Privatização da guerra, já!
A situação caótica a que chegámos na Europa não é separável da situação caótica da economia mundial ou dos interesses e princípios que a desgovernam desde o início dos anos 80.
Tudo começou com La Grande Bouffe servida por Ieltsin, a qual, porém, não passou de um pequeno episódio desse outro saque de dimensões outrora inimagináveis que tem vindo a exaurir os recursos materiais e humanos à escala planetária e acabou por atingir, para surpresa de muitos, o coração da própria Europa Ocidental. Nada nem ninguém parecem hoje a salvo do ímpeto destruidor da nova ordem económica mundial. Esta transformou-se numa verdadeira “arma de destruição maciça”. O grau de destruição mede-se não só em milhões e milhões de pessoas condenadas ao desemprego, à pobreza, à fome, à doença, ao analfabetismo, à iliteracia, à exclusão social, à escravidão, à morte prematura (não esqueçamos a mortalidade infantil), mas também em catástrofes ambientais de dimensão e consequências cada vez mais assustadoras. Que nome merecem aqueles que instituíram e gerem esta nova forma totalitária de “banalidade do mal” – seja como seus beneficiários diretos, seja como seus agentes? “Terroristas” não será um nome apropriado? Numa época marcada pelo “relativismo” ou “contextualismo”, aceitemos que também em matéria de “terrorismo” tudo depende, afinal, do ponto de vista!
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Tudo começou com La Grande Bouffe servida por Ieltsin, a qual, porém, não passou de um pequeno episódio desse outro saque de dimensões outrora inimagináveis que tem vindo a exaurir os recursos materiais e humanos à escala planetária e acabou por atingir, para surpresa de muitos, o coração da própria Europa Ocidental. Nada nem ninguém parecem hoje a salvo do ímpeto destruidor da nova ordem económica mundial. Esta transformou-se numa verdadeira “arma de destruição maciça”. O grau de destruição mede-se não só em milhões e milhões de pessoas condenadas ao desemprego, à pobreza, à fome, à doença, ao analfabetismo, à iliteracia, à exclusão social, à escravidão, à morte prematura (não esqueçamos a mortalidade infantil), mas também em catástrofes ambientais de dimensão e consequências cada vez mais assustadoras. Que nome merecem aqueles que instituíram e gerem esta nova forma totalitária de “banalidade do mal” – seja como seus beneficiários diretos, seja como seus agentes? “Terroristas” não será um nome apropriado? Numa época marcada pelo “relativismo” ou “contextualismo”, aceitemos que também em matéria de “terrorismo” tudo depende, afinal, do ponto de vista!
Passando das “armas de destruição maciça” da guerra económica para as “armas convencionais” (por enquanto!) da esfera militar, quem será mais “terrorista” do ponto de vista da vítima: O lançador de rockets de Gaza que ameaça a segurança dos vizinhos e causa aleatoriamente algumas mortes, ou o Estado de Israel que bombardeia com a mais apurada precisão tecnológica casas e bairros de habitação, exterminando famílias inteiras que lá vivem encurraladas? Os jihadistas, que fazem exposição pública mediática das suas atrocidades, ou os militares argentinos e chilenos que as perpetravam à porta fechada, durante a ditadura, sob a cândida indiferença da CIA? Os rebeldes de Donetsk que lutam de armas na mão para impor negociações sobre o estatuto do território, ou o governo de Kiev que não os reconhece como interlocutores e insiste em resolver o conflito à bomba?
Nem mesmo um observador de segunda ordem conseguirá dar uma resposta satisfatória a estas questões. De qualquer modo, parece ser hoje óbvio que a situação caótica de conflitos armados a que chegámos na Europa e imediações não é separável da situação caótica da economia mundial ou dos interesses e princípios que a desgovernam desde o início dos anos 80.
No entanto, aqueles que demonizam o investimento público e pretendem levar até ao fim o seu projeto de desmantelamento do Estado são os mesmos que já acenam de novo com o espetro duma guerra na Europa. Talvez vejam nela uma solução caída do céu para o desemprego em massa.
Mas, que pretenderão eles exatamente: reabilitar agora, para fazer a guerra, as virtudes do investimento público que sempre renegaram na paz? Acabar com a austeridade, para armar exércitos, enquanto recusam suspendê-la para gerar emprego, desenvolvimento humano e coesão social?
Se a austeridade é para manter, há que extrair as consequências. Privatize-se também a máquina militar, já que não há pátrias a defender, mas sim apenas poderosos interesses privados – transnacionais e transterritoriais – dissimulados sob diferentes máscaras.
Professor Catedrático Jubilado (FCSH-UNL)