NATO mantém pressão sobre a Rússia enquanto avalia cessar-fogo na Ucrânia
Presidente ucraniano fala em "descentralização do poder", mas separatistas dizem que não vão abdicar da independência.
O dia começou com uma declaração de força e de união por parte do secretário-geral da organização atlântica, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, que deixará o cargo no final do mês.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O dia começou com uma declaração de força e de união por parte do secretário-geral da organização atlântica, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, que deixará o cargo no final do mês.
"A NATO protege sempre os seus aliados e está a enviar uma mensagem clara a qualquer potencial agressor: se pensarem em atacar um dos aliados, terão de enfrentar todos eles", disse Rasmussen, deixando claro que a organização irá accionar o Artigo 5 do seu tratado, que prevê uma acção militar conjunta no caso de um dos países-membros ser atacado.
Esta mensagem é um aviso à Rússia e um conforto aos Estados bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia), à Polónia e à Roménia, que têm manifestado o receio de que o Kremlin possa fazer alastrar a guerra na Ucrânia aos seus territórios. O Presidente russo, Vladimir Putin, negou sempre as acusações de intervenção directa na crise ucraniana, e garante que não tem intenção de pôr em causa a soberania de qualquer país.
Uma das principais decisões da cimeira da NATO foi a criação de uma nova força de intervenção rápida no Leste da Europa, que pode ser accionada em poucos dias. A medida foi descrita pelo secretário-geral como "uma mensagem clara à Rússia de que a Aliança está disposta a defender os seus membros a qualquer preço".
Ao lado de Anders Fogh Rasmussen, o Presidente da Polónia, Bronislaw Komorowski, anunciou que a próxima cimeira vai ter lugar no seu país, em 2016 – mais um sinal enviado a Moscovo, já que a Polónia tem sido um dos países da NATO e da União Europeia que defende uma posição mais dura perante a Rússia e um reforço das sanções.
A Rússia considera que o reforço da presença da NATO perto das suas fronteiras é uma violação do pacto entre as duas partes, assinado em 1997. A esse respeito, Rasmussen falou numa "presença contínua e rotativa", e disse que não foi a NATO que violou o acordo. "Não tomámos nenhuma decisão para nos afastarmos do pacto NATO-Rússia, apesar de ser claro que a Rússia violou gravemente os fundamentos desse plano", disse o secretário-geral da Aliança Atlântica.
Para além do reforço militar junto à fronteira russa, os membros da NATO decidiram dar um claro sinal de apoio à adesão da Geórgia e da Moldova, dois países onde existem repúblicas separatistas pró-russas.
A organização acusa a Rússia de ter planeado e orquestrado a guerra no Leste da Ucrânia com o objectivo de facilitar a criação de uma república separatista, à semelhança do que aconteceu na Geórgia, com as repúblicas da Ossétia do Sul e da Abkházia, e na Moldova, com a república da Transnístria. A Rússia acusa a NATO de pôr em causa a sua segurança interna ao incitar e apoiar os processos de adesão da Ucrânia, da Geórgia e da Moldova.
Para deixar claro o apoio da NATO à adesão de países mesmo contra a vontade da Rússia, o secretário-geral anunciou que até final de 2015 haverá uma decisão sobre o pedido de integração do Montenegro e que a Aliança irá "ajudar a Geórgia" nos seus preparativos para uma futura adesão.
Rasmussen não fez uma referência directa ao processo da Ucrânia, mas disse que "as portas da NATO mantêm-se abertas", que cada país "continuará a ser julgado pelos seus méritos" e que nenhum Estado não-membro "tem poder para vetar a adesão de um país", numa clara referência à Rússia.
Ao mesmo tempo, em Minsk, capital da Bielorrússia, representantes das autoridades ucranianas e dos separatistas pró-russos discutiam as condições para um cessar-fogo, que os líderes dos países da NATO receberam com um optimismo cauteloso.
Os analistas discutem quem tem mais a ganhar ou a perder com o acordo de cessar-fogo, mas todos concordam que uma coisa é assinar um documento, e outra é conseguir travar muitos dos batalhões de separatistas pró-russos e de voluntários pró-Kiev. Muitos deles têm agendas próprias e entendimentos diferentes sobre o que é a Ucrânia de hoje – de grupos ultranacionalistas que não abdicam do que era a Ucrânia, a batalhões pró-russos que não vão desistir facilmente da luta pela independência.
O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou na cimeira da NATO que o cessar-fogo só foi possível graças às sanções aplicadas pelo seu Governo e pela União Europeia e à ameaça de novas sanções, mas a recente reviravolta no terreno também teve o seu peso.
O Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, foi eleito em Maio com a promessa de derrotar os separatistas numa questão de dias, e há apenas duas semanas parecia ter a situação controlada. Mas, no início da semana passada, os separatistas começaram não só a expulsar as tropas governamentais das cidades de Lugansk e Donetsk, como conseguiram lançar uma ofensiva contra a cidade portuária de Mariupol, mais a Sul. Responsáveis da NATO dizem que esse avanço só foi possível com o envolvimento directo de soldados russos, mas Moscovo diz que qualquer cidadão russo que esteja a combater no Leste da Ucrânia está lá por vontade própria.
Seja por causa das sanções, seja por causa da iminente perda da cidade de Mariupol para os separatistas, os presidentes da Ucrânia e da Rússia anunciaram na quarta-feira que tinham chegado a um acordo de princípio para um cessar-fogo, que acabou por ser assinado nesta sexta-feira, em Minsk.
Nenhuma das partes fez qualquer declaração definitiva sobre o futuro do estatuto político das províncias de Donetsk e Lugansk, apesar de o Presidente ucraniano ter falado numa "descentralização do poder", garantindo ainda que a língua russa e a liberdade cultural serão respeitadas. Apesar disso, Poroshenko quis deixar claro que este cessar-fogo tem como base a "integridade territorial" do território da Ucrânia.
Do lado dos separatistas, o presidente da autoproclamada República Popular de Donetsk, Andrei Purgin, confirmou o acordo de cessar-fogo, mas deixou claro que o problema de fundo está ainda muito longe de ser resolvido: "O cessar-fogo não significa o fim da política de separação da Ucrânia.”
Por agora, a ideia é só uma: parar os combates e deixar a população do Leste respirar. Mais tarde se verá se Kiev ainda pode sonhar com a reconquista da sua unidade territorial, ou se toda aquela região ficará indefinidamente congelada num estatuto semelhante às repúblicas pró-russas da Ossétia do Sul e da Abkházia, na Geórgia, e da Transnístria, na Moldova – sem o reconhecimento da esmagadora maioria dos países, mas com uma liderança autónoma de facto.
Apesar de ter sido bem recebido na cimeira da NATO, o anúncio de cessar-fogo não travou a aplicação de novas sanções à Rússia por parte da União Europeia e dos Estados Unidos.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, transmitiu a ideia de que os parceiros do Ocidente querem primeiro ver para crer: “O anúncio do cessar-fogo é uma boa notícia. Temos de sublinhar que as sanções que decidimos no sábado passado em Bruxelas vão seguir em frente. Mas, como é evidente, se forem garantidos um cessar-fogo e um plano de paz realizável, iremos ver de que forma essas sanções poderão ser levantadas, se forem alcançados marcos importantes.”