Médicos Sem Fronteiras pedem capacetes azuis à ONU para travarem batalha contra o ébola

Organização médica internacional lamenta inacção global para responder à epidemia e defende mobilização de recursos militares para as áreas afectadas.

Foto
Pessoal médico prepara-se para um dia de trabalho no centro de isolamento de doentes de ébola num hospital de Monróvia, na Libéria AFP/DOMINIQUE FAGET

Em Nova Iorque, a presidente da organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), Joanne Liu implorou aos membros das Nações Unidas para libertarem recursos – nomeadamente capacetes azuis – para travar a da epidemia, que descreveu como um “desastre biológico”. Segundo Liu, a escala do problema é tal que exige uma “mobilização maciça” de equipas civis e militares para as regiões afectadas: para garantir o transporte aéreo de médicos e doentes ou a instalação de mais hospitais de campanha em áreas isoladas.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Em Nova Iorque, a presidente da organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), Joanne Liu implorou aos membros das Nações Unidas para libertarem recursos – nomeadamente capacetes azuis – para travar a da epidemia, que descreveu como um “desastre biológico”. Segundo Liu, a escala do problema é tal que exige uma “mobilização maciça” de equipas civis e militares para as regiões afectadas: para garantir o transporte aéreo de médicos e doentes ou a instalação de mais hospitais de campanha em áreas isoladas.

Até agora, a Organização Mundial de Saúde (OMS) confirmou 3000 casos de infecção com o vírus, que se revelou mortífero para 50% dos doentes. A epidemia de ébola, que começou na Guiné-Conacri em Dezembro de 2013 e já se espalhou pelos países vizinhos Libéria, Serra Leoa, Nigéria e Senegal, já matou 1550 pessoas. Mas esse é um número que os especialistas consideram “sub-representativo” da realidade, uma vez que vários doentes nem terão chegado a ser vistos por médicos. E as estimativas da OMS atiram para a casa das 20 mil as pessoas em risco imediato de contágio com o ébola, em pelo menos dez países.

“A pior epidemia de ébola [da história] já dura há seis meses e os líderes internacionais continuam sem tomar consciência da ameaça transnacional que a doença constitui”, lamentou Joanne Liu, denunciando a resposta “irresponsavelmente inadequada” ao problema e censurando a postura dos países mais ricos que parecem apenas preocupados em manter a epidemia longe das suas fronteiras.

“O anúncio da OMS a 8 de Agosto de que esta epidemia constituía uma ‘emergência internacional de saúde pública’ não levou nenhum país a tomar medidas decisivas. Os Estados essencialmente juntaram-se numa coligação global da inacção”, criticou a presidente dos Médicos Sem Fronteiras, referindo-se ao plano de acção apresentado na semana passada pela OMS para deter o surto de ébola num prazo de seis a nove meses (e orçado em 371 milhões de euros).

Para o médico e director dos Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, sigla em inglês), Thomas Frieden, a “janela de oportunidade” para travar a expansão do ébola pela África Ocidental “está a encerrar-se rapidamente”. “O vírus está a mover-se mais rápido do que qualquer um poderia antecipar. Mas sabemos como parar o ébola. O desafio não é saber o que fazer, mas fazer qualquer coisa já”, frisou, numa conferência telefónica com jornalistas norte-americanos.

A Casa Branca divulgou um vídeo “educativo” para ser distribuído pelos países afectados, no qual o Presidente Barack Obama oferece um tutorial sobre o ébola e as formas de prevenir a infecção – é preciso usar máscaras e luvas para contactar com pessoas doentes ou para enterrar as vítimas da doença, explica. “É possível honrar a vossa cultura e tradições e homenagear os vossos familiares sem correr riscos de contágio”, observa Obama.

Paciente inglês recebe alta

Esta quarta-feira, o enfermeiro inglês William Pooley, que foi infectado pelo vírus do ébola na Serra Leoa, recebeu alta médica depois de ser tratado com o fármaco experimental ZMapp no Royal Free Hospital de Londres. O enfermeiro apanhou o ébola em Kenema, uma das áreas de elevada contaminação no Leste da Serra Leoa, onde trabalhava como voluntário.

“Tive muita sorte”, disse o enfermeiro de 29 anos numa conferência de imprensa. “Primeiro, devido ao nível de cuidado que recebi, que está um mundo à parte do cuidado que as pessoas na África Ocidental estão a receber, apesar dos maiores esforços feitos por muitas organizações.”

