"De olho na Escócia", centenas de milhares de catalães saem à rua para exigir direito ao referendo

Nem toda a Catalunha quer a independência, mas quase toda exige o direito de escolher. Ao rejeitar o cenário escocês, ilegalizando o referendo, Madrid deu muitas munições ao campo nacionalista.

Fotogaleria

A população - 1,8 milhões de pessoas, segundo a polícia de Barcelona, perto de 500 mil segundo os representantes do Governo de Madrid - vestiu roupa amarela e vermelha, a cor da bandeira catalã. Mas de vez em quando aparecia uma mancha diferente, em azul e branco, as cores da bandeira da Escócia que, a 18 de Setembro, referenda a sua independência do Reino Unido.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A população - 1,8 milhões de pessoas, segundo a polícia de Barcelona, perto de 500 mil segundo os representantes do Governo de Madrid - vestiu roupa amarela e vermelha, a cor da bandeira catalã. Mas de vez em quando aparecia uma mancha diferente, em azul e branco, as cores da bandeira da Escócia que, a 18 de Setembro, referenda a sua independência do Reino Unido.

O Governo britânico não levantou obstáculos a esta consulta popular — e agora está em pânico, com o “sim” a subir vertiginosamente nas sondagens e a não se saber, neste momento, que campo irá ganhar. “A escolha é do escoceses”, disse o primeiro-ministro, David Cameron, mas implorando à Escócia para não partir. Em Madrid, as autoridades centrais fizeram outra opção, e puseram em marcha um processo para considerar ilegal e inconstitucional o referendo da Catalunha. Aqui, as sondagens seguiram um caminho semelhante ao escocês, com os votos ao “sim” à independência a crescerem, à medida que o tempo foi passando e que a luta política se foi acirrando. Uma sondagem oficial — desvalorizada pelo Governo central precisamente por ser oficial — diz que o apoiodos catalães à independência triplicou entre Março de 2206 e a actualidade — passou de 13,2% para 45,2; 20% dos inquiridos preferem que Espanha se torne um estado federal e 23% querem a manutenção das regiões autónomas.

“Que sorte têm os escoceses por viverem num país que autoriza uma votação como esta É a diferença entre nós”, disse à Reuters um manifestante de Barcelona, Victor Panyella, professor de 50 anos. “Queremos ser nós a decidir o nosso futuro e estamos de olho na Escócia”.

Há paralelismos entre os dois processos de independência — incertezas quanto à economia, que moeda adoptar, como será a relação com a União Europeia (integração automática, nova adesão ou ficar de fora) ou com a NATO. São os pontos que os analistas referem, acrescentando que a Escócia já tem um reconhecimento internacional enquanto país, a Catalunha teria que passar por todo esse processo.

No campo das diferenças, aponta-se uma que é maior: na Escócia, e em parte porque não houve obstáculos ao referendo, o processo foi dominado pelos aparelhos partidários. Na Catalunha, as forças políticas precisaram de se apoiar na pressão social, que foi crescendo. E, há dois anos, surpreendeu Madrid que não esperava ver dois milhões de pessoas na rua (há dois anos) a exigir a independência.

As sondagens independentes dizem que, hoje, 80% dos catalães querem o referendo de forma a serem eles a decidir o seu futuro. Pelo que há outra questão sobre a mesa — o que consideram ser a atitude pouco democrática do Governo de Madrid, chefiado pelo conservador Mariano Rajoy.

Nos testemunhos que a agência Reuters e o jornal britânico The Guardian recolheram em Barcelona, há um tema unânime: nem todos os catalães desejam a independência, mas a opção de Madrid pô-los quase todos de acordo na exigência do direito a escolher.

O presidente da Generalitat, Artur Mas, centrou-se nesse direito nas declarações que fez neste dia da Catalunha (a Diada, que assinala precisamente o fim da independência da Catalunha, derrotada a 11 de Setembro de 1714). A primeira Diada foi em 1886, depois o ditador Franco proibiu-a e a festa nacional só voltou a ser celebrada em 1980.

Artur Mas disse que está tudo preparado para o referendo. “Neste momento não falarei de outro cenário que não seja o 9N”, disse, pedindo unidade às famílias políticas da Catalunha. Não quis falar da possibilidade de haver antecipação das eleições, caso Madrid proibe a consulta, como se espera, ou das próximas etapas do movimento independentista. O desafio mais aberto a Madrid veio da parte do líder da Esquerda Republicana (ERC), Oriol Junqueras, que exortou os catalães à “desobediência civil”. “Os catalães têm o direito e o dever de desobedecer porque o direito de voto é fundamental”, disse Junqueras. “Se a 9 de Novembro estiverem nove mil pessoas na rua e estiverem oito mil mesas de voto abertas será muito difícil que não possam votar”.

Na manifestação (em que participaram membros do governo autonómico mas não Mas), a presidente da Assembleia Nacional catalã, Carme Forcadell, gritou: "Presidente da Catalunha, prepare as urnas".

O chefe do Governo espanhol, Mariano Rajoy, comentou a Diada. No parlamento para falar sobre doação de órgãos, disse que a “unidade” é um activo que ajuda a melhorar a vida de todos porque, dessa forma, as comunidades autonómicas “cooperam”. “Gostava que este procedimento se aplicasse a todas as facetas que afectam a vida dos espanhóis”, disse Rajoy.

Artur Mas respondeu-lhe: Peço às instituições espanholas, e especificamente ao Governo para dar atenção ao estado de espírito nas ruas da Catalunha. O que está a acontecer hoje não é um desafio ao Estado, é o desejo de uma grande parcela da sociedade da Catalunha”.