Com ou sem acordo, Putin revela o seu plano de paz para a Ucrânia

Presidente russo continua a não abdicar da saída das tropas ucranianas do Leste, uma exigência vista como inadmissível por vários sectores em Kiev.

Fotogaleria

A confusão instalou-se a meio da manhã, quando o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, anunciou através da rede social Twitter que os dois chefes de Estado tinham chegado a um acordo para um cessar-fogo permanente nos combates que já mataram cerca de 2600 pessoas nas províncias de Lugansk e Donetsk.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A confusão instalou-se a meio da manhã, quando o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, anunciou através da rede social Twitter que os dois chefes de Estado tinham chegado a um acordo para um cessar-fogo permanente nos combates que já mataram cerca de 2600 pessoas nas províncias de Lugansk e Donetsk.

The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/NOTICIA_IMAGEM.cshtml' was not found. The following locations were searched: ~/Views/Layouts/Amp2020/NOTICIA_IMAGEM.cshtml
NOTICIA_IMAGEM

Apesar de não ter apagado essa primeira mensagem partilhada no Twitter, a Presidência ucraniana fez uma alteração ao texto publicado no seu site, retirando a palavra "permanente" – afinal, aquilo que estava a ser interpretado como uma porta escancarada para a paz, era um acordo sobre os princípios gerais dos passos que poderão eventualmente abrir um pouco essa porta.

Foi essa a interpretação de Moscovo desde o primeiro momento. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse logo que não estava em causa qualquer acordo para um cessar-fogo permanente – até porque isso seria uma admissão de que a Rússia é uma das partes do conflito, o que tem sido sempre negado por Vladimir Putin.

"Putin e Poroshenko discutiram efectivamente as medidas que contribuiriam para um cessar-fogo entre as milícias e as forças ucranianas. Mas a Rússia não pode negociar um cessar-fogo, porque não é uma parte envolvida no conflito", declarou Peskov.

A confusão inicial começou a ser esclarecida pelos jornais The New York Times e The Guardian, que citaram responsáveis da Presidência ucraniana sob anonimato – de acordo com o jornal britânico, a referência a um cessar-fogo permanente na conta do Twitter de Petro Poroshenko tinha sido "um lapso mental".

Voluntários difíceis de controlar
Também entre os separatistas pró-russos e os batalhões de voluntários que lutam sob o comando do Exército ucraniano surgiram declarações contraditórias sobre a possibilidade de um cessar-fogo.

Apesar de a NATO, os Estados Unidos e a União Europeia afirmarem que os combatentes separatistas estão sob o controlo total da Rússia, e de a Rússia afirmar que os voluntários ucranianos respeitam as ordens de Kiev, não é líquido que uns e outros aceitem as condições de qualquer acordo que seja alcançado sem a sua participação.

Enquanto Poroshenko e Putin conversavam ao telefone, a cidade portuária de Mariupol continuava a ser bombardeada, e os combates prosseguiam em Donetsk e Lugansk, onde os separatistas fizeram importantes avanços militares na última semana, que a NATO afirma terem sido alcançados com a participação de cerca de mil soldados russos.

O líder de um dos batalhões de voluntários fiéis às autoridades da Ucrânia, Ruslan Onishenko, disse ao The Washington Post que não acreditava nas promessas de Vladimir Putin, numa altura em que ainda corria a notícia de que tinha sido de facto alcançado um acordo de cessar-fogo.

"Estamos preparados para que os russos quebrem as suas promessas, como é hábito. Prometeram-nos um corredor verde que acabou por se transformar num corredor vermelho", disse Onishenko, referindo-se à acusação de que os separatistas mataram dezenas de soldados ucranianos quando estes se preparavam para sair da cidade cercada de Ilovaisk.

Ainda assim, o batalhão liderado por este voluntário ucraniano é um dos que garante respeitar as ordens de Kiev: "Iremos obedecer à ordem do Presidente se ele ordenar um cessar-fogo da nossa parte, mas não posso falar em nome de outros batalhões."

Do outro lado do conflito, um conselheiro do vice-primeiro-ministro da autoproclamada República Popular de Donetsk, Andrei Purgin, disse que não tinha conhecimento de qualquer acordo. "Isto é um jogo qualquer por parte de Kiev. É algo completamente inesperado. Foi uma decisão tomada sem o nosso envolvimento", citou a agência russa RIA Novosti.

Os separatistas consideram "impraticável" qualquer acordo de cessar-fogo que não inclua a retirada das forças leais ao Governo de Kiev da região.<_o3a_p>

Em declarações ao The New York Times, o responsável político do Ministério da Defesa da autoproclamada República Popular de Donetsk, Vladislav Brig, disse também que ninguém falou com os separatistas sobre um eventual cessar-fogo. "Enquanto houver soldados ucranianos no nosso território, não haverá nenhum cessar-fogo. A conversa [entre os presidentes da Ucrânia e da Rússia] foi sobre medidas para um cessar-fogo. O sr. Putin não acordou com o sr. Poroshenko nenhum cessar-fogo porque a Rússia não está envolvida neste conflito", reforçou o representante dos combatentes.

Governo da Ucrânia contra acordo
Depois de ter sido eleito em finais de Maio com a promessa de esmagar a rebelião pró-russa no Leste da Ucrânia numa questão de dias, o Presidente Petro Poroshenko está a ser pressionado por alguns sectores do país a não aceitar qualquer acordo que deixe os separatistas a controlar as províncias de Donetsk e Lugansk.

Neste contexto, é difícil imaginar que haja um acordo de cessar-fogo nos próximos tempos – pelo menos um acordo que não obrigue Kiev a fazer grandes concessões, o que significaria, na prática, admitir uma vitória da estratégia de Moscovo.

Alguns analistas defendem que o objectivo de Vladimir Putin é transformar o Leste da Ucrânia numa região semelhante aos territórios da Ossétia do Sul e da Abkházia, duas repúblicas separatistas da Geórgia, e da Transnístria, no território da Moldova.

O Presidente russo, Vladimir Putin, não comentou a confusão criada pela mensagem inicial de Petro Poroshenko, mas confirmou mais tarde, a caminho da Mongólia, que os dois chefes de Estado falaram de paz.

Apesar disso, quase nada nas palavras de Vladimir Putin leva a crer que Moscovo vai abdicar das exigências que tem feito desde o início dos combates no Leste da Ucrânia, em Abril. "Falei ao telefone com o Presidente Poroshenko esta manhã e, pelo que me pareceu, os nossos pontos de vista sobre a forma de solucionar o conflito são muito próximos, como os diplomatas costumam dizer", declarou o Presidente russo.

Putin descreveu depois, em traços gerais, a ideia que tem sobre a melhor forma de solucionar o conflito: os separatistas devem cessar os seus avanços contra as posições do Exército ucraniano; as tropas de Kiev devem retirar-se para posições a partir das quais não consigam atingir populações civis; observadores internacionais devem entrar na região para monitorizar o cessar-fogo; os responsáveis de ambas as partes devem trocar os seus prisioneiros; os habitantes da região devem receber ajuda humanitária através de um corredor aberto especificamente para esse efeito; e as infra-estruturas que foram destruídas nestes cinco meses de guerra devem ser reconstruídas.

Como nota o The Washington Post, o Presidente russo não fez qualquer referência ao futuro estatuto das províncias de Donetsk e Lugansk após um eventual cessar-fogo, o que deixa em aberto a forte possibilidade de a região ficar sob o controlo dos separatistas, mesmo sem um reconhecimento internacional.

Vladimir Putin disse ainda esperar que o encontro de sexta-feira entre representantes da Ucrânia e dos separatistas, em Minsk, sirva para que as partes cheguem a um acordo definitivo.

Os tímidos avanços em direcção à paz feitos ao longo do dia surgem na véspera da cimeira da NATO, que vai decorrer quinta e sexta-feira, no País de Gales, que servirá para que os países-membros da Aliança Atlântica reforcem o seu apoio à Ucrânia, cujo Governo anunciou que irá formalizar o pedido de adesão em breve.

Talvez por isso, o primeiro-ministro interino e demissionário da Ucrânia, Arseni Iatseniuk, descreveu as propostas de Vladimir Putin como uma manobra para acalmar os membros da NATO, revelando as suas divergências com o Presidente Petro Poroshenko. "O verdadeiro plano de Putin é destruir a Ucrânia e restaurar a União Soviética. Todos os anteriores acordos feitos com a Rússia – em Genebra, na Normandia, em Berlim e em Minsk – foram ignorados ou flagrantemente violados pelo regime russo", afirmou Iatseniuk.