Devido à gravidade do surto e da doença – que pode alcançar uma mortalidade de 90% e não tem nenhum tratamento comprovado – a OMS declarou ser ético a aplicação de fármacos ou vacinas experimentais para combater a doença. William Pooley foi tratado com ZMapp, um fármaco da Mapp Biopharmaceutical Inc, uma empresa de biotecnologia norte-americana. O inglês foi a sétima pessoa a receber este medicamento experimental feito à base de três anticorpos que se ligam ao vírus do ébola, e cujo stock estava esgotado. Até agora, duas das pessoas que foram tratadas com o ZMapp morreram da doença.

Não há provas de que o tratamento funcione nos humanos, mas um artigo publicado sexta-feira na revista Nature mostra que o fármaco curou todos os chimpanzés infectados com ébola que receberam o tratamento. Seis destes 18 chimpanzés tratados começaram a receber o ZMapp só ao quinto dia da infecção, numa fase adiantada da doença, quando estavam a três dias da morte.

Essa não foi a experiência de William Pooley: “Os meus sintomas nunca progrediram para as fases piores da doença. Tive alguns sintomas desagradáveis, mas nada comparado com o pior da doença”, notou o enfermeiro.

Doentes sem maca
Nos seres humanos, os sintomas do ébola aparecem entre o segundo e o 21º dia de infecção. No início, a doença pode ser confundida com a gripe ou com a malária, aparece febre, dores de cabeça e dores musculares. Mas rapidamente aparecem vómitos, diarreia com sangue, insuficiência renal e hepática e hemorragias internas e externas.

Não havendo fármacos experimentais, os cuidados passam por hidratar as pessoas, controlar a febre, e combater infecções secundárias, esperando que o sistema imunitário seja mais forte do que o ébola.

Mas estes cuidados, que parecem básicos, têm sido um luxo neste surto que afecta três países com sistemas de saúde já de si extremamente frágeis, que ficaram sobrelotados com a epidemia. “É simplesmente impossível responder à quantidade avassaladora de pessoas infectadas que procuram ajuda nas nossas instalações”, desabafou a presidente dos MSF em Nova Iorque.

Em Monrávia, capital da Libéria, não há camas suficientes para os doentes. “Todos os dias temos de mandar embora pessoas doentes, porque estamos cheios”, disse à Reuters Stefan Liljegren, coordenador dos MSF do centro ELWA 3, citado na terça-feira pela Reuters. Este centro médico tem 160 camas. Sem cuidados médicos, as pessoas infectadas têm uma grande probabilidade de morrer. Além disso, fora de um local protegido, os doentes podem facilmente entrar em contacto com pessoas saudáveis e transmitirem o vírus pelo contacto com fluídos.

“É muito provável que vejamos o aumento dos casos. Já existe uma transmissão generalizada [do vírus] na Libéria”, defendeu na terça-feira Thomas Frieden, do CDC. “Na Serra Leoa, estamos a ver sinais forte de que o mesmo irá se passar num futuro próximo”, referiu, citado pela Reuters.

Nos últimos dias têm havido protestos e greves em hospitais na Serra Leoa. Por um lado, os profissionais de saúde não têm recebido salários. Além disso, há falta de material e condições para fazerem o seu trabalho, aumentando o risco de eles próprios apanharem a doença. Esta epidemia também tem sido caracterizada pelo enorme número de médicos, enfermeiros e outros profissionais que ficaram doentes. Mais de 120 trabalhadores de saúde morreram, de acordo com a OMS. Na terça-feira, soube-se que um médico norte-americano ficou infectado pelo ébola na capital da Libéria. Esta realidade tem dificultado o combate à doença.

Uma responsabilidade de todos
David Nabarro coordenador das Nações Unidas para o combate do surto, enumerou na terça-feira nas Nações Unidas, em Nova Iorque, o que era necessário no terreno: pessoal médico, camas, alimentos, dinheiro, equipamento, materiais, veículos, o treino do pessoal, sistemas de informação para apoiar o trabalho e orientação na comunicação. “O surto está a avançar à nossa frente, está a acelerar, e nós, nos nossos esforços de controlá-lo estamos, a nível colectivo, a falhar”, admitiu.

Entretanto, o Departamento de Saúde e dos Serviços Humanos dos Estados Unidos fez um contrato de 42,3 milhões de dólares (32,17 milhões de euros) com a empresa que produz o ZMapp para ajudar a acelerar os ensaios clínicos do tratamento. A vacina contra o ébola da farmacêutica GlaxoSmithKline Plc inicia nesta semana os ensaios clínicos de segurança em humanos. Estão em investigação 17 tratamentos e 12 vacinas contra o ébola em várias instituições.

“O surto vai piorar antes de ficar melhor e necessita de uma resposta urgente que seja bem coordenada e muito aumentada”, defendeu por seu lado Margaret Chan, directora-geral da OMS. “O mundo inteiro é responsável e é encarregado de controlar a ameaça do ébola.”