O gás da discórdia e da união entre a Rússia e a Europa

O conflito na Ucrânia veio lembrar a UE da sua dependência do gás russo. Com o aproximar do Inverno, Moscovo pode fazer uso da sua grande arma, mas também corre riscos.

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A Polónia acusou Moscovo de estar "a testar" a determinação do país enviando menos gás Wojciech Kardas/Reuters

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Este sábado, o Governo de Varsóvia acusou Moscovo de estar "a testar" a determinação polaca: na última quarta-feira, a empresa polaca de distribuição de gás natural, a PGNiG, disse estar a receber uma quantidade 20% inferior da que normalmente é fornecida pela gigante estatal russa Gazprom. As congéneres alemã, eslovaca e austríaca comunicaram situações idênticas, fazendo soar os alarmes de que a Rússia poderia estar a fechar a torneira do gás. A Gazprom negou que tenha alterado os níveis de abastecimento e a verdade é que, em poucos dias, o fornecimento voltou ao normal.

A Europa não quer ser apanhada de surpresa e está a conceber um plano de contingência, caso a torneira russa feche mesmo. A importação de gás natural liquefeito (GNL), proveniente sobretudo da Argélia e do Qatar, é uma prática corrente e a Comissão Europeia pondera, de acordo com a Reuters, impedir a revenda pelos compradores europeus para que seja utilizado nos mercados domésticos. Outras medidas podem passar pela limitação à utilização industrial do gás e a manutenção de reservas mais elevadas.

As recentes reduções do fluxo do gás natural estão dentro dos limites normais de variação previstos nestes contratos e, não fosse pela conjuntura actual, a sua leitura seria bem menos alarmista. “Isto é um sinal de aviso para que a UE não vá mais longe com as sanções”, disse à Reuters Pawel Poprawa, um analista do Instituto de Estudos de Energia de Varsóvia.

Desde Junho que a Gazprom cortou os envios de gás para a Ucrânia, justificando com os atrasos nos pagamentos pela Naftogaz, a distribuidora ucraniana. Para fazer face às necessidades de consumo, alguns países próximos têm praticado aquilo que se designa por “fluxos invertidos”. Esta prática, altamente condenada por Moscovo, consiste na reexportação de gás em direcção à Ucrânia por países como a Polónia, Hungria e Eslováquia.

Logo após o corte à Ucrânia, o Presidente Vladimir Putin foi bastante claro quanto aos “fluxos invertidos”: “Se notarmos que alguém está a violar os nossos contratos de fornecimento de gás, iremos reduzir o volume [exportado], e o volume físico para o mercado europeu será insuficiente.”

À “rebeldia” dos países europeus, juntam-se ainda as sanções que entraram em vigor na sexta-feira. Moscovo criticou a nova vaga, mas garantiu que tem em curso a sua resposta. No entanto, se há uma área em que a Rússia pode exercer pressão é na energia, fornecendo um terço do gás consumido na Europa Central e de Leste.

A difícil fuga à dependência
Cerca de metade do gás passa pelo território ucraniano e o resto é dividido pelos gasodutos de Yamal, que atravessa a Polónia, e pelo Nord Stream, uma rota que faz a ligação directa entre a Rússia e a Alemanha, pelo mar Báltico. Em curso está ainda a construção de um novo gasoduto, o South Stream, projectado para atravessar o mar Negro, com a Bulgária a servir de porta de entrada. Querendo diminuir a dependência em relação ao gás russo, a UE tem tentado travar o projecto, exercendo pressão sobre o Governo búlgaro, de acordo com o diário The New York Times.

A estratégia de retirar a Moscovo a sua posição dominante não é, porém, de fácil realização. Sintomático dessas dificuldades foi o cancelamento do projecto Nabucco, em Julho de 2013. O objectivo deste gasoduto de mais de 1300 quilómetros era fazer chegar o gás natural do campo Shah Deniz no Azerbaijão à Europa atravessando o mar Cáspio.

A Rússia ripostou com o projecto do South Stream, que concorria directamente com o Nabucco, para não perder os mercados do Sudeste europeu. O Nabucco acabou por falhar quando o Governo azeri optou por fornecer gás através do gasoduto Trans Adriático.

Uma das opções apontadas para diminuir a dependência europeia é o aumento da utilização de carvão, mas para além dos problemas ambientais, grande parte dos pólos urbanos europeus têm infraestruturas que servem apenas para o gás natural.

Mais imediato seria o recurso a gás liquefeito, através de terminais portuários ocidentais (o Porto de Sines, por exemplo), mas vários especialistas mostram-se cépticos sobre se esta medida é suficiente para ir ao encontro da procura europeia. O custo acrescido do GNL também é encarado como um entrave.

Mas se há dependência do lado da procura, há também uma grande necessidade por parte da Rússia de vender o gás natural – recurso do qual é o maior produtor mundial. Entre o gás, petróleo e carvão que vende à Europa, Moscovo recebe perto de 250 mil milhões de dólares anuais (193 mil milhões de euros), o que corresponde a dois terços das receitas estatais, segundo a Reuters.

Nem mesmo a assinatura, em Maio, de um acordo para o fornecimento de gás à China para os próximos 30 anos vem colocar em causa a importância do mercado europeu, embora assinale uma mudança simbólica nas perspectivas futuras da Rússia. Foram dez anos de duras negociações com Pequim para que 38 mil milhões de metros cúbicos de gás russo entrem na China todos os anos, a partir de 2018. Um valor, ainda assim, quatro vezes inferior ao que foi comercializado com a Europa no último ano.