Putin força a mão de Poroshenko, ao jogar o trunfo de um novo estado para o Leste da Ucrânia
Na véspera de mais uma reunião em Minsk para discutir a crise na fronteira da Ucrânia, o Presidente russo defende negociações directas com os separatistas e intimida os líderes europeus que ainda não acertaram a aplicação de novas sanções económicas.
A concertação de uma posição comum ou o desenho de um compromisso para o fim do conflito adivinha-se tarefa difícil. Para não variar, o impasse, indefinição e pessimismo quanto à possibilidade de uma saída para a crise mantinham-se na véspera do arranque das negociações do chamado “grupo de Contacto de Minsk”, que congrega uma delegação do Governo de Kiev e outra do Kremlin – e que poderá ainda vir a incluir representantes dos separatistas.
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A concertação de uma posição comum ou o desenho de um compromisso para o fim do conflito adivinha-se tarefa difícil. Para não variar, o impasse, indefinição e pessimismo quanto à possibilidade de uma saída para a crise mantinham-se na véspera do arranque das negociações do chamado “grupo de Contacto de Minsk”, que congrega uma delegação do Governo de Kiev e outra do Kremlin – e que poderá ainda vir a incluir representantes dos separatistas.
O resultado da conversa em Minsk poderá (ou não) influenciar o desenvolvimento de outras negociações, nomeadamente entre os países da União Europeia, que fizeram um ultimato à Rússia, ameaçando a aplicação de novas sanções económicas em retaliação contra a escalada militar e alegada interferência de Moscovo nos assuntos internos de um Estado soberano.
A revolta separatista no Leste da Ucrânia rebentou em Abril, um mês depois da realização de um referendo para a adesão da península da Crimeia à Rússia e da anexação daquela província por Moscovo, sob o argumento da protecção da população russófona. Os “interesses” dos habitantes pró-russos voltaram a ser evocados por Putin durante uma entrevista transmitida este domingo pelas estações de televisão do país: em declarações provocatórias mas ao mesmo tempo ambíguas, o Presidente refere-se à criação de um novo estado no Leste da Ucrânia.
Segundo a tradução da AFP, Vladimir Putin disse que o Governo de Kiev deve “começar imediatamente conversações substantivas sobre as questões da organização política da sociedade e da condição de estado do Sudeste da Ucrânia, com o objectivo de proteger de forma incondicional os interesses legítimos das pessoas que lá vivem". Por outras palavras, devia aceder a negociar directamente e nos termos propostos pelos rebeldes – que depois de auto-proclamarem a existência de duas novas repúblicas autónomas, em Donetsk e Lugansk, pediram o reconhecimento, protecção e até anexação a Moscovo.
Depois de lançada a confusão, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, veio esclarecer que o Presidente russo não defendera a independência das províncias que constituem a região do Donbass, a que os líderes separatistas designam como “Novorossiya”, ou Nova Rússia. O que Putin fez, precisou, foi um apelo às autoridades ucranianas, no sentido de alargar as negociações e assim garantir ao mesmo tempo que o Leste se mantém no país, conquistando maior autonomia. Mas “trata-se de uma questão doméstica da Ucrânia, não de um conflito entre a Ucrânia e a Rússia”, ressalvou Peskov.
Essa não é a opinião do Presidente ucraniano Petro Poroshenko, que pediu a ajuda urgente (incluindo militar) dos aliados europeus para evitar o cenário – cada vez mais provável, vincou – de uma “guerra aberta” entre os dois países. Putin pode ter sido levado pela resposta da União Europeia aos apelos de Poroshenko a subir a parada, pelo menos do ponto de vista retórico: nas referências às negociações com os líderes separatistas, o líder russo insistiu que só o fim das hostilidades oferece garantias de que o abastecimento de gás natural (que é fornecido pela Rússia) se processará sem incidentes durante o Inverno.
“Parece que ninguém tem pensado nisso a não ser a Rússia”, observou Putin, numa alusão aos rigores do Inverno na região. “Há maneira de evitar que isso se torne um problema: parar imediatamente com as hostilidades e começar já os trabalhos de requalificação da infraestrutura que sejam necessários. É fundamental repor as reservas e realizar as operações de reparação antes que chegue o frio”, insistiu.
A entrevista de Putin foi gravada antes da reunião dos líderes da UE em Bruxelas em que ficou decidido conceder à Rússia uma semana “para mudar de táctica” antes de aplicação de uma nova ronda de sanções económicas – um gesto que será concertado com os Estados Unidos, garantiu a Casa Branca, que também está a ponderar medidas punitivas contra a Rússia. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, acredita que ainda é possível “encontrar uma solução política” que evite um ponto de não-retorno na Ucrânia. Mas avisou Moscovo a “não subestimar” os compromissos assumidos pela EU “em nome dos seus princípios e valores”.
“Quais são esses valores europeus tão modernos?” questionou Vladimir Putin, de acordo com transcrições da entrevista nos meios russos. “São o apoio a um golpe, a conquista do poder através das armas e a supressão da oposição pelas Forças Armadas? Parece-me que os nossos colegas deviam rever os seus ideais”, aconselhou o Presidente, acrescentando que a Rússia não podia “ficar indiferente ao facto de haver gente a ser morta à queima-roupa” no país vizinho.
Enquanto a Europa não concretiza quais são as novas sanções que pretende aplicar contra a Rússia – em Bruxelas ficou apenas decidido que a Comissão vai reunir propostas para serem consideradas na próxima semana – , Putin tem margem de manobra suficiente para condicionar a iniciativa dos aliados. As anteriores medidas europeias, que tiveram como alvo os sectores da defesa, energia e financeiro, tiveram um inegável impacto negativo na economia russa. Por isso, Putin já deixou em cima da mesa a questão do gás natural: uma ameaça velada à Ucrânia mas também à Alemanha e outros países dependentes do fornecimento russo.
Em Julho, Moscovo respondeu ao fortalecimento do pacote de sanções europeias com o seu próprio boicote às importações de bens alimentares da União Europeia. A possibilidade de uma reacção mais musculada de Putin (e dos seus aliados), conjugada com a deterioração da actividade económica no espaço europeu, explica a cautela dos líderes da EU em dar este novo passo – basta perceber o efeito que a retirada dos oligarcas russos de Londres teria para a City e a economia do Reino Unido, ou o que corte do abastecimento de gás natural significaria para a Alemanha, que encontra na Rússia resposta para 70% das suas necessidades energéticas.