Boulevard Delmar marca a fronteira entre negros e brancos em St. Louis
Os protestos em Ferguson, nos EUA, contra a morte de um jovem negro por um polícia branco ocorreram numa comunidade com profundas divisões sociais e raciais.
Nos bairros a sul ficam as casas ao estilo Tudor, com bares de vinho, um clube de ténis, uma loja de mobílias que vende sofás por 6000 dólares (4500 euros). Segundo os dados dos Censos, a população desta zona é 70% branca.
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Nos bairros a sul ficam as casas ao estilo Tudor, com bares de vinho, um clube de ténis, uma loja de mobílias que vende sofás por 6000 dólares (4500 euros). Segundo os dados dos Censos, a população desta zona é 70% branca.
Se escolher ir para Norte, vê logo sinais de trânsito derrubados, lixo a voar e ruas sem uma única árvore. Aqui 99% dos habitantes são negros. É aqui que fica Ferguson, o subúrbio onde a morte por um polícia branco de Michael Brown, um jovem negro desarmado, desencadeou quase duas semanas de protestos nas ruas.
A geografia de quase todas as cidades norte-americanas revela traços de segregação. Mas em St. Louis, a separação entre as raças – e a riqueza – é especialmente drástica, tão definida que ambos os lados falam numa fronteira claramente delimitada. Chamam-lhe a Divisão de Delmar. É um símbolo da separação que durante anos produziu queixas e frustrações, emoções que explodiram no subúrbio de maioria negra de Ferguson.
Até a forma como as pessoas encaram o que aconteceu a 9 de Agosto, quando um polícia atirou sobre um jovem desarmado, é influenciado pela geografia. “Sou uma das pessoas que sente pena do polícia”, confessou Paul Ruppel, de 41 anos, proprietário de uma loja num subúrbio no lado branco da Divisão de Delmar. “Acho que a polícia de St. Louis está a fazer um óptimo trabalho.”
Alvonia Crayton, uma afro-americana que vive a Norte de Delmar, não é da mesma opinião. “O que eu me interrogo é porque é que isto não aconteceu mais cedo? A morte de Michael Brown foi a gota que fez transbordar o copo.”
A divisão geográfica de St. Louis é produto de uma herança de segregação racial, tanto legal como ilegal, e mais recentemente de uma estratificação económica que reforçou a separação racial. O planeamento urbano de subúrbios elegantes continua a privilegiar grandes lotes, para a construção de casas unifamiliares, e impede a compra do terreno por famílias com menos recursos, que estariam interessadas em subdividir a propriedade.
Ao contrário de outras velhas cidades industriais, como Chicago e Pittsburgh, St. Louis não sofreu um processo de renovação da sua população. Os afro-americanos vivem quase exclusivamente a Norte, acima de Delmar Boulevard. “É uma divisão entre ricos e pobres”, comentou Carol Camp Yeakey, directora do Centro de Investigação Urbana e Políticas Públicas da Universidade Washington, em St. Louis.
A Divisão de Delmar foi analisada num pormenorizado estudo publicado este ano por investigadores das universidades de Washington e de St. Louis. Verificaram que o valor das casas a sul era, em média de 310 mil dólares (234 mil euros), e que 67% dos adultos tinha estudado até obter o grau de bacharelato. A norte, as casas valiam em média 78 mil dólares (58.900 euros) e apenas um em cada 20 habitantes tinham graus universitários.
"Foi sempre assim"
A divisão é mais clara ao pé do Aldi, onde as duas zonas partilham um código postal, mas não têm nada a ver uma com a outra.
Central West End, o bairro branco, publica um mapa onde são listados 125 negócios locais, incluindo um bar de whiskey e uma livraria independente. A estrela de hockey de St. Louis, T.J. Oshie, vive ali, tal como vários professores universitários.
A norte, na zona quase totalmente negra de Fountain Park, muitas pessoas perderam as suas casas para os bancos na crise financeira de 2008. Restaram muito menos habitantes, e uma população mais velha. Também há muitas pechinchas: casas do início do século XX com preços abaixo dos 100 mil dólares (75.500 euros).
Mas tudo indica ser uma zona dura, apesar de ter surgido uma horta com legumes e girassóis num lote onde foram demolidos prédios. Só há restaurantes de fast-food ou comida chinesa para levar para casa. Os moradores têm histórias para contar de crimes violentos. E o mais duro, o que custa mais ouvir, é que muitos dos que vivem para norte de Delmar já nem ligam à Divisão – habituaram-se tanto a ela que têm de se recordar que é um problema.
“Foi sempre assim”, comentou Jeannette Jones, uma distribuidora de correio que trabalhou tanto no Norte como no Sul. “Quando se atravessa Delmar Boulevard – não sei, é um mundo diferente.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post