Professores dizem que a bolsa de contratação é "o mais obscuro dos concursos"

Associação Nacional dos Professores Contratados denuncia “ultrapassagens de uns professores por outros em centenas de lugares" e exige conhecer critérios utilizados em cada escola para ordenar os docentes.

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Neste ano lectivo só foram contratados 7000 docentes Foto: Nelson Garrido

“Estava numa reunião, na escola, e comecei a receber mensagens de telemóvel de colegas revoltados. Depois da confusão criada com os resultados dos concursos de Contratação Interna já não acreditava que a situação se pudesse tornar mais caótica, mas tornou”, lamentou César Israel Paulo.

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“Estava numa reunião, na escola, e comecei a receber mensagens de telemóvel de colegas revoltados. Depois da confusão criada com os resultados dos concursos de Contratação Interna já não acreditava que a situação se pudesse tornar mais caótica, mas tornou”, lamentou César Israel Paulo.

A BCE vem substituir as chamadas ofertas de escola nas escolas TEIP e com autonomia, que contratavam directamente os professores em falta, depois da colocação dos do quadro. Antes eram especificados o grupo de recrutamento, a disciplina, o carácter temporário ou não do horário disponível e o número de horas da oferta, que era anunciada pelas escolas de acordo com as necessidades reais.
Com a BCE o MEC centralizou o processo e validou previamente os critérios de selecção que os directores podiam indicar. Pretendeu, com isso, eliminar factores de subjectividade na selecção de professores e tornar a contratação mais célere.

Os trabalhos preparatórios já foram contestados quer por professores quer por directores. Há duas semanas, estes últimos foram chamados a criarem, numa plataforma informática, as ofertas relativas a todos os grupos de recrutamento para o qual possam vir a precisar de professores, ao longo do ano escolar, independentemente de terem horários ou não para oferecerem aos professores. Na semana passada, os docentes sem vínculo foram convidados a candidatarem-se para cada uma das escolas e grupos de recrutamento, indicando se correspondiam ou não aos critérios pré-definidos, apesar de não haver ofertas reais.

As listas ordenadas de professores foram conhecidas esta sexta-feira e, segundo Israel Paulo, lançaram o caos. “Nestas listas continuam professores já colocados no concurso anterior em horários completos e anuais, cujos nomes, a nosso ver, já deviam ter sido retirados; desapareceram nomes de docentes que concorreram; e a ordenação é tudo menos clara. Apesar de a graduação profissional valer 50 %, há casos estranhíssimos, como o de uma professora que está em 5.º lugar a nível nacional e que na bolsa de uma determinada escola foi ultrapassada por uma colega que está em 405.º”, exemplificou. Segundo diz, “estão a ser denunciados inúmeros casos semelhantes, inexplicáveis, e que estão a lançar a revolta entre os professores".

Em nota enviada ao PÚBLICO, o MEC recorda que um dos critérios, com um peso de 50 por cento, é a graduação profissional, sendo os restantes 50 por cento definidos pelas escolas, no âmbito da avaliação curricular do candidato. ”Assim, não é possível comparar as listas divulgadas na terça-feira com as listas da BCE de cada uma das escolas”, sublinha, acrescentando que “os critérios definidos por cada uma das escolas foram do conhecimento dos candidatos no momento da candidatura”. César Israel Paulo diz que não é verdade que os candidatos tivessem conhecimento de que critérios correspondem a cada escolas, sendo que alguns professores concorreram a centenas de estabelecimentos. “E muito menos”, acrescenta, “quanto valia cada um dos critérios em cada uma das escolas”. Estes dados e a resposta de cada um dos cadidatos, reforça, são essenciais "à transparência do concurso". 

Os directores escolares também foram esta sexta-feira surpreendidos. Não tanto com as listas, mas, principalmente com a indicação do MEC, dada por e-mail, de que deveriam limitar-se a publicá-las nas páginas electrónicas das escolas. “A colocação dos candidatos em sede de bolsa de contratação de escola é efectuada pela aplicação electrónica, não sendo necessário que o órgão de direcção efectue qualquer selecção. O candidato será automaticamente notificado via e-mail, tendo o director conhecimento do mesmo”, informou a Direcção-Geral da Administração Escolar (DGAE), na manhã desta sexta-feira.

O presidente do Conselho das Escolas (CE) e director de um estabelecimento de ensino com autonomia, José Eduardo Lemos, escusou-se a comentar a situação, limitando-se a registar “um facto”. “Pelos vistos o trabalho está a ser feito pelo MEC, e nós, na escola, não teremos de fazer absolutamente nada – os professores que faltam acabarão por ser aqui colocados”, disse Eduardo Lemos, que em nome do CE, um órgão consultivo do MEC formado por directores de escolas eleitos pelos seus pares, tem acusado o ministério de tirar autonomia às escolas.

Filinto Lima, da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDE), fez uma interpretação diferente. Em declarações ao PÚBLICO, também, afirmou estar convicto de que os dirigentes escolares terão de indicar “as necessidades algures – numa plataforma que não existe ainda– para que os professores possam ser colocados através da BCE, pela DGAE”, mas admite que isso “só aconteça dentro de algumas semanas, em relação a necessidades provisórias”. Acredita que os docentes ainda em falta serão colocados através da lista graduada que serviu para a mobilidade interna e para a contratação inicial e não através da BCE.

O MEC, por sua vez, explicou, em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, que os cerca 2500 horários que secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar prometeu preencher até segunda-feira, o último dia do prazo para o início das aulas “estão a ser preenchidos através da BCE”. Depois de notificados, os professores contratados têm até 72 horas para se apresentarem, acrescenta o MEC.

Questionado pelos jornalistas numa conferência de imprensa convocada para apresentar os resultados da programa de atribuição de créditos para as escolas que melhoraram os seus resultados, o ministro da Educação, Nuno Crato insistiu que a abertura do ano lectivo decorre "com normalidade". "Num sistema que é tão grande, é possível que haja um erro ou outro. Mas os erros são para ser corrigidos. O sistema tem mecanismos para corrigir estes problemas", disse.<_o3a_p>