Arquitectas “okupam” pisos térreos (e dão-lhes nova vida)
Projecto Rés-do-Chão subaluga espaços de trabalho e exposição e promove legalmente eventos em pisos térreos abandonados no bairro lisboeta de São Paulo
O registo de 160 pisos térreos abandonados no bairro de São Paulo, em Lisboa, levou quatro jovens arquitectas a proporem uma intervenção de recuperação, gestão, arrendamento ou a subalugar os espaços. Para chegar a todas estas tarefas do projecto Rés-do-Chão é preciso recuar à altura em que uma delas, Sara Brandão, “recrutou” as restantes para o concurso da Fundação Gulbenkian de soluções para problemas de uma cidade e que deveria juntar portugueses de dentro e fora do país.
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O registo de 160 pisos térreos abandonados no bairro de São Paulo, em Lisboa, levou quatro jovens arquitectas a proporem uma intervenção de recuperação, gestão, arrendamento ou a subalugar os espaços. Para chegar a todas estas tarefas do projecto Rés-do-Chão é preciso recuar à altura em que uma delas, Sara Brandão, “recrutou” as restantes para o concurso da Fundação Gulbenkian de soluções para problemas de uma cidade e que deveria juntar portugueses de dentro e fora do país.
Através do Skype, Sara Brandão conciliou os horários de Lisboa com os das suas antigas colegas de faculdade a trabalhar na Índia e no Brasil. O resultado foi o Rés-do-Chão, premiado com o terceiro lugar no concurso. Na preparação da candidatura houve, em Junho do ano passado, a contagem dos tais 160 pisos térreos vazios no bairro de São Paulo, relata outra das envolvidas no projecto, Marta Pavão.
"Muitas vezes mais de 50% dos pisos térreos das ruas estão desocupados. São números avassaladores", constatou a arquitecta, numa antiga mercearia, que após estar fechada durante 10 anos é a sede do projecto e oficina/espaço de exposição/loja para arrendatárias ligadas à moda.
O 3.º prémio do concurso foi totalmente investido pelas arquitectas na recuperação "muito minimalista" para conservar a "identidade e a memória" daquele espaço da rua Poço dos Negros. O grupo arrenda o local, mas sem pagar nada, pelo menos temporariamente. Ou seja, as arquitectas entram em acordo com o proprietário: reabilitam e ficam com um período de carência de renda definido consoante o dinheiro investido.
O grupo de jovens subaluga então espaços de trabalho e de exposição, assim como promove eventos, num "reavivar" dos locais, da rua e da própria cidade. A antiga mercearia é "espécie de paradigma do problema que nós estamos, de alguma forma, a tentar solucionar", notou Marta Pavão, que enumerou algumas razões para tantos locais abandonados.
"Os senhorios, de alguma forma, estão escaldados com o mercado de arrendamento ou não acreditam na ocupação de um espaço comercial, que em vez de ter uma renda tradicional de cinco anos se reduz a um ano ou por seis meses", disse a arquitecta à agência Lusa, referindo ainda as situações da falta de recursos para as obras.
"Aqui entramos nós, que somos uma equipa de arquitectas que fazemos as obras e acordamos com o proprietário um período de carência na questão da renda. Fazemos a reabilitação primeiro, tornamo-nos arrendatárias e gestoras do espaço e depois subalugamos a pessoas que têm interesse em ocupar uma parcela e não um espaço inteiro", resumiu Marta Pavão.
A prioridade actual passa por "potenciar o espaço" e "criar uma rede de colaboração", até porque o projecto foi um dos escolhidos pelo BIP-ZIP, um programa municipal para potenciar parceiras locais. Por enquanto, uma outra definição que pode ser usada é a de "okupas modernas", como admitiu Marta Pavão à Lusa.