PSD e PS vão tentar entender-se sobre proposta de combate à corrupção

Agravamento de penas para crimes de corrupção deverá merecer um consenso abrangente no Parlamento.

Foto
Enric Vives-Rubio

Os dois principais grupos parlamentares vão procurar um entendimento sobre propostas de combate à corrupção. Ambos os partidos têm projectos idênticos que propõem o agravamento de penas para crimes de corrupção e que parecem merecer um consenso alargado na Assembleia da República.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Os dois principais grupos parlamentares vão procurar um entendimento sobre propostas de combate à corrupção. Ambos os partidos têm projectos idênticos que propõem o agravamento de penas para crimes de corrupção e que parecem merecer um consenso alargado na Assembleia da República.

O PS retomou, no início de Maio, um projecto do PSD mais antigo que previa um agravamento das penas no crime de tráfico de influências, na corrupção no sector privado, um aumento dos prazos de prescrição de alguns crimes e o alargamento das sanções penais a titulares de cargos políticos estrangeiros quando a infracção seja cometida em território estrangeiro.

Estes projectos legislativos transpõem para a lei portuguesa um conjunto de recomendações do grupo Greco [Group of States Against Corruption], uma organização do Conselho da Europa que monitoriza o cumprimento pelos Estados dos padrões anti-corrupção.

As bancadas do PSD e do PS estão em conversações para chegarem a acordo sobre um texto comum até porque os projectos de lei são idênticos. Muitas das propostas de alteração à lei portuguesa "correspondem a uma harmonização internacional e resultam de recomendações internacionais", disse ao PÚBLICO o deputado socialista Filipe Neto Brandão. POr seu lado, o deputado do PSD e coordenador do grupo de trabalho de acompanhamento das políticas de combate à corrupção, Hugo Soares, está optimista sobre um entendimento com o PS. "Este tipo de medidas deve ter um consenso o mais abrangente possível", sustentou.

É provável que o texto final venha a ser unânime, tal como aconteceu na votação na generalidade do projecto do PS, em Junho, e na do PSD em 2013. Bloco de Esquerda e PCP concordam em geral com a proposta, apesar de "poder haver uma ou outra coisa a ser limada", segundo António Filipe, vice-presidente da bancada parlamentar comunista.

Uma das dúvidas manifestadas pelo PCP, pelo CDS - e que poderá cair na proposta final - é a criminalização de tráfico de influências para acto lícito (o que está já previsto na lei é para acto ilícito) por haver dúvidas jurídicas de aplicação prática do conceito.

Pode ser enquadrado em tráfico de influências para acto lícito o caso de uma pessoa que tente acelerar um qualquer processo na administração pública para ajudar um amigo sem a intenção ou o efeito de obter qualquer vantagem para si.

Noutro contexto, essa diligência também é feita pelos deputados quando dirigem perguntas, por escrito, ao Governo sobre determinado assunto.

Por isso, no limite, há quem considere que a actividade parlamentar normal pode ser entendida como uma prática criminal caso o tráfico de influências para acto lícito seja estabelecido na lei. "Pode ser uma coisa criminalizadora da actividade política", observa António Filipe.

As dúvidas são partilhadas pelo PSD e pelo CDS. "O cidadão consegue obrigar o Estado a cumprir o seu dever sem obter uma vantagem para si. E o Estado prende-o?", questiona Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS, que também manifesta reservas sobre a elevação de prazos de prescrição, porque em regra é uma questão sobre a qual os centristas têm dúvidas.

Roçar o lobbiyng

A criminalização do tráfico de influências para acto lícito pode "roçar o lobbiyng e isso não está regulamentado em Portugal", adverte Luís de Sousa, da associação cívica Transparência e Integridade.

O investigador, que é muito crítico da política de combate à corrupção, aplaude a iniciativa dos partidos para traduzirem na lei as recomendações do Greco, mas lembra que já o fazem com dois anos de atraso e lamenta que a sociedade civil (onde se enquadra a associação de que faz parte) não seja ouvida sobre estas matérias pelos deputados.

O Bloco de Esquerda subscreve as recomendações do Greco e a transposição, mas no debate na generalidade do projecto de lei do PS, no passado mês de Junho, a deputada Cecília Honório voltou a levantar a questão do regime de incompatibilidades dos deputados, desafiando os socialistas a assumir uma posição mais restrita.

Os socialistas defendem que o regime pode ser mais apertado. O deputado José Magalhães anunciou que esse tema voltará a ser tocado, mas recusa-se a aceitar a obrigatoriedade de os deputados trabalharem em regime de exclusividade, como querem os bloquistas.

No âmbito do processo legislativo - os projectos do PS e do PSD estão na Comissão de Assuntos Constitucionais depois de aprovados em plenário - foram pedidos pareceres a várias instâncias judiciais, entre as quais o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (ver texto nestas páginas) e a Ordem dos Advogados.

Neste último caso, a bastonária Elina Fraga propõe que, à luz da Convenção Anticorrupção da OCDE, seja estabelecido na lei "de forma expressa que a investigação e a perseguição, no comércio internacional, não podem ser influenciadas pela consideração de interesses económicos nacionais, dos efeitos possíveis nas relações com um outro Estado ou ainda pela identidade das pessoas, singulares ou colectivas, envolvidas".