Riscos da securitite de Verão
Não é a primeira vez que a histeria securitária empola os factos em relação a situações que envolvem aglomeração de população. Já em 2005, foi “criada” pela comunicação social uma versão portuguesa de um “arrastão” na praia de Carcavelos, na ânsia de catalogar e “encaixar” a acção de um grupo no que são os novos comportamentos de massas e o que é a nova tipologia de crime.
Também não é necessário ter formação específica nem ser pensador encartado com títulos académicos para perceber que se vive uma mutação das formas de relação social determinada pela implosão dos conceitos de espaço e tempo provocada pelo imediatismo e uma omnipresença permitidos pelas novas formas de comunicação. Mas é seguramente necessário bom-senso e maturidade para não se ser dominado pelo que é a febre securitária, que tende a alastrar como uma epidemia infecciosa – uma espécie de securitite – sempre que existem situações sociais em que se coloca a hipótese de distúrbios.
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Também não é necessário ter formação específica nem ser pensador encartado com títulos académicos para perceber que se vive uma mutação das formas de relação social determinada pela implosão dos conceitos de espaço e tempo provocada pelo imediatismo e uma omnipresença permitidos pelas novas formas de comunicação. Mas é seguramente necessário bom-senso e maturidade para não se ser dominado pelo que é a febre securitária, que tende a alastrar como uma epidemia infecciosa – uma espécie de securitite – sempre que existem situações sociais em que se coloca a hipótese de distúrbios.
Esta exigência de bom-senso deveria ser permanente nas entidades públicas, mas também na comunicação social. E ela tem tido a tentação – e nalguns casos cedido a essa tentação de transformar os novos fenómenos de reunião de jovens urbanos, os meet, convocados através das redes sociais, em potenciais atentados à segurança pública. Uma cedência à histeria securitária que se desenvolve à velocidade de um fósforo na pradaria em dia de calor.
Não é a primeira vez que a histeria securitária empola os factos em relação a situações que envolvem aglomeração de população. Já em 2005, foi “criada” pela comunicação social uma versão portuguesa de um “arrastão” na praia de Carcavelos, na ânsia de catalogar e “encaixar” a acção de um grupo no que são os novos comportamentos de massas e o que é a nova tipologia de crime.
Desta vez, conjugou-se a ignorância sobre as novas formas de relacionamento social de jovens, com a febre securitária para transformar em potenciais criminosos algumas centenas de jovens que conviviam no Centro Comercial Vasco da Gama, no dia 20 de Agosto. Tudo porque os responsáveis pelo espaço decidiram pedir a intervenção da polícia devido a uma discussão numa caixa do supermercado. A falta de noticias típica do Verão e a imaturidade cívica de alguma comunicação social fez o resto.
Não vale a pena sequer aduzir aqui que muito da ansiedade que levou à intervenção da polícia se deve ao facto de os jovens do meet serem maioritariamente negros, logo estigmatizados como pobres e como potencialmente marginais numa sociedade que é racista, ainda que imbuída de um racismo envergonhado e não verbalizado.
Basta vermos o fenómeno tão só nas suas consequências. E aqui a questão que se põe é a da necessidade da comunicação social ser responsável e não atear fogos nem estigmatizar pessoas. A comunicação social agiu mal ao interpretar o que se passou no concerto de encerramento das Festas do Mar em Cascais como algo análogo ao meet do Vasco da Gama. Assim como agiu mal ao catalogar previamente como perigoso o meet, inexistente, do Colombo de ontem.
O facto de os meet envolverem centenas de jovens não tem nenhum traço de crime. O facto de poderem estar entre esses jovens uma pequena minoria de delinquentes, não transforma o conjunto em bandidos nem em párias. É sabido que é ténue a fronteira entre o comportamento socialmente enquadrado e o criminoso e que pode ser ultrapassada em circunstâncias específicas, nomeadamente em jovens de meios desfavorecidos. Por isso, encarar os meet com histeria securitária pode potenciar a revolta e a identificação dos jovens com o próprio comportamento criminoso.
Daí que todo o cuidado é pouco e que a comunicação social, bem como as entidades públicas devam tratar com pinças a nova realidade dos meet. Para evitar empurrar jovens que convivem entre si na rua em potenciais candidatos à marginalidade. É importante ter maturidade para evitar exercícios de força autoritárias por parte das forças de segurança, como é preciso ter maturidade cívica e democrática para resistir a um título sensacionalista.
Ou será que alguém considera normal que sejam condenados a pena de prisão dois jovens por terem resistido à prisão e um deles ter injuriado a polícia alegadamente ao ter reagido em defesa da namorada grávida que estava a ser agredida por um agente? Insisto: será que é normal empolar factos e fazer títulos sensacionalistas que ajudam a criar um clima em que é possível tentar transformar dois jovens que trabalham e estão socialmente inseridos em potenciais cadastrados?