Portugal abriu-lhes a porta do futebol europeu. Mas alguém se lembra?
Diego Costa (Chelsea) estreou-se no futebol do velho continente com a camisola do Penafiel, a troco de 1500 euros mensais. Thiago Silva (PSG) foi contratado pelo FC Porto, mas nunca passou da equipa B. Dois casos recentes, os últimos de vários.
“Já na altura dizíamos que era o ganha-pão da equipa. Jogávamos muito em função das características dele: baixávamos as linhas propositadamente para criar espaço na retaguarda da defensiva contrária. Quando arrancava, era difícil ser apanhado — ou dava golo, ou criava perigo”, recorda Bebiano Gomes, antigo secretário técnico do Penafiel.
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“Já na altura dizíamos que era o ganha-pão da equipa. Jogávamos muito em função das características dele: baixávamos as linhas propositadamente para criar espaço na retaguarda da defensiva contrária. Quando arrancava, era difícil ser apanhado — ou dava golo, ou criava perigo”, recorda Bebiano Gomes, antigo secretário técnico do Penafiel.
É uma imagem semelhante à que guardam os antigos colegas de equipa. Martelinho, que brilhou ao serviço do Boavista, fazia parte da formação duriense na época em que Diego Costa por lá passou e, apesar de ter jogado pouco tempo com o agora número 19 do Chelsea, não mais esqueceu os atributos que, já na altura, com apenas 17 anos, faziam dele um jogador singular. “Tinha muito talento e não tinha problemas em assumir o jogo. Impressionava pela capacidade de romper, era um jogador inteligente, muito rápido e sabia aparecer no espaço certo”, assegura. Ainda assim, recorda quem com ele privou, o jogador “possante e dinâmico” que era dentro de campo contrastava com o miúdo “acanhado, reservado e pouco eufórico”, que ganhava 1500 euros mensais.
Apesar de contratado pelo Sp. Braga no início da temporada 2006-07 (depois de ter sido descoberto pela Gestifute de Jorge Mendes no Brasil), foi no Penafiel que passou a primeira parte da época, tendo alinhado em 14 partidas e marcado cinco golos, três deles de penálti — o suficiente para despertar o interesse do Atlético de Madrid, que se apressou a pagar 1,5 milhões de euros para o assegurar. Mesmo assim, Diego continuou em Braga até ao final da época (por empréstimo), e apesar de ter feito apenas nove jogos, brilhou quando, aos 89’, apontou o golo que valeu uma vitória sobre o Parma nos 16 avos-de-final da Liga Europa. E a maior contribuição para os bracarenses viria na derradeira pré-temporada, quando a transferência para os blues terá rendido aos cofres arsenalistas perto de 7 milhões de euros.
Mas a passagem discreta de Diego Costa por Portugal não é caso único. Ronaldinho Gaúcho chegou a treinar-se nos juniores do Estrela da Amadora, mas regressou ao Brasil porque pediu 1000 euros por mês, uma verba considerada exagerada. Só depois brilharia no Barcelona ou no Milan. E nem é preciso olhar para jogadores estrangeiros. Basta lembrar que Pauleta, até há pouco tempo o maior goleador da selecção, nunca foi além da II Liga nacional. Só no Salamanca ganhou dimensão.
Dois anos antes de Diego Costa fazer o primeiro jogo pelo Penafiel, Thiago Silva era contratado pelo FC Porto, para fazer parte do projecto de futuro do novo campeão europeu. Estávamos no início da época 2004-05 e o central chegava do Juventude, do Brasil, com apenas 19 anos.
A doença de Thiago Silva
“Fui contratado para a equipa principal, mas poucos dias depois de ter chegado enviaram-me para a equipa B. Estive só uma vez no Estádio do Dragão e para participar num treino. Nunca compreendi porquê e também não perguntei”, lembrou em 2012 o agora internacional brasileiro ao jornal Le Parisien, poucos dias antes de defrontar os “dragões” com a camisola do PSG, para a Champions.
Na altura, os problemas respiratórios impediram-no de mostrar todo o seu potencial, mas só no início de 2005, quando se mudou para o Dínamo de Moscovo, se percebeu por que é que nunca passou da equipa B — afinal, Thiago Silva tinha uma tuberculose que, como o próprio contou publicamente, o obrigou a passar “dois meses amarrado a uma cama de hospital, sem poder ver ninguém” e a perder o resto da temporada.
Ainda assim, Domingos Paciência, então técnico da equipa B portista, não esquece o jogador. “Estava longe de ser o típico central a que estamos habituado. Mostrou muita qualidade, era um jogador muito técnico e tinha muita personalidade”, recorda o agora treinador do V. Setúbal. Daí que não hesite em apelidar a decisão da venda do defesa ao Dínamo de Moscovo como “precipitada”.
Quem também não esquece as características distintivas do central do PSG e da selecção brasileira é André Vilas-Boas, hoje jogador do Rio Ave, na altura colega de equipa de Thiago Silva no FC Porto B. “Para a idade, tinha muita maturidade, muita qualidade e muita calma. Tinha muita inteligência para ler o jogo, não era um central impetuoso”, garante.
Mas nem isso bastou para o brasileiro se impor no futebol europeu à primeira. Curada a tuberculose, acabaria por regressar ao Brasil e só três épocas mais tarde voltou a dar cartas no futebol europeu, quando o Milan o resgatou ao Fluminense. A carreira de Thiago Silva tinha definitivamente entrado em trajectória ascendente — o desempenho em Itália foi de tal forma positivo que, no arranque da época 2012-13, o PSG desembolsou 42 milhões de euros para contar com ele. O êxito incontornável dos últimos anos não apaga o facto de o FC Porto ter sido o primeiro emblema que representou na Europa, mas... alguém se lembra?