“Queremos que o Brasil seja uma potência olímpica em 2016”
Estar entre o grupo de dez países mais medalhados nos Jogos do Rio de Janeiro é o objectivo do Comité Olímpico Brasileiro. Marcus Vinicius Freire traçou o plano estratégico e confia nos resultados.
Qual é a meta desportiva traçada pelo Brasil para os JO do Rio?
A verdade faz-nos mais fortes
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Qual é a meta desportiva traçada pelo Brasil para os JO do Rio?
O nosso objectivo é entrar na lista dos 10 países com mais medalhas conquistadas. Não é simples, será uma luta muito difícil, mas tem vindo a ser planeada nos últimos anos e acredito que é realista colocar como meta uma entrada neste top 10. Deste ranking fazem parte um grupo de países que qualifico como ‘inalcançáveis’. Estou a falar dos EUA, China e Rússia, que conquistam normalmente cada um mais de 80 medalhas. No patamar abaixo, encontra-se um segundo grupo que soma mais de 30 medalhas, que inclui o Reino Unido, Alemanha, Japão, Austrália e França. Também não será fácil ao Brasil superar esta fasquia já em 2016, mas poderá ser uma meta para os JO de 2020 ou 2024. Depois destes dois conjuntos, seguem-se oito países que lutam pelas duas vagas restantes deste ranking: Coreia do Sul, Itália, Holanda, Ucrânia, Canadá, Hungria, Espanha e Brasil.
São muitos candidatos para poucos lugares…
É verdade, é um objectivo ambicioso como já disse. Nós temos de saltar das 17 medalhas [três de ouro, cinco de prata e nove de bronze] e do 14.º lugar conquistados nos últimos JO de Londres [2012] para 27 ou 28 medalhas, que dariam teoricamente entrada no nono ou décimos lugares do ranking.
É possível transformar o Brasil numa potência olímpica em tão pouco tempo?
Essa é a meta que desenhamos já para 2016, mas queremos manter esse estatuto após os Jogos do Rio. Tecnicamente, o nosso objectivo é conquistar perto de 30 medalhas. De que forma? Conquistando mais medalhas nas modalidades que já temos história, como por exemplo o voleibol, o judo, vela, etc. E alcançar outras em modalidades onde nunca ganhámos medalhas. Todos os países que estão normalmente representados no top 10 ganham medalhas em mais de 13 modalidades distintas.
Já está delineada a estratégia para alcançar a essa meta?
A estratégia passa um investimento racional e por apostas ponderadas ao nível das modalidades e dos atletas com maior potencialidade para conquistar medalhas. Para cada disciplina olímpica, criámos o chamado valor desportivo esperado, desenvolvido pelos especialistas do COB e das confederações. Através deste indicador, fazemos os investimentos nos atletas que terão mais probabilidades de ganhar e acredito que este é o caminho certo para o sucesso.
Os bons resultados alcançados nos Jogos Sul Americanos de 2014 contribuíram para essa ambição?
Não. Tanto os Jogos Sul Americanos como os Jogos Pan-Americanos são degraus que precisamos cumprir, mas muitas vezes podem iludir-nos. Nos Jogos Sul-Americanos, nomeadamente, somos muito mais fortes que os nossos adversários [o Brasil conquistou 258 medalhas no total, contra 166 alcançadas pela Colômbia, segunda do ranking]. Depois, nem sempre enviamos os melhores atletas para esta prova. O mesmo acontece nos Jogos Pan-Americanos, embora aqui tenhamos de lutar com outros países fortes, mas que constituem um grupo relativamente reduzido. Já nos JO, competem 21 países para entrar no top 10 das medalhas. São lutas diferentes e é bom não as comparar.
Numa modalidade importante como o atletismo, o Brasil perdeu força nos últimos anos (conta no seu historial com quatro medalhas de ouro, três de prata e sete de bronze). Isso pode mudar no Rio?
É uma modalidade muito importante e aquela que distribui mais medalhas. Conquistamos medalhas nos JO de 2000, 2004 e 2008, mas não ganhámos nada em 2012. A Confederação de Atletismo teve uma mudança radical nos últimos anos, apoiada com fortes investimentos por parte do COB. Contratámos treinadores estrangeiros para muitas das especialidades e temos atletas a treinarem no estrangeiro para melhorarem os seus rendimentos. A nossa expectativa é conquistar mais de uma medalha nesta modalidade nos Jogos do Brasil.
Globalmente que balanço faz da preparação atlética para os Jogos?
Está tudo a correr dentro do planeado, tanto ao nível técnico como motivacional. Exactamente como foi delineado desde 2009, quando nos foi atribuída a organização dos Jogos de 2016.
A experiência com treinadores estrangeiros tem corrido bem?
Sim, muito bem. Actualmente, temos 46 treinadores estrangeiros no Brasil em diversas modalidades. Temos técnicos italianos no tiro; coreanos no tiro com arco, japoneses no judo, cubano na luta e no boxe, etc. Temos também três portugueses [Rui Fernandes, na canoagem; Sérgio Santos, no triatlo; Marcos Vasconcelos, no badminton]. Acho que é uma situação normal, e já aconteceu com a China e com os próprios EUA. Para estes treinadores, trabalhar com atletas da equipa da “casa” é também uma experiência muito boa. Foram traçados dois objectivos para o seu trabalho: melhorar o rendimento e as performances dos atletas que orientam, mas também transferir conhecimento. Não existem contratos com nenhum treinador que tenham por objectivo apenas ganhar medalhas, eles têm também a missão de formar técnicos brasileiros, que vão continuar o seu trabalho quando partirem.
Como avalia o trabalho dos três técnicos portugueses?
Conheço bem os três e sei que as confederações para onde estão a trabalhar, assim como as equipas que treinam, gostam muito do seu trabalho. No caso de Marco Vasconcelos, no badminton, tive algumas dúvidas no início, porque ele não tinha experiência ao nível de selecções nacionais, mas apenas em clubes. Mas a confederação acreditou no seu trabalho e os resultados estão a ser positivos. A língua comum também ajuda, assim como as afinidades culturais. Já em outros casos, nomeadamente com treinadores asiáticos, verificaram-se alguns choques culturais inicialmente. Foi necessário um período de adaptação progressiva. No global, a experiência é positiva.
Esperam obter bons resultados na canoagem, onde têm feito um forte investimento?
Tivemos um resultado bom nos Jogos Olímpicos da Juventude, em Singapura, e temos tido outros bons resultados nas selecções jovens, nomeadamente em sub-19 e sub-21. Acreditamos muito nesta modalidade. O trabalho do treinador espanhol Jesús Morián [vencedor de cinco medalhas olímpicas e dez mundiais enquanto atleta] tem sido espectacular e tem tido impacto nos bons resultados alcançados nas camadas jovens.
O Brasil vai competir em todas as modalidades nos JO do Rio?
Não necessariamente, pelo menos com atletas de ambos os sexos. Por um lado, porque ainda não alcançámos todas as vagas para competir, mas poderemos não competir em algumas categorias por opção. Ou, pelo menos, poderemos não competir em todas as modalidades com equipas de ambos os sexos. Por exemplo, em hóquei feminino poderemos não conseguir a qualificação. Pessoalmente, eu acho que, se não houver um nível mínimo competitivo, não se deve participar apenas por ser o país anfitrião.
O Governo e os investidores privados estão definitivamente mobilizados para as Olimpíadas?
A forma como o desporto era encarado começou a mudar em 2007, quando fizemos o Pan do Rio [Jogos Pan-Americanos], mas o investimento e a vontade política só mudaram realmente em 2009, depois de termos ganho o direito de sediar a Olimpíada.
Qual é o Orçamento para este ciclo olímpico [2013-2016]?
Para este quadriénio, que encerra com os JO do Rio, é de aproximadamente 700 milhões de reais anuais [232 milhões de euros] referentes ao COB. Se somarmos a verbas governamentais, chegamos aos 700 milhões de dólares [530 milhões de euros] no quadriénio. Um valor que nos aproxima de outras potências olímpicas como a Austrália, Alemanha e Reino Unido, por exemplo. Em termos comparativos, no quadriénio para os JO de Pequim, em 2008, foi de cerca de 200 milhões de dólares [152 milhões de euros] no global, o que o colocava muito longe da concorrência. Nos JO de Londres [2012] foi de 400 milhões de dólares [303 milhões de euros]. Tem vindo a crescer.
Qual é a percentagem do investimento público e do investimento privado?
Esse é um tema de grande discussão no Brasil. Teoricamente, as verbas provenientes da Lei Agnelo/Piva [aprovada a 16 de Julho de 2001, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, onde ficou estabelecido que 2% das verbas destinadas aos prémios de todas as lotarias federais seriam directamente transferidos para o COB – 85% - e Comité Paralímpico Brasileiro – 15%] não são dinheiros públicos, na minha opinião de economista, já que este dinheiro é retirado dos vencedores das loterias e não do Estado. Mas admito que não é uma opinião consensual. Mas se admitirmos que estas não são públicas, eu diria que o investimento público e privado é equilibrado.
E o financiamento das seis grandes empresas estatais [Banco do Brasil, Caixa Económica Federal, Petrobras, Correios, BNDES e Banco do Nordeste, que financiam o Plano Brasil Medalhas] é considerado público ou privado?
É outra grande discussão. Se pensarmos que se trata de um investimento em marketing por parte destas empresas, que tem retorno, eu diria que se trata também de um investimento privado. Por exemplo, o Banco do Brasil financiou o voleibol e isso contribuiu para renovar e modernizar a sua imagem, que era de uma instituição envelhecida, através desta modalidade. Houve retorno.
Quanto representam as receitas provenientes da Lei Agnelo/Piva?
Cerca de 180 milhões de reais anuais [60 milhões de euros], mas são verbas variáveis, dependendo do número dos apostadores das loterias.
Como é que o “país do futebol” olha para os outros desportos?
[Risos] Tem vindo a melhorar em cada dia. Eu digo sempre que temos 40 desportos e mais uma religião, que é o futebol. A realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007 no Brasil serviu para abrir um pouco a cabeça dos brasileiros para outros desportos, como badminton, tiro com arco, tiro desportivo, hipismo que não seja salto (que nesse temos história).O ano de 2007 foi um marco para a abertura das mentalidades. Acredito que os JO de 2016 vão contribuir decisivamente para promover outras práticas desportivas.
Que esforços estão a ser desenvolvidos pelo COB para promover a prática desportiva para além do futebol?
Os Jogos Escolares da Juventude [que reúnem anualmente cerca de quatro mil alunos-atletas provenientes de todo o Brasil] têm sido um êxito. Todos os anos fazemos experiências com novas modalidades neste evento e aquelas que ainda não têm espaço aqui são promovidas como modalidades de demonstração.
Tem contribuído nos últimos anos para a modernização do COB. Como qualificaria hoje este organismo?
Hoje, a estrutura do COB é completamente profissional. Funciona com a mesma estrutura de uma empresa, com administração financeira, instituto de qualificação profissional, comunicação, etc. Temos actualmente 191 funcionários e quase 50% são mulheres. É o Comité Olímpico que tem ex-atletas e ex-treinadores nas suas fileiras. Promovemos a sua qualificação profissional nas mais diversas áreas. O nosso objectivo foi trazer pessoas com background desportivo, mas que se prepararam para desempenhar as suas novas funções neste organismo. Eu próprio também fui atleta, joguei voleibol profissional durante 16 anos [integrou a selecção que conquistou a medalha de prata nos JO de 1984, em Los Angeles, EUA], mas formei-me em economia e fui executivo em várias empresas durante 15 anos. O que eu trouxe para o COB foi a síntese destas duas valências.
Não é estranho o “país do futebol” nunca ter sido campeão olímpico nesta modalidade?
Está na hora. Seria uma boa redenção para o nosso futebol depois do mau resultado no Mundial do Brasil. Seria extraordinário conquistarmos as medalhas de ouro com o futebol masculino e feminino.