas concretas, apoiar a sua concretização, monitorizá-las para reduzir as taxas desta intervenção.

“Os resultados do estudo podem ajudar-nos a perceber onde estamos a fazer bem e procurar disseminar essas práticas para o resto do território”, afirma a docente da Escola Nacional de Saúde Pública.

A OCDE aconselha Portugal a publicar dados sobre os procedimentos mais caros ou de maior volume, a uma maior segmentação dos públicos-alvo em campanhas de sensibilização e a um maior envolvimento dos doentes através da decisão partilhada sobre o processo de tratamento e medição dos resultados após intervenções cirúrgicas.