Choque das civilizações - o Estado Islâmico
Ao longo do processo a que iremos assistir, poderão ser despertadas forças há muito subjugadas pelas fronteiras impostas pelas antigas potências coloniais, criando-se condições para reajustar as fronteiras de algumas regiões.
A maioria das pessoas que se têm debruçado sobre a evolução da ordem internacional depois do fim da guerra-fria considerou como improvável a previsão huntingtoniana, fundamentando-se no raciocínio de que uma situação dessas exigiria o completo desrespeito dos direitos humanos e das regras básicas de comportamento que o progresso civilizacional de muitos séculos conseguiu, o que julgavam impossível.
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A maioria das pessoas que se têm debruçado sobre a evolução da ordem internacional depois do fim da guerra-fria considerou como improvável a previsão huntingtoniana, fundamentando-se no raciocínio de que uma situação dessas exigiria o completo desrespeito dos direitos humanos e das regras básicas de comportamento que o progresso civilizacional de muitos séculos conseguiu, o que julgavam impossível.
Pois o impossível aí está. Na barbárie mais extrema, com a finalidade de concretizar objectivos milenares, reconstituindo o califado erigido pelos sucessores de Maomé no século VII, no ano 632, cujo território se manteve até 1258. E como consequência restaurar o poder global do Islão.
É esta barbárie inominável que tenta concretizar o projecto de Bin Laden, mas ultrapassando em vandalismo os limites que a Al Qaeda aceita, agora num patamar superior, envolvendo a conquista territorial e o desafio aos EUA que, ao responder, reforça o prestígio do EI e atrai mais aderentes à sua causa.
Já referi noutro artigo que a principal razão que explica esta emergência da tentativa de restauração do califado na região Síria/Iraque resulta de dois erros estratégicos cometidos pelos EUA. O primeiro, da responsabilidade de Bush, quando invadiu o Iraque, com os efeitos que se conhecem, e o segundo, cometido por Obama, ao promover uma insurreição contra o regime sírio, mas sem dar o apoio militar que os insurgentes requeriam, o que permitiu a ascensão dos grupos mais extremistas na contestação do regime de Assad e conquista do território por si controlado.
São estes grupos extremistas que dirigem o actual Estado Islâmico, com destaque para a Al Qaeda no Iraque (o seu nome original), que aqui combatera de modo encarniçado contra o domínio xiita e as forças americanas, sob a direcção inicial de Zarqawi e depois do sucessor e actual líder – Abu Bakr al-Baghdadi.
A sua ferocidade é tão desmesurada que Zawairi, líder da Al-Qaeda, a expulsou da organização. Mas os êxitos que o EI tem tido são de tal envergadura e projeção, que muitos dos alqaedistas que combatiam no Norte de África, no Iémen e em outras regiões, acorreram a engrossar as suas hostes, a que também se têm juntado numerosos muçulmanos europeus e norte-americanos.
Os EUA já se deram conta da dimensão desta ameaça, quando o Secretário da Defesa reconhece a sua forte e determinada motivação política, incendiada por um fanatismo religioso sem limites e concretizada por notáveis capacidades, tanto estratégicas como tácticas
E particularmente quando o seu general CEMGFA afirma ser indispensável combatê-la na própria Síria, onde dispõe das suas principais bases, para que seja neutralizada. Se esta manobra estratégica for materializada, a Síria passará de inimigo a aliado, o que confirmará o erro norte-americano inicial e confirmará as declarações de Assad, pelas quais se fosse apeado seriam os terroristas a substituí-lo.
Para extirpar este “cancro”, nas palavras de Obama, seria desejável que se constituísse uma aliança de Estados legitimada pela ONU, como Hollande parece desejar, com a finalidade de desenvolver um esforço colectivo, que não poderá ser confundido com uma cruzada. Tratar-se-á de uma luta em defesa dos direitos humanos e contra a barbárie que despreza as regras que, ao longo de muitos séculos, foram sendo criadas pelos progressos do comportamento humano. Uma luta que deveria ser conduzida, até por razões simbólicas, por uma aliança de várias nações com origens e desígnios diferentes, portanto com tipos civilizacionais e religiosos diversos, mas seguidores de regras de conduta comuns aceites pelo conjunto das nações.
Esta campanha terá de ter sucesso. Não no imediato, certamente. Mas a prazo.
Ao longo do processo a que iremos assistir, poderão ser despertadas forças há muito subjugadas pelas fronteiras impostas pelas antigas potências coloniais, criando-se condições para reajustar as fronteiras de algumas regiões, nomeadamente na área abrangida pela Síria, o Iraque, a Arábia Saudita e o Iémen.
O que poderá dar lugar a novas geometrias políticas, já previstas pelo New York Times em Setembro do ano passado: Alauitestão (na costa mediterrânica da Síria actual, onde os alauítas se refugiarão); Curdistão (resultante da união das zonas curdas da Síria e do Iraque, podendo mais tarde alargar-se ao Curdistão turco); Sunistão (constituído pelas áreas sunitas da Síria e do Iraque); Xiitistão (situado no Sul do Iraque em redor e ao Sul de Bagdade onde predominam os xiitas); provável desmembramento da península da Arábia, onde a Arábia Saudita se dividirá numa zona central wabita (o Wabitistão), à volta da qual, além do núcleo religioso do Islão com base em Meca, existirão várias unidades políticas definidas por fracturas tribais e religiosas; finalmente, divisão do Iémen em duas entidades distintas, de acordo com a predominância religiosa – xiita ou sunita.
Enquanto não terminarem, todos estes desenvolvimentos constituirão um foco de ameaças que em qualquer momento se podem desencadear sobre a Europa. Com a capacidade adicional de, quando os muçulmanos europeus da jihad regressarem, constituírem numerosos perturbadores extremistas activos, militarmente experimentados e bem preparados para conduzirem missões de natureza terrorista nos respectivos países.
General
Artigo corrigido às 12h46: Onde se lia "século VII AC" deve ler-se apenas "século VII